Mosteiro Nossa Senhora da Paz: escola de oração, trabalho e vida fraterna

Madre Martha Lúcia e as demais religiosas da comunidade monástica em Itapecerica da Serra (SP), que mantém viva a tradição beneditina, unida à renovação do Concílio Vaticano II (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

São 4h30 quando o silêncio da madrugada é interrompido pelo toque de um sino no alto do bairro Potuverá, em Itapecerica da Serra (SP).

Cercadas por uma vasta área de Mata Atlântica na Região Metropolitana de São Paulo, as 22 monjas beneditinas do Mosteiro Nossa Senhora da Paz se reúnem para a oração.

A Abadessa, Madre Martha Lúcia Ribeiro Teixeira, 61, conduz a procissão silenciosa para o interior da igreja abacial. “Abri, Senhor, os meus lábios!”, entoa uma das monjas, enquanto as demais respondem: “E minha boca anunciará vosso louvor”. Assim, como há 46 anos, começa o primeiro dos sete momentos diários de oração do Ofício Divino nessa comunidade.

O Mosteiro Nossa Senhora da Paz pertence à Congregação Beneditina do Brasil e foi fundado em 21 de julho de 1974, como priorado dependente da Abadia de Santa Maria, em São Paulo. Em 23 de maio de 1983, a comunidade alcançou o número mínimo de 12 monjas, necessário para se tornar uma abadia independente. Na época de sua fundação, o mosteiro pertencia à Arquidiocese de São Paulo. Com a criação da Diocese de Campo Limpo, em 1989, a abadia passou a integrar a nova circunscrição.

As fundadoras desse mosteiro foram as Madres Dorotéia Rondon Amarante (1916-2015) e Regina Jardim Paixão (1928-2020), acompanhadas das Irmãs Emerenciana Rabello Jardim (1910-1997), Maria Cruz (1930-2020), Paulina de Carvalho Gomes (1916- 2007), Mônica Castanheira (1926-2018) e Maria Beatriz Rondon Amarante (1918-2016).

Essas religiosas assumiram o desafio de instituir uma nova comunidade monástica inspirada nas disposições do Concílio Vaticano II, preservando a essência da Regra Beneditina, de mais de 15 séculos, adaptada à renovação litúrgica e pastoral. Nesse sentido, desde a sua fundação, essa comunidade reza o ofício litúrgico na língua vernácula, isto é, em português, e não em latim, como é mantido por muitos dos mosteiros fundados antes do Concílio.

Igreja abacial do Mosteiro Nossa Senhora da Paz (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Buscar a Deus

Madre Martha Lúcia está no mosteiro há 39 anos, sendo 23 como abadessa. Para explicar o significado da vida monástica, ela recordou os ensinamentos do próprio São Bento, que dizia que a primeira coisa a ser verificada em uma pessoa que deseja ingressar no mosteiro é se ela verdadeiramente busca a Deus.

“Devemos procurar não apenas viver a vontade de Deus como mergulhar em seus mistérios, no aprofundamento da sua Palavra, por meio de uma oração contemplativa que nos conduz realmente ao Senhor, aquele que viemos buscar”, disse a Madre ao O SÃO PAULO.

Escola de Oração

Irmã Maria Luiza Freire, 66, está no mosteiro há 43 anos e conviveu intensamente com as monjas fundadoras. Ela ressaltou o testemunho de fé e a convicção no ideal, nos valores e na beleza da vida monástica transmitidos por essas religiosas.

Como Mestra de Noviças, Irmã Maria Luiza procura transmitir às jovens formandas os valores herdados das fundadoras. “Uma grande preocupação dessas irmãs é que o mosteiro fosse uma verdadeira escola de oração para as pessoas. Elas valorizaram bastante a vida comunitária, o estudo, o trabalho, a vida litúrgica, colocando realmente no centro da nossa vida o valor do Ofício Divino”, salientou a Monja, reforçando que essas primeiras irmãs souberam preservar os valores beneditinos sem deixar de dialogar com o tempo.

Clausura

Outro aspecto da vida monástica que desperta curiosidade é a clausura. Muitas vezes compreendida como um lugar de reclusão, na vida consagrada enclausurar-se significa recolher-se, reservar-se para um relacionamento mais íntimo com Deus.

Por meio da oração do Ofício Divino, as monjas santificam sua jornada diária (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

“Numa vida totalmente voltada para a busca de Deus, na qual deve predominar a oração, a contemplação e o louvor ao Senhor, é necessário que haja esse limite entre nós e o mundo”, descreveu Madre Martha Lúcia, recordando que a vida consagrada prefigura a realidade sobrenatural da qual Jesus diz no Evangelho quando afirma que os discípulos estão no mundo, mas não pertencem a este mundo (cf. Jo 15,19).

