
Luzes e cenários são montados em pátios e presbitérios, transformando o ambiente cotidiano no palco da maior trama já vivida. O beijo traidor, o “Crucifica-o!” vociferado pela multidão, as lágrimas de uma mãe, o silêncio do sepulcro. É Semana Santa, e, nas paróquias, as tradicionais encenações da Paixão de Cristo fazem as páginas dos Evangelhos ganharem rostos, vozes e expressões. Cada detalhe convida a comunidade a mergulhar no mistério do Tríduo Pascal, entrelaçando fé e arte em uma experiência que vai muito além do espetáculo.
“Não se trata de um ato artístico. É um momento de evangelização e oração por meio da arte”, explica Mariana Carvalho, da Comunidade Canto de Maria, que atua na Basílica Menor de Sant’Ana.
Se o presépio, representação do nascimento de Jesus, tem raízes conhecidas em São Francisco de Assis, a origem das encenações da Paixão permanece envolta em mistério. Não há registros exatos de onde ou quando surgiu a prática de dramatizar a Paixão e Morte de Jesus, mas não faltam testemunhos sobre seu impacto.
“Rafael estava afastado da Igreja, mas foi tocado ao assistir à apresentação da Paixão, a convite de um vizinho. Retornou com a família, engajou-se na comunidade e, no ano seguinte, acabou integrando o elenco. A encenação foi seu caminho de volta para Deus”, conta Viviane Fumagalli, da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, na Região Lapa.
ESPIRITUALIDADE ALÉM DO ROTEIRO

A preparação vai muito além de decorar falas ou montar figurinos. Em muitas comunidades, ela envolve meses de oração, estudo e partilhas. “Antes de cada ensaio, rezamos. Também promovemos momentos de catequese, adoração ao Santíssimo, rezamos o Terço on-line toda segunda-feira e propomos jejuns. Porque, se não for por Ele, não alcançamos o objetivo, que é a evangelização”, explica Viviane. Ela calcula mais de 140 horas de ensaio em sua Paróquia, mas reconhece que, mesmo com tanto esforço humano, é a graça divina que conduz tudo. “A técnica está a serviço da mensagem e não acima dela”.
A construção do roteiro também é levada com grande seriedade e responsabilidade pastoral. Longe de ser apenas uma adaptação teatral, o processo envolve estudo aprofundado dos Evangelhos e da Tradição da Igreja e, muitas vezes, os textos passam pela revisão de padres. Tudo é pensado para que a encenação, além de emocionante, seja também uma catequese fiel à Doutrina da Igreja.
“Nosso roteiro foi totalmente revisado por alguns padres, mas, neste ano, nosso diretor espiritual sugeriu mais uma mudança em uma fala de Jesus, para torná-la ainda mais fiel à Bíblia”, conta Roberto Bueno, fundador, ator e diretor do grupo teatral Arte de Viver, da Paróquia Nossa Senhora das Dores, na Região Brasilândia.
Roberto explica que há espaço para certa liberdade artística e poética em alguns momentos, como a inserção de um poema interpretado por Maria Madalena, mas ressalta que mesmo os elementos criativos são cuidadosamente pensados para enriquecer a experiência espiritual, sem comprometer a narrativa do Evangelho.
DESAFIOS DOS BASTIDORES
Realizar uma encenação em ambiente paroquial apresenta muitos desafios. A maioria dos envolvidos são voluntários, com pouca ou nenhuma experiência com artes cênicas. Além disso, a estrutura das igrejas não é a de um teatro profissional.
“A falta de estrutura técnica e o tempo limitado para preparar tudo são grandes desafios, mas não vejo a inexperiência da equipe como um obstáculo. Quando você reúne pessoas comprometidas, que compreendem a importância do que estão fazendo, isso se torna um presente”, avalia Mariana.
TESTEMUNHOS QUE ENTRAM EM CENA

