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Inteligência Artificial na Educação brasileira: revolução ou desafio ético nas salas de aula?

Pixabay

A Inteligência Artificial (IA) já não é mais promessa futurista nas escolas brasileiras. Professores e alunos começam a incorporá-la em suas rotinas. Especialistas reconhecem seu potencial para melhorar o ensino e combater a evasão escolar, mas alertam para preocupações como a formação docente, a privacidade de dados e a equidade no acesso às ferramentas. 

A NOVA ERA DO APRENDIZADO 

Apesar das inseguranças, a chamada “nova era” da educação promete transformar o ensino. Um dos principais avanços é a personalização, que permite acompanhamento mais direto e individualizado dos estudantes, tornando o conteúdo mais inclusivo e eficaz.

No Sesi-SP, a IA já faz parte do cotidiano. Segundo Luis Fernando Quintino, supervisor técnico educacional, os resultados são positivos, trazendo autonomia, engajamento e melhoria contínua na aprendizagem: “Buscamos criar um ambiente que atenda às necessidades específicas de cada aluno. Usamos o Praticaí, que dá feedback imediato e acompanha o desenvolvimento por meio de atividades adaptativas. Ele também integra a tutoria virtual LEIA, que auxilia na resolução de dúvidas em tempo real, sem entregar respostas prontas, mas indicando caminhos para que o aluno chegue à solução. Além disso, fornece dados aos professores para planejarem intervenções mais assertivas.” 

A automação de tarefas administrativas e avaliações também libera os docentes para focar o acompanhamento individual e o desenvolvimento de novas práticas pedagógicas. 

Na ETEC Profa. Maria Cristina Medeiros, em Ribeirão Pires (SP), a professora Cintia Pinho explica que muitos colegas docentes já utilizam IA para criar provas, elaborar projetos interdisciplinares e sugerir jogos educativos. 

Cintia Pinho recorre à tecnologia para atualizar apresentações, enriquecer slides e produzir tutoriais. Para ela, a IA representa economia de tempo, já que permite criar atividades personalizadas de forma rápida e identificar as principais dificuldades dos alunos. No entanto, ela ressalta que o ideal é recorrer a sistemas de personalização, pois nesse formato todo o comportamento e os dados dos estudantes ficam registrados, possibilitando a criação de atividades específicas conforme a necessidade de cada um.

O OLHAR DA UNESCO 

A tecnologia amplia o acesso a materiais didáticos e pode ser aliada no combate à evasão escolar. É o que destaca Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil. 

Ela reforça que a governança da IA deve ser inclusiva, transparente e baseada em direitos humanos, com foco na redução das disparidades e na promoção da justiça social: “É essencial que os países desenvolvam estratégias próprias, respeitando suas realidades culturais e sociais, mas também promovam cooperação internacional para compartilhar boas práticas e tecnologias”. 

Segundo Rebeca, a IA pode ser uma poderosa aliada quando usada com intencionalidade pedagógica, mas pode comprometer a aprendizagem se virar apenas um atalho. “A Unesco enfatiza que o impacto da IA depende da forma como ela é implementada e do preparo das instituições e dos educadores para lidar com seus desafios”. 

A Organização também propõe regulamentações claras, como a idade mínima de 13 anos para uso de IA generativa, e recomenda que as escolas validem a adequação ética e pedagógica das tecnologias antes de adotá-las. 

DESAFIOS E RISCOS 

A implementação da IA no Brasil ainda é desigual. Escolas privadas já a utilizam em processos pedagógicos e administrativos, enquanto a rede pública enfrenta limitações como falta de acesso à internet, a equipamentos de qualidade, bem como à clareza sobre os riscos. 

Para o professor Marcos Sidnei Pagotto, do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação da USP, há diferenças claras entres as redes de ensino: “Temos escolas privadas que já incorporam IA em processos como correção de exercícios. A rede pública, por outro lado, sofre com limitações estruturais e falta de compreensão sobre as possibilidades da tecnologia”. 

A formação docente é apontada como um dos principais desafios. Pagotto alerta: “O grande risco é a superficialidade, acreditar que tudo pode ser resolvido pela IA. Isso nos leva a abrir mão dos esforços de interpretação, análise e elaboração. A autonomia do pensamento precisa ser exercitada constantemente. Atribuir à máquina o que precisa ser feito por nós é deixar de lado um aspecto definidor da nossa humanidade”. 

A professora Cintia Pinho tem similar preocupação. Para ela, o uso exagerado da tecnologia pode gerar acomodação e perda de raciocínio próprio. Por isso, defende a combinação de metodologias tradicionais e digitais, para que o estudante compreenda a importância do pensamento autônomo. 

INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS 

Divulgação

O governo brasileiro tem buscado se posicionar diante da transformação digital. O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028 prevê ações voltadas à capacitação de gestores e professores. 

O Ministério da Educação (MEC) lançou em 2024 o Referencial de Saberes Digitais Docentes, que orienta a integração das tecnologias digitais ao ensino.

Ao O SÃO PAULO, o MEC informou que vem concentrando esforços na ampliação da oferta de cursos pelo Ambiente Virtual de Aprendizagem do Ministério da Educação (Avamec). A plataforma disponibiliza formações autoinstrucionais, incluindo cursos voltados a professores sobre educação digital escolar, com especial foco em Inteligência Artificial.

Já a Unesco recomenda que o uso da IA na educação seja orientado por uma abordagem centrada no ser humano. “A organização tem destacado a importância de medir não apenas o uso da tecnologia em seus indicadores, que estão em fase de consolidação, mas também seus efeitos sobre a equidade, a inclusão e a qualidade educacional”, reforça Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Unesco no Brasil.

CULTIVANDO BONS EXEMPLOS 

Experiências internacionais ajudam a mostrar caminhos. A Finlândia é referência na formação docente e uso ético da IA. A Coreia do Sul integra a tecnologia em plataformas nacionais de aprendizagem. A China aposta na personalização em larga escala. O Uruguai, com o Plano Ceibal, comprova que políticas públicas bem estruturadas podem promover inclusão digital com equidade. 

No Brasil, há iniciativas premiadas. A ETEC Profa. Maria Cristina Medeiros, sob orientação da professora Cintia Pinho, já conquistou reconhecimento em feiras científicas, mostrando que a IA pode ir além do apoio escolar e fomentar soluções inovadoras. 

“Os resultados começaram a aparecer entre 2022 e 2023, quando passamos a participar de feiras científicas. Em 2023, fomos campeões mundiais na categoria de menores de 18 anos no IA Festival e apresentamos o projeto na Califórnia, tudo custeado pela Intel. Em 2024, ganhamos o mesmo Festival na América Latina. Esses resultados trouxeram ainda mais interesse e um engajamento gigantesco dos estudantes de nossa unidade. Hoje na Etec, a IA é vista não apenas como uma ferramenta par atividades escolares, mas também como um meio de criar produtos e soluções inovadoras”, enfatizou Cintia.

Estudantes participantes de um projeto com IA no Colégio Santa Catarina

O mesmo aconteceu no Colégio Santa Catarina da rede Santa Catarina em São Paulo. A IA se tornou forte aliada na aprendizagem. Segundo Renato da Silva Rocha, líder da comissão ASG – E e tecnologia educacional da rede, a adoção da IA no colégio contribuiu para personalizar a aprendizagem a ponto de criarem um projeto de visão computacional e sustentabilidade.

“No âmbito dos projetos interdisciplinares, os estudantes do 3º ano do Ensino Médio estão desenvolvendo “Lixeiras Inteligentes” com o uso de visão computacional e microcontroladores. As lixeiras são capazes de identificar e classificar resíduos automaticamente, promovendo os princípios de ESG (Ambiental, Social e Governança), indo de encontro com nosso programa de sustentabilidade ASG+E. A IA não é apenas uma ferramenta tecnológica, mas um catalisador de transformação pedagógica. ”, acentua Renato Rocha.

O CAMINHO PARA UMA EDUCAÇÃO EQUILIBRADA 

A jornada da Inteligência Artificial nas salas de aula brasileiras é marcada por promessas e desafios. Para que se torne uma aliada, de fato, na construção de um futuro educacional mais equitativo, o debate sobre sua implementação precisa ser contínuo. 

O professor Pagotto resume: “Sem dúvidas, a IA será naturalizada em nossas vidas no futuro, como aconteceu com a internet. A questão é garantir que isso ocorra da melhor forma possível”. 

ALGUMAS FERRAMENTAS DE IA NA EDUCAÇÃO 

Avamec (MEC) 
https://avamec.mec.gov.br
Oferece cursos autoinstrucionais a professores e ao público em geral, como: 
– Formação para Professores em Inteligência Artificial; 
Gerazine: IA generativa na curadoria e criação de recursos digitais; 
– IA generativa na educação; 
– IA na prática docente; 
– IA: uso criativo para transformar a aprendizagem; 
– Inteligência Artificial na Educação – fundamentos; 
– Metodologias, tecnologias digitais e IA. 

Unesco 
https://www.unesco.org
Promove webinars mensais sobre aprendizagem digital e supervisão de plataformas nacionais de ensino. 

Centro Paula Souza 
https://sead.cps.sp.gov.br
Disponibiliza curso gratuito de aperfeiçoamento profissional em Inteligência Artificial. 

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