No último fim de semana, Dom Odilo Scherer presidiu missas em paróquias no bairro, conheceu o Centro de Integração do Migrante (CIM) e ressaltou que a Igreja é ‘mãe de todos os povos’
Andar pelas ruas do bairro do Brás é uma verdadeira imersão etnico-cultural. Nas últimas décadas, a esperança de uma vida melhor tem atraído para este polo têxtil e gastronômico da capital paulista pessoas de origens distintas, como peruanos, bolivianos, angolanos, nigerianos e sírios.
Tradicionalmente, o bairro é um refúgio aos migrantes. Entre 1887 e 1920, mais de 3 milhões de pessoas, de 60 países, passaram pela Hospedaria dos Imigrantes do Brás, no espaço onde hoje está o Museu da Imigração; e nas décadas de 1940 e 1950, deu-se a chegada dos migrantes nordestinos.
No último fim de semana, no contexto do encerramento da 39ª Semana do Migrante no Brasil, o Cardeal Odilo Pedro Scherer esteve no bairro, visitou projetos de atenção aos migrantes e presidiu missas em duas paróquias.
A IGREJA É MÃE DE TODOS!
O tom pastel da Paróquia Bom Jesus do Brás, na Região Sé, comum nas igrejas antigas, ganhou cores, brilhos e luzes diferentes no sábado, 22. Sobre um andor de aproximadamente 3 metros de altura, uma imagem de Nossa Senhora de olhos puxados, cercada de flores coloridas, indicava o motivo principal da celebração.
A devoção ao título de “La Virgen del Carmen de Pisac”, originária de uma aldeia em Cuzco, no Peru, encheu os bancos da Paróquia com fiéis trajados com fantasias e indumentárias alusivas a 11 diferentes tipos de danças da região. Com máscaras e acessórios excêntricos, os devotos festejavam sua padroeira na missa celebrada em espanhol e com músicas típicas do povo andino.
“Esse andor fica permanentemente à frente do presbitério. Além disso, temos duas vezes por mês uma missa totalmente voltada para o povo peruano. As leituras são em espanhol, e eles dançam músicas típicas para Nossa Senhora”, explicou, ao O SÃO PAULO, o Monsenhor Sérgio Tani, expressando admiração pela religiosidade da comunidade peruana. “Eles participam totalmente da vida da Paróquia. Estão nas pastorais e contribuem nas atividades cotidianas”, reforçou o Pároco, testemunhando que a comunhão das culturas não é um evento pontual, mas uma experiência constante.
A liturgia mariana que trouxe ao Evangelho o trecho em que Jesus menciona que sua mãe e seus irmãos são aqueles que fazem a vontade de Deus (cf. Mt 12,46-50) foi mencionada por Dom Odilo para enfatizar a unidade essencial. “Jesus amplia a participação em sua família, dizendo que não são só os parentes sanguíneos que têm o direito de serem seus irmãos. Assim também na Igreja todos podem encontrar sua casa. Todos são bem-vindos. Somos todos família de Deus”, disse na homilia.
Após a missa, a imagem da Virgem de Pisac foi levada em carreata até o Memorial da América Latina, e diante dela ocorreram as apresentações das 11 danças.
“Estamos muito felizes por poder celebrar nossa devoção. A presença do Cardeal mostra que somos importantes para a Igreja no Brasil”, afirmou Rosa dos Santos, que apresentou a “Danza Negrillas” e sequer parecia se importar com o calor que, potencializado pela máscara, chapéu e muitas camadas de roupa que usava, ultrapassava em muito os 29°C que marcavam os termômetros.
Esta celebração é organizada pela Irmandade dos Devotos da Virgem do Carmo de Pisac – Cuzco/Peru. “Como pais, queremos deixar esse legado católico para nossos filhos. Não é fácil ser um migrante em um país, por isso é importante preservar nossas origens”, avaliou James Ventura Diaz, presidente da Irmandade.
UM ‘CIM’ PARA A DIGNIDADE DO MIGRANTE
No domingo, 23, o Cardeal Odilo Pedro Scherer visitou o Centro de Integração do Migrante (CIM). A parede azul da recepção exibindo a expressão “bem-vindo” em diversas línguas é um símbolo visível da acolhida que o ambiente oferece aos que chegam dos diferentes rincões do mundo e do próprio Brasil.
O CIM é um projeto das Irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo, ligado à Paróquia São João Batista do Brás, na Região Belém. Irmã Malgarete Scapinelli Conte, responsável pelo Centro, apresentou ao Cardeal a diversificada agenda e demonstrou entre exemplos e sorrisos que naquele lugar todos sempre encontram um “sim” para suas necessidades de ajuda.
Educação social para crianças de 5 a 9 anos, aulas de português e inglês, música, danças típicas, teatro e informática são algumas das atividades realizadas nas salas do CIM, de segunda-feira a sábado. Os adultos têm acesso a formações profissionalizantes como oficinas de artesanato e culinária, além de orientações para regularização de documentos. “Os pais trabalham muito e acabam deixando seus filhos sozinhos. Aqui as crianças recebem de tudo, com carinho, e aprendem coisas boas”, afirmou Alba Cubas, migrante da cidade de Vila Rica, no Paraguai.
“Estamos sempre atentos às necessidades que surgem. Foi assim que criamos o bazar, oferecendo roupas e acessórios não apenas para migrantes, mas também para pessoas em situação de rua que nos procuram em busca de ajuda”, explicou Irmã Malgarete.
Dessa escuta atenta também surgiram as “Rodas de Conversa”. Em parceria com a PUC-SP e a Universidade Mackenzie, grupos de homens discutem seus sentimentos e desafios diários.
“Já estamos vendo a diferença na redução dos casos de violência doméstica. Esses homens estão aprendendo a lidar melhor com suas emoções e absorvendo valores de respeito e cuidado”, diz a Religiosa, mencionando também os benefícios desta ação para as crianças: “Elas têm um espaço seguro para falar sobre problemas como a ausência dos pais, situações xenofóbicas na escola e as dificuldades enfrentadas pela pobreza”.
A evangelização dos migrantes na região do Brás tem um desafio adicional: a presença de grandes e numerosas igrejas e templos protestantes, que oferecem cultos em diferentes idiomas e discursos aprazíveis ao povo sofrido. “Precisamos assumir todas as frentes possíveis para mostrar a esses irmãos que nossa Igreja é mãe de todos os povos”, disse o Cardeal.
Ainda no domingo, à noite, Dom Odilo presidiu missa na Paróquia São João Batista do Brás, na qual acontece sempre no terceiro domingo de cada mês, às 10h, a “Missa dos Migrantes”, com leituras feitas em diversas línguas, bem como preces pelos povos do mundo inteiro. “É muito bonita a consideração que eles têm com os parentes falecidos. Trazem fotos para colocar no altar e rezam com fervor”, contou o Padre Valdeir Goulart, Administrador Paroquial.