
A Inteligência Artificial (IA) já não é mais promessa futurista nas escolas brasileiras. Professores e alunos começam a incorporá-la em suas rotinas. Especialistas reconhecem seu potencial para melhorar o ensino e combater a evasão escolar, mas alertam para preocupações como a formação docente, a privacidade de dados e a equidade no acesso às ferramentas.
A NOVA ERA DO APRENDIZADO
Apesar das inseguranças, a chamada “nova era” da educação promete transformar o ensino. Um dos principais avanços é a personalização, que permite acompanhamento mais direto e individualizado dos estudantes, tornando o conteúdo mais inclusivo e eficaz.
No Sesi-SP, a IA já faz parte do cotidiano. Segundo Luis Fernando Quintino, supervisor técnico educacional, os resultados são positivos, trazendo autonomia, engajamento e melhoria contínua na aprendizagem: “Buscamos criar um ambiente que atenda às necessidades específicas de cada aluno. Usamos o Praticaí, que dá feedback imediato e acompanha o desenvolvimento por meio de atividades adaptativas. Ele também integra a tutoria virtual LEIA, que auxilia na resolução de dúvidas em tempo real, sem entregar respostas prontas, mas indicando caminhos para que o aluno chegue à solução. Além disso, fornece dados aos professores para planejarem intervenções mais assertivas.”
A automação de tarefas administrativas e avaliações também libera os docentes para focar o acompanhamento individual e o desenvolvimento de novas práticas pedagógicas.
Na ETEC Profa. Maria Cristina Medeiros, em Ribeirão Pires (SP), a professora Cintia Pinho explica que muitos colegas docentes já utilizam IA para criar provas, elaborar projetos interdisciplinares e sugerir jogos educativos.
Cintia Pinho recorre à tecnologia para atualizar apresentações, enriquecer slides e produzir tutoriais. Para ela, a IA representa economia de tempo, já que permite criar atividades personalizadas de forma rápida e identificar as principais dificuldades dos alunos. No entanto, ela ressalta que o ideal é recorrer a sistemas de personalização, pois nesse formato todo o comportamento e os dados dos estudantes ficam registrados, possibilitando a criação de atividades específicas conforme a necessidade de cada um.
O OLHAR DA UNESCO
A tecnologia amplia o acesso a materiais didáticos e pode ser aliada no combate à evasão escolar. É o que destaca Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.
Ela reforça que a governança da IA deve ser inclusiva, transparente e baseada em direitos humanos, com foco na redução das disparidades e na promoção da justiça social: “É essencial que os países desenvolvam estratégias próprias, respeitando suas realidades culturais e sociais, mas também promovam cooperação internacional para compartilhar boas práticas e tecnologias”.
Segundo Rebeca, a IA pode ser uma poderosa aliada quando usada com intencionalidade pedagógica, mas pode comprometer a aprendizagem se virar apenas um atalho. “A Unesco enfatiza que o impacto da IA depende da forma como ela é implementada e do preparo das instituições e dos educadores para lidar com seus desafios”.
A Organização também propõe regulamentações claras, como a idade mínima de 13 anos para uso de IA generativa, e recomenda que as escolas validem a adequação ética e pedagógica das tecnologias antes de adotá-las.
DESAFIOS E RISCOS
A implementação da IA no Brasil ainda é desigual. Escolas privadas já a utilizam em processos pedagógicos e administrativos, enquanto a rede pública enfrenta limitações como falta de acesso à internet, a equipamentos de qualidade, bem como à clareza sobre os riscos.
Para o professor Marcos Sidnei Pagotto, do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação da USP, há diferenças claras entres as redes de ensino: “Temos escolas privadas que já incorporam IA em processos como correção de exercícios. A rede pública, por outro lado, sofre com limitações estruturais e falta de compreensão sobre as possibilidades da tecnologia”.
A formação docente é apontada como um dos principais desafios. Pagotto alerta: “O grande risco é a superficialidade, acreditar que tudo pode ser resolvido pela IA. Isso nos leva a abrir mão dos esforços de interpretação, análise e elaboração. A autonomia do pensamento precisa ser exercitada constantemente. Atribuir à máquina o que precisa ser feito por nós é deixar de lado um aspecto definidor da nossa humanidade”.
A professora Cintia Pinho tem similar preocupação. Para ela, o uso exagerado da tecnologia pode gerar acomodação e perda de raciocínio próprio. Por isso, defende a combinação de metodologias tradicionais e digitais, para que o estudante compreenda a importância do pensamento autônomo.
INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS

O governo brasileiro tem buscado se posicionar diante da transformação digital. O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028 prevê ações voltadas à capacitação de gestores e professores.
O Ministério da Educação (MEC) lançou em 2024 o Referencial de Saberes Digitais Docentes, que orienta a integração das tecnologias digitais ao ensino.
Ao O SÃO PAULO, o MEC informou que vem concentrando esforços na ampliação da oferta de cursos pelo Ambiente Virtual de Aprendizagem do Ministério da Educação (Avamec). A plataforma disponibiliza formações autoinstrucionais, incluindo cursos voltados a professores sobre educação digital escolar, com especial foco em Inteligência Artificial.
Já a Unesco recomenda que o uso da IA na educação seja orientado por uma abordagem centrada no ser humano. “A organização tem destacado a importância de medir não apenas o uso da tecnologia em seus indicadores, que estão em fase de consolidação, mas também seus efeitos sobre a equidade, a inclusão e a qualidade educacional”, reforça Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Unesco no Brasil.
CULTIVANDO BONS EXEMPLOS
Experiências internacionais ajudam a mostrar caminhos. A Finlândia é referência na formação docente e uso ético da IA. A Coreia do Sul integra a tecnologia em plataformas nacionais de aprendizagem. A China aposta na personalização em larga escala. O Uruguai, com o Plano Ceibal, comprova que políticas públicas bem estruturadas podem promover inclusão digital com equidade.
No Brasil, há iniciativas premiadas. A ETEC Profa. Maria Cristina Medeiros, sob orientação da professora Cintia Pinho, já conquistou reconhecimento em feiras científicas, mostrando que a IA pode ir além do apoio escolar e fomentar soluções inovadoras.
“Os resultados começaram a aparecer entre 2022 e 2023, quando passamos a participar de feiras científicas. Em 2023, fomos campeões mundiais na categoria de menores de 18 anos no IA Festival e apresentamos o projeto na Califórnia, tudo custeado pela Intel. Em 2024, ganhamos o mesmo Festival na América Latina. Esses resultados trouxeram ainda mais interesse e um engajamento gigantesco dos estudantes de nossa unidade. Hoje na Etec, a IA é vista não apenas como uma ferramenta par atividades escolares, mas também como um meio de criar produtos e soluções inovadoras”, enfatizou Cintia.

O mesmo aconteceu no Colégio Santa Catarina da rede Santa Catarina em São Paulo. A IA se tornou forte aliada na aprendizagem. Segundo Renato da Silva Rocha, líder da comissão ASG – E e tecnologia educacional da rede, a adoção da IA no colégio contribuiu para personalizar a aprendizagem a ponto de criarem um projeto de visão computacional e sustentabilidade.
“No âmbito dos projetos interdisciplinares, os estudantes do 3º ano do Ensino Médio estão desenvolvendo “Lixeiras Inteligentes” com o uso de visão computacional e microcontroladores. As lixeiras são capazes de identificar e classificar resíduos automaticamente, promovendo os princípios de ESG (Ambiental, Social e Governança), indo de encontro com nosso programa de sustentabilidade ASG+E. A IA não é apenas uma ferramenta tecnológica, mas um catalisador de transformação pedagógica. ”, acentua Renato Rocha.
O CAMINHO PARA UMA EDUCAÇÃO EQUILIBRADA
A jornada da Inteligência Artificial nas salas de aula brasileiras é marcada por promessas e desafios. Para que se torne uma aliada, de fato, na construção de um futuro educacional mais equitativo, o debate sobre sua implementação precisa ser contínuo.
O professor Pagotto resume: “Sem dúvidas, a IA será naturalizada em nossas vidas no futuro, como aconteceu com a internet. A questão é garantir que isso ocorra da melhor forma possível”.
ALGUMAS FERRAMENTAS DE IA NA EDUCAÇÃO
Avamec (MEC)
https://avamec.mec.gov.br
Oferece cursos autoinstrucionais a professores e ao público em geral, como:
– Formação para Professores em Inteligência Artificial;
– Gerazine: IA generativa na curadoria e criação de recursos digitais;
– IA generativa na educação;
– IA na prática docente;
– IA: uso criativo para transformar a aprendizagem;
– Inteligência Artificial na Educação – fundamentos;
– Metodologias, tecnologias digitais e IA.
Unesco
https://www.unesco.org
Promove webinars mensais sobre aprendizagem digital e supervisão de plataformas nacionais de ensino.
Centro Paula Souza
https://sead.cps.sp.gov.br
Disponibiliza curso gratuito de aperfeiçoamento profissional em Inteligência Artificial.