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Igreja acompanha o processo de saída dos moradores da Favela do Moinho 

Aliança de Misericórdia tem ação evangelizadora na comunidade desde 2004, assim como a Paróquia Sagrado Coração de Jesus; Dom Rogério está atento à situação das famílias

Após semanas marcadas por protestos e tensões, a paz voltou à Favela do Moinho, uma precária comunidade constituída na década de 1990 entre os bairros do Bom Retiro e dos Campos Elísios, e que está sendo gradualmente desocupada para que se construa um parque, como parte do processo de requalificação deste território na região central da cidade de São Paulo. 

TENSÕES 

O projeto do parque foi anunciado pelo governo de São Paulo em setembro de 2024 e iniciou-se as tratativas para que o Governo Federal cedesse o terreno para tal fim. Um acordo foi firmado, estabelecendo que caberia ao Executivo paulista um plano para a realocação das mais de 800 famílias que vivem na Favela do Moinho. Em abril, as primeiras famílias deixaram a comunidade, mas a presença da Polícia Militar gerou protestos. 

O ápice das tensões, porém, ocorreu em 12 e 13 de maio, quando a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), vinculada ao governo de São Paulo, começou a descaracterizar (demolir parcialmente) as casas já desocupadas e lacradas, sob a justificativa de evitar reocupações nessas habitações precárias. Os moradores protestaram de modo mais efusivo, o que resultou no bloqueio de trechos das linhas 7-Rubi e 8-Diamante da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), próximas à favela, com a consequente ação da Polícia na comunidade. 

Os dias que se seguiram foram de negociações, chegando-se a um novo acordo, em 15 de maio, que assegura a cada família o recebimento de R$ 250 mil para a compra de uma nova casa – antes se previa que elas ingressariam em um plano de financiamento habitacional – e auxílio-moradia de R$ 1.200 até obterem um novo lar – anteriormente, o valor seria de R$ 800, insuficiente para a locação de imóveis pelas famílias, muitas delas numerosas. 

PRESENÇA DA IGREJA 

Em 17 de maio, a missa que acontece todos os sábados na Capela Nossa Senhora Aparecida, na Favela do Moinho, foi em ação de graças pelo novo acordo. 

A Igreja Católica atua pastoralmente na Favela do Moinho desde 2004, especialmente com a presença da Aliança de Misericórdia, que ao longo dos anos também construiu a capela, o Oratório São Domingos Sávio, com atividades de contraturno escolar para cerca de 120 crianças e adolescentes; e o Centro de Educação Infantil (CEI) São Miguel, do lado externo da comunidade, atendendo as crianças do Moinho de até 6 anos de idade. 

“Com o fim da Comunidade do Moinho, deixarão de existir a capela e a casa dos missionários. Já o Oratório será transferido para o atual espaço da CEI, e como já há outros locais com esse serviço de educação infantil na região, deixaremos de fazê-lo para que no espaço da CEI se instale o Oratório, continuando com o contraturno escolar”, detalhou, ao O SÃO PAULO, o Padre Evandro Henrique Torlai, presidente da Aliança de Misericórdia.

Por enquanto, três consagradas da Aliança de Misericórdia continuam vivendo na casa de missão e mantêm as ações evangelizadoras nas famílias. Também continuam as missas na capela aos sábados, como a celebrada em 31 de maio, presidida por Dom Rogério Augusto das Neves, Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Sé. Na ocasião, uma senhora da comunidade recebeu a 1ª Comunhão. A missa foi concelebrada pelos Padres Evandro Torlai e Pedro André, SDB, Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, Decanato São Paulo, que acompanha a comunidade. 

“Com exceção do primeiro sábado do mês, que é confiado aos padres da Aliança, os padres salesianos presidem as missas aos sábados à noite na capela. Também o Oratório Festivo, típica ação pastoral e social salesiana e que está ligado à Paróquia, acolhe semanalmente um bom número de crianças e adolescentes de famílias do Moinho. Lá, elas recebem formação humana, espiritual e vivem bons momentos de lazer e convivência”, detalhou Padre Pedro à reportagem. 

UM SINAL DE ESPERANÇA EM MEIO ÀS INCERTEZAS 

Presente há mais de 20 anos na Favela do Moinho, a Aliança de Misericórdia tem sido sinal da esperança à comunidade. Assim foi em dezembro de 2011 quando um incêndio atingiu 350 barracos e as chamas pararam justamente na parede da capela, evitando uma tragédia ainda maior. Na ocasião, os missionários também organizaram as doações às famílias. 

“Os moradores têm um respeito muito grande pela Igreja Católica devido ao tempo em que a Aliança está no Moinho e pelas atividades do oratório, da creche, do apoio que damos nas questões de educação, de saúde e documentações. Eles veem na Igreja uma segurança e amparo”, assegurou Vanessa Santos Tinelli, assistente social, diretora social e membro do conselho da presidência da Aliança de Misericórdia. 

As tratativas com o poder público para o novo acordo foram feitas pela associação de moradores da Comunidade do Moinho, e tudo o que houve recentemente na favela foi sendo informado pela Aliança de Misericórdia a Dom Rogério. “Ele se mostrou muito solícito e preocupado com toda a situação desde o começo. Até fez uma visita à comunidade, foi um sinal de esperança e de conforto às famílias”, disse Padre Evandro. 

MUDANÇA PARA MELHOR 

Tanto Vanessa quanto o Padre Evandro estão certos de que o novo acordo será benéfico para as famílias. 

“Esse acordo para que não paguem por uma nova moradia, com a garantia de um auxílio-moradia maior, foi uma vitória para a comunidade. Hoje já se sente um clima muito mais pacífico e de alegria por terem conquistado um lar, pois do jeito que vivem é muito complicado: às vezes, em dois cômodos há seis crianças e em uma estrutura totalmente insalubre”, detalhou Vanessa. 

Padre Evandro recordou-se de ocasiões em que os missionários já encontraram pessoas em extrema pobreza, debilitadas de saúde e vivendo em barracos repletos de lixo. “A situação que eles se encontram é completamente inadequada para uma vida digna. Não existe asfalto dentro da comunidade, os barracos são precários e o esgoto está exposto, com as crianças tendo contato com tudo isso. Também há insegurança e instalações elétricas precárias. Portanto, nós da Aliança da Misericórdia vemos de forma muito positiva essa retirada das famílias, mas esperamos que tudo seja feito com respeito e de maneira humanizada”, concluiu. 

O QUE FICOU ACORDADO? 

Até 30 de maio, 759 das 855 famílias da Favela do Moinho já haviam aderido ao Plano de Atendimento Habitacional do governo paulista; destas, 272 (32%) já tinham se mudado. Assim ficou o acordo entre o Governo Federal, o Governo de São Paulo e a comunidade. 

  • Cada família receberá R$ 250 mil para comprar uma nova casa (R$ 180 mil saem dos cofres federais e R$ 70 mil dos cofres do governo paulista); 
  • Os moradores poderão optar por apartamentos – prontos, em construção ou com obras a iniciar – em um leque de 25 empreendimentos na cidade; 
  • Também as famílias que haviam saído da comunidade com a primeira proposta do governo estadual receberão recursos para a quitação do imóvel já comprado; 
  • Até ir para o novo imóvel, cada família receberá auxílio- -moradia mensal de R$ 1.200; 
  • O terreno da Favela do Moinho será cedido pelo Governo Federal ao Governo de São Paulo para a construção de um parque público. 

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