Em tempos de pandemia, a Abadessa recordou que a clausura não é sinônimo de “isolamento social”, pois as monjas estão em constante contato com o mundo externo por meio dos serviços realizados, das celebrações e, sobretudo, da oração e intercessão pela Igreja e por toda a humanidade.

Como os primeiros cristãos

Embora, muitas vezes, as diferentes congregações religiosas sejam classificadas como sendo de vida “ativa” ou “contemplativa”, as monjas beneditinas mostram que não há uma dicotomia entre esses dois aspectos. Pelo contrário, a contemplação possui uma dimensão ativa, assim como não há atividade pastoral eficaz sem um aspecto contemplativo.

“A vida monástica surgiu como uma continuidade da experiência dos primeiros cristãos, que, como narra o livro dos Atos dos Apóstolos, partilhavam de uma vida comum, eram assíduos na oração e na fração do pão”, ressaltou a Abadessa.

Desde a sua origem, a vida monástica beneditina é cenobítica (comunitária), caracterizada pela vivência da caridade fraterna, da oração e do trabalho em comum.

Apostolado

Entre as atividades realizadas pelas beneditinas, está a catequese para os sacramentos (foto: Arquivo/Mosteiro Nossa Senhora da Paz)

A apostolicidade da vida monástica se manifesta desde os primeiros mosteiros, na Idade Média, quando as abadias se tornaram polos de referência evangelizadora para as cidades, que, em muitos casos, cresceram em torno dessas comunidades religiosas.

“O mosteiro deve ser como um farol que ilumina tudo o que está ao seu redor. Nós, com a nossa vida, devemos indicar aquilo que conduz a Deus”, afirmou Madre Martha Lúcia.

E, assim como nas abadias do passado, o Mosteiro Nossa Senhora da Paz exerce essa missão não somente no seu entorno, como também atrai pessoas de outros lugares, que vão em busca de retiros, conferências, catequeses, além das missas dominicais.

Há muitos fiéis que procuram orientação e acompanhamento espiritual, especialmente os oblatos, grupo de leigos que se vinculam ao mosteiro para viver a espiritualidade beneditina na vida cotidiana.

A Abadessa destacou que, além das crianças, adolescentes e jovens que são preparados no mosteiro para os sacramentos da Iniciação Cristã, há muitos casais que procuram as monjas para a preparação ao sacramento do Matrimônio, especialmente pessoas que já viviam uma união civil e, por diversas circunstâncias, adiaram a celebração sacramental e, depois, tomaram consciência do valor do Matrimônio na Igreja.

Monjas atendem as famílias carentes do entorno do mosteiro (foto: Arquivo/Mosteiro Nossa Senhora da Paz)

Caridade

Também faz parte da tradição monástica o serviço da caridade para com os mais pobres. Por estarem localizadas em uma região periférica, muitas famílias carentes procuram por ajuda material no mosteiro, o que se intensificou no período da pandemia.

Irmã Cristina Lavinhati, 48, responsável por esse serviço, explicou que o trabalho de atendimento aos pobres não é apenas assistencial, mas, também, espiritual. Além de mantimentos, brinquedos e roupas, as pessoas recebem atendimento espiritual, aconselhamento, escuta e oração das monjas.

“Existe um vínculo entre nós e essas pessoas. Nós sabemos os seus nomes, conhecemos suas histórias. Elas sabem que aqui encontram um porto seguro, alguém que as ouça, que reza por elas”, relatou a religiosa, destacando que o mosteiro já atendeu várias gerações de famílias e, inclusive, pessoas de outras denominações religiosas, que nutrem respeito pela comunidade monástica.

Ora et labora


Monjas trabalham na confecção de objetos sacros em cerâmica (foto: Arquivo/Mosteiro Nossa Senhora da Paz)

Foi atribuída à espiritualidade beneditina a expressão Ora et labora (orar e trabalhar), que diz respeito à relação intrínseca entre o trabalho e a oração. Embora essa expressão não esteja literalmente na Regra de São Bento, ela sintetiza seus ensinamentos a respeito do trabalho como continuação da vida de oração, realizado na presença de Deus, com dedicação, silêncio, o desejo de glorificar o Senhor e servir aos irmãos.

“Tudo o que fazemos no mosteiro é para Deus e, portanto, deve ser contagiado pela oração. Tanto que, sempre iniciamos qualquer trabalho, por mais simples que seja, com uma oração”, explicou Madre Martha.

Além do atendimento ao público, as monjas realizam os trabalhos por meio dos quais o mosteiro é sustentado materialmente, como o artesanato em cerâmica e o preparo de bolos, trufas, biscoitos e outros doces. Esses produtos são vendidos na pequena loja da abadia.

Quanto à oração, além das horas do Ofício Divino, as monjas participam de missas diárias, celebrações penitenciais, momentos de Lectio Divina (leitura orante da Bíblia) e formações comunitárias.

No fim das tardes, para romper o silêncio que predomina nas atividades do dia, as monjas se reúnem para um momento de convívio fraterno chamado recreio.