A maior prova de que as encenações da Paixão de Cristo fazem o público transcender o papel de mero espectador são os testemunhos daqueles que foram profundamente tocados por essa experiência. Em muitos casos, as encenações saem dos muros paroquiais e tomam as ruas do bairro, alcançando quem talvez jamais entraria em uma igreja. É o que relata Francisco Daniel, do Santuário Santa Edwiges, na Região Ipiranga.
“Quando passamos pelas ruas, vemos o respeito das pessoas da comunidade. Muitas choram, outras acompanham da janela em silêncio. Sabemos que estamos levando Jesus a cada lar por onde passamos”.
A comunidade, situada na periferia da zona Sul, enfrenta desafios sociais cotidianos, mas isso apenas reforça a urgência e o valor do que realiza. “Encenamos a Via-Sacra pelas ruas do Heliópolis e, muitas vezes, passamos por pessoas envolvidas com drogas e álcool. Nosso papel é tocar o coração delas naquele momento”, comenta Francisco.
Roberto Bueno conta que o grupo teatral Arte de Viver também já realizou partes de sua apresentação nas ruas e que em uma dessas encenações, a arte e a fé encontraram uma conexão grandiosa. Durante o percurso, sentiu-se inspirado a orientar o ator que interpretava Jesus a se aproximar de uma moradora que assistia à cena do seu portão, e lhe pedisse água. Emocionada, ela trouxe um copo. “Mais tarde, o padre nos contou que aquela mulher o procurou. Disse que estava afastada da Igreja havia dez anos, mas, depois daquele encontro simbólico com ‘Jesus’, decidiu voltar à comunidade e se colocar a serviço”, compartilhou Roberto.
Espalhadas por diversas paróquias, as encenações se tornam um convite para uma experiência especial neste Tríduo Pascal. A lista abaixo reúne algumas das apresentações previstas na Arquidiocese de São Paulo para a Sexta-feira Santa, 18.
(Colaborou: Karen Eufrosino)

REGIÃO BELÉM
Paróquia Santa Maria Madalena | Av. Primavera Caiena, 53 | 19h
REGIÃO BRASILÂNDIA
Paróquia Santo Antônio de Vila Brasilândia | Rua Parapuã, 1803 | 18h
Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus | Rua Roberta Correia, 338 | 19h
Paróquia Nossa Senhora das Dores | Av. Elísio Teixeira Leite, 7.400 | 19h
REGIÃO IPIRANGA
Paróquia Santa Ângela e São Serapião | Largo Santa Ângela, 22 | 19h30
Paróquia Santo Afonso Maria de Ligório | Rua Carneiro Maia, 95 | 18h
Paróquia Nossa Senhora de Fátima | Av. Nossa Senhora da Encarnação, 279 | 19h30
*No domingo, 20, às 18h, será encenada a Ressurreição do Senhor
Santuário Santa Edwiges | Estrada das Lágrimas, 910 | 20h
Santuário São Judas Tadeu | Av. Jabaquara, 2.682 |18h
Paróquia Nossa Senhora Aparecida (Moema) | Praça Nossa Senhora Aparecida, s/nº | 9h
*Via Sacra com encenação de Quadro Vivo
Paróquia São José do Ipiranga | Rua Brigadeiro Jordão, 560 | 19h
Paróquia Santa Cândida | Av. Doutor Ricardo Jafet, 769 | 19h
REGIÃO LAPA
Paróquia Nossa Senhora de Fátima | Início na Praça John Lennon – Vila Leopoldina | 20h
Paróquia Nossa Senhora da Assunção | Rua Doutor Argemiro Couto de Barros, 268 | 18h (Saída do Parque Jardim da Felicidade)
Paróquia São José | Rua Jurubim, 700 | 18h
Paróquia Santa Luzia | Rua Orlando Villas Bôas, 5 | 18h
Paróquia São Francisco de Assis | Av. General Mac Arthur, 1.130 | 18h
REGIÃO SANTANA
Basílica Menor de Sant’Ana | Rua Voluntários da Pátria, 2.060 | 19h
Paróquia São José Operário | Rua José Gomes de Gouveia, 201 | 18h
Paróquia Nossa Senhora do Loreto | Avenida Nossa Senhora de Loreto, 914 | 18h
REGIÃO SÉ
Paróquia Nossa Senhora do Brasil | Praça Nossa Senhora do Brasil, 01| Após a celebração da Paixão de Cristo
Paróquia Santíssimo Sacramento | Centro Pastoral Padre Luiz ILC | Rua Said Aiach, 310 | 20h
Paróquia Santo Antônio do Pari | Praça Padre Bento, s/nº | 18h