Desperdiçar comida é uma ofensa a Deus e ao próximo

Para os cristãos, o desperdício de alimentos é um mal que tem efeitos danosos tanto para a pessoa quanto para a sociedade. Do ponto de vista pessoal, está relacionado aos pecados da gula, da avareza, além de ser uma manifestação de egoísmo. Por isso, esse ato está relacionado com a falta das virtudes da temperança e da caridade.

Luciney Martins/O SÃO PAULO

O Catecismo da Igreja Católica ensina que a temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados; assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade. Nesse sentido, a temperança está associada à moderação e à sobriedade.

O desperdício de alimentos também é considerado uma falta de caridade quando, por intemperança, ganância e egoísmo, não se está atento às necessidades do próximo e se esquece de que “dar de comer a quem tem fome” é uma das obras de misericórdia ensinadas por Jesus.

Em certa medida, o desperdício pode ser ainda uma consequência da falta da virtude da ordem. Por exemplo, quando uma pessoa vai ao supermercado ou prepara uma refeição e não planeja qual é a quantidade suficiente para aquela família, causando descartes desnecessários.

POBREZA E FOME

O desperdício de alimentos ganha proporções maiores quando se torna uma prática comum de uma sociedade ou país, acentuando a desigualdade e causando o aumento da fome no mundo.

O documento intitulado “A fome no mundo, um desafio para todos: o desenvolvimento solidário”, publicado em 1996, pelo Pontifício Conselho Cor Unum, a pedido de São João Paulo II, condena os fenômenos da fuga de capitais, do desperdício ou da apropriação dos recursos, em proveito de uma minoria familiar, social, étnica ou política, considerando-os erros que lesam os pobres.

Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco tem advertido enfaticamente que o desperdício é ofensa a Deus criador, que confiou ao ser humano o cuidado da casa comum. Na encíclica Laudato si’, ele ressalta que aproximadamente um terço dos alimentos produzidos no mundo é desperdiçado e afirma que “a comida que se desperdiça é como se fosse roubada da mesa do pobre”.

EQUILÍBRIO NO USO DOS BENS

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI) destaca que “é um dever desempenhar de modo eficiente a atividade de produção dos bens, pois do contrário se desperdiçam recursos; mas não é aceitável um crescimento econômico obtido em detrimento dos seres humanos, de povos inteiros e de grupos sociais, condenados à indigência e à exclusão”

O CDSI acrescenta que a expansão da riqueza, visível na disponibilidade dos bens e dos serviços, e a exigência moral de uma difusão equitativa destes últimos “devem estimular o homem e a sociedade como um todo a praticar  a virtude essencial da solidariedade, para combater, no espírito da justiça e da caridade, onde quer que se revele a sua presença, as ‘estruturas de pecado’ que geram e mantêm pobreza, subdesenvolvimento e degradação”.

O Compêndio reforça, ainda, que “tais estruturas são edificadas e consolidadas por muitos atos concretos de egoísmo humano”.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Em 2019, foi realizada no Vaticano uma conferência sobre o desperdício de alimentos, com o objetivo de partilhar os métodos científicos mais recentes sobre como “reduzir a perda e o desperdício de alimentos” e, desta forma, “contribuir para a segurança alimentar global”

Nesse evento, a Pontifícia Academia de Ciências forneceu recomendações para ações globais e nacionais de cidadãos, empresas, governos e organizações internacionais e “ampliar a aliança de atores para obter um impacto mais significativo”.

O organismo da Santa Sé salientou que atingir a meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS) “exige ações abrangentes e sustentadas” que abordem as causas e consequências sociais, econômicas e ambientais desse problema. Também acrescenta a necessidade de abordagens que promovam a educação, criem a conscientização, promovam o diálogo e estimulem a ação global pela criação de “incentivos para fortalecer o business case para combater a perda e o desperdício de alimentos e avançar para um consumo mais sustentável”.

ESCÂNDALO

Em uma mensagem enviada à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), por ocasião do Dia Mundial da Alimentação, em 16 de outubro, o Papa Francisco novamente condenou o desperdício de alimentos. 

“Produzimos alimentos suficientes para todos, mas muitos ficam sem o pão de cada dia. Isso constitui um verdadeiro escândalo, um crime que viola os direitos humanos básicos. Portanto, é dever de todos erradicar essa injustiça por meio de ações concretas e boas práticas, e por meio de audaciosas políticas locais e internacionais”, afirmou o Pontífice.

O Papa salientou que é responsabilidade de todos realizar o sonho de um mundo em que “pão, água, remédios e trabalho” estejam disponíveis em abundância e cheguem primeiro aos mais necessitados.

BEM COMUM

O Bispo de Roma insistiu que são necessários sistemas alimentares que protejam a Terra e mantenham a dignidade da pessoa humana ao centro, que garantam alimentos suficientes em nível global e promovam trabalho digno em nível local, que alimentem o mundo hoje, sem comprometer o futuro. “Estamos conscientes de que interesses econômicos individuais, fechados e conflitantes nos impedem de projetar um sistema alimentar que responda aos valores do bem comum, da solidariedade e da cultura do encontro”, completou o Papa.

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