A arte de Cláudio Pastro está presente em vários ambientes do mosteiro (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Hospitalidade

Outra marca da vida beneditina é a hospitalidade. Faz parte da Regra de São Bento que os mosteiros sempre acolham os peregrinos e aqueles que os procuram para um recolhimento ou visita. Para isso, o Mosteiro Nossa Senhora da Paz conta com hospedarias para acolher os visitantes.

Um dos hóspedes ilustres foi o artista plástico Claudio Pastro (1948-2016), que conheceu o Mosteiro Nossa Senhora da Paz na década de 1970 e logo foi acolhido pela primeira Abadessa, Madre Dorotéia, que também era artista. Ele se encantou com a espiritualidade beneditina e não quis mais sair dali. Suas marcas estão presentes em vários ambientes do mosteiro, inclusive no painel do Cristo Pantocrator, na igreja abacial.

Seu vínculo com a comunidade foi tão grande que Pastro se tornou oblato beneditino, adotando o nome de Irmão Martinho. Ele viveu seus últimos anos em uma casa vizinha ao mosteiro, que se tornará um memorial em sua homenagem.

Conforme um desejo manifesto por ele, seus restos mortais foram sepultados em um túmulo atrás da igreja abacial, abaixo de uma cerejeira de que ele gostava muito.

Estabilidade

A vocação beneditina não é apenas um chamado para uma forma de vida consagrada, mas para um mosteiro específico. Diferentemente das congregações religiosas em geral, que professam os votos de castidade, pobreza e obediência, as monjas e monges beneditinos professam os votos de estabilidade, conversão dos costumes e obediência.

Na conversão dos costumes estão inseridas as dimensões da pobreza e da castidade. Já o voto de estabilidade diz respeito ao compromisso que a monja faz de permanecer naquele mosteiro até a morte – sendo, inclusive, sepultada na comunidade –, salvo alguma necessidade especial, como o envio para a fundação de um novo mosteiro.

Madre Martha Lúcia, por exemplo, é carioca e estudava Direito quando começou a se questionar sobre a vocação. Depois de visitar outros mosteiros, conheceu a comunidade de Itapecerica da Serra e teve a certeza de que ali queria consagrar a sua vida.

As monjas beneditinas professam os votos de estabilidade, conversão dos costumes e obediência (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Sentimento semelhante teve a jovem Mônica, hoje Irmã Cristina, quando conheceu o mosteiro. Jornalista, trabalhou no jornal da Diocese de Jundiaí (SP) e em outros veículos de comunicação. Tinha, porém, muitos questionamentos sobre a sua vocação. Então, fez contato com algumas congregações religiosas, mas não se identificou com nenhuma delas, até que conheceu o Mosteiro Nossa Senhora da Paz. “Quando eu cheguei, disse para mim mesma: ‘É aqui’”, relatou.

Já Irmã Maria Luiza sentiu o despertar para a vida consagrada ainda na infância, ao se encantar com a alegria das religiosas que administravam o colégio onde ela estudava. No entanto, não se identificava com aquela congregação. Na juventude, quando já cursava a faculdade de Pedagogia, conheceu o mosteiro por intermédio de uma amiga. Lá, encontrou a resposta para a sua inquietação interior.

Caminho de liberdade

As monjas do Mosteiro Nossa Senhora da Paz garantem que a vida contemplativa não pode ser compreendida como uma “fuga” da realidade e dos problemas humanos, mas uma busca profunda de Deus, por meio do encontro consigo mesmas, o que implica um caminho de conversão em vista da santidade.

“Eu nunca me senti tão livre como sou hoje. É uma liberdade que me permite estar com o Outro [Jesus], pelo qual fui totalmente atraída. E, quanto mais o buscamos, mais o encontramos. Não é uma ideia, é algo concreto, que se realiza nesta comunidade”, afirmou Irmã Cristina, sublinhando que o Senhor a chama para viver essa entrega total não apenas para si própria, mas a serviço do povo de Deus e por sua salvação.

Para conhecer o Mosteiro Nossa Senhora da Paz, acesse: mnspaz.com.

Galeria de imagens do Mosteiro Nossa Senhora da Paz

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Maria Elisabete de Sousa Beltrame
Maria Elisabete de Sousa Beltrame
2 anos atrás

Amamos a matéria sobre o Mosteiro, que já visitamos varias vezes, e temos uma irmã que é Monja.
É um lugar muito especial, onde encontramos a verdadeira paz, e quando lá estamos, sentimos a presença de Deus de forma muito intensa. Dá vontade de ficar!!!🙏

SONIA MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA
SONIA MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA
2 anos atrás

Eu adorei conhecer a história do Mosteiro, muito linda . Gratidão a todos que publicaram essa matéria.

Dener
Dener
2 anos atrás

Que belíssima experiência. Obrigado por partilha-la.