Nos trilhos da devoção a Nossa Senhora Aparecida

Realizada em meio à atual pandemia, reforma da Paróquia Nossa Senhora Aparecida dos Ferroviários proporciona a renovação da comunidade de fiéis e revela surpresas, como a descoberta de um trilho em uma das paredes do templo

Pascom paroquial

Após mais de 12 meses de reforma, a matriz da Paróquia Nossa Senhora Aparecida dos Ferroviários, na Mooca, está reaberta.

“A Paróquia estava juntando dinheiro havia muitos anos para fazer essa reforma. Ela precisava passar por uma reforma bem estruturada para atender às novas necessidades de internet, proteção e luminosidade. A vinda da pandemia acelerou esse processo”, explicou Padre Lorenzo Nacheli, Pároco, que contribuiu com a idealização do novo projeto estético e pastoral da igreja.

A reinauguração ocorreu na Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, no dia 12 deste mês. Na ocasião, também houve uma procissão iniciada no Arsenal da Esperança, casa que acolhe irmãos em situação de rua e fica a cerca de 300 metros da comunidade, onde foram realizadas as missas da Paróquia ao longo desse período. Apesar da reabertura, a reforma ainda prossegue.

História

Fundada em 4 de abril de 1975, a Paróquia tem como origem a devoção dos ferroviários a Nossa Senhora. Ela está localizada na Mooca, na divisa com o Brás, ambos antigos bairros operários da cidade de São Paulo.

Trabalhadores da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil atribuíram à Padroeira a proteção recebida durante o período da chamada Revolta Paulista de 1924, da qual se desdobrou a Revolução Constitucionalista de 1932.

Na época, o telhado de uma das oficinas em que os ferroviários trabalhavam foi atingido por uma bala de canhão, que surpreendentemente não explodiu. “Ela ficou encaixada no telhado, não fez feridos nem causou mortes”, contou Padre Lorenzo.

“Os operários que lá estavam atribuíram o milagre a Aparecida, formando o grupo de fiéis. A CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos] construiu, graças a essa devoção, uma capela, situada na Rua Doutor Almeida Lima, que foi elevada a Paróquia”, explicou o Sacerdote.

A devoção dos ferroviários, firmada há quase 100 anos, é ainda marcada por uma imagem histórica da Padroeira, uma das primeiras réplicas da original encontrada no rio Paraíba do Sul, em 1717.

O que motivou a reforma

Padre Lorenzo destaca que, além de ampliar as dependências e dar mais funcionalidade à construção, a reforma contribui para o resgate e divulgação da história da comunidade e para a visibilidade da igreja.

“Antes, como toda a estrutura externa era feita de azulejos, [a Igreja] passava despercebida. Hoje, seja noite, seja dia, é muito mais fácil entender que há um espaço de culto que pode ser visitado e onde se pode fazer orações”, acrescentou o Pároco.

Simbologia dos novos elementos

O novo projeto estético e pastoral da Paróquia tem por base a preciosa imagem da Padroeira, cuja comunidade é guardiã, e a devoção dos ferroviários.

“Desejamos fazer com que a imagem de Nossa Senhora possa ser encontrada como no Santuário de Aparecida, com uma passagem [para os fiéis] abaixo dela, para valorizar a devoção”, explicou Padre Lorenzo.

Responsável pela projeção artística e iconográfica do espaço, o artista plástico Sergio Ricciuto Conte esclareceu que a partir disso foi decidido que a imagem da Padroeira ficaria ao lado de Jesus, no centro da parede do presbitério.

“Quando pensamos em ferroviários, lembramos de trem e de todas essas conotações que têm a ver com o transporte. Assim, refletimos que, estando Nossa Senhora no meio da parede do presbitério, o fiel poderia ser convidado a chegar até Ela por meio de um caminho como se fosse uma ferrovia”, relatou Conte.

Para construir esse caminho, foram utilizadas toras de peroba das quais se fazem dormentes de via férrea, trazidas de Minas Gerais.

“Cortamos essas madeiras e colocamos dentro do mármore no piso da Paróquia, fazendo um caminho desde a porta, subindo no presbitério, chegando embaixo da Santa para o fiel fazer sua devoção e depois voltar pelo outro lado, onde o percurso continua”, detalhou Conte, frisando que, assim, os fiéis se aproximam de Maria e, por meio dela, encontram Jesus, que é representado pela enorme cruz de madeira.

“A cruz também tem um caminho próprio. Ao entrar na igreja pela porta central, percebemos imediatamente no piso uma linha de madeira, a mesma que forma o caminho dos fiéis”, sinalizou o artista.

“Ela representa um caminho, uma rachadura, como se algo forte tivesse estourado em cima do piso e a criado. Esse algo forte simboliza o Espírito de Deus que entra na matéria, a racha e continua até se tornar altar”, disse Conte.

O altar segue a simbologia do caminho central, com a estrutura em mármore e madeira, que continua e se torna a cruz, que representa Jesus abraçando os fiéis.

“Jesus representa a acolhida que Deus tem de toda a humanidade e Maria, pertinho dessa cruz, representa a acolhida de nós, humanidade, daquilo que é a história de Cristo se encarnando nela. Então, é uma dupla acolhida”, explicou Conte.

Na parede em que está a cruz, há uma pintura que representa o cosmo, feita com várias técnicas e que incluem um mosaico de espelhos e azulejos retirados da estrutura antiga da Igreja.

“Trata-se de um detalhe simbólico, pois o azulejo representa o passado da comunidade até aqui e o espelho representa o presente, conectando à vivência do passado com a atual Igreja”, explicou o artista. “Reforçando a importância do passado e do presente, obviamente nas mãos do Cristo, o futuro de todos nós;” completou.

Além de toda a simbologia do novo espaço litúrgico, a Paróquia terá uma capela dedicada a São José. As salas, secretaria e sacristia também foram reprojetadas.

Descoberta do trilho

Durante as obras, um trilho de linha férrea foi encontrado em uma parede. “Acreditamos que era um sinal e que esse trilho tinha que ser utilizado para a estrutura da liturgia. Por isso, hoje, o trilho é a base do sacrário, simbolizando a vontade dos ferroviários de se colocar a serviço da devoção de Nossa Senhora e do Senhor Jesus”, disse Padre Lorenzo.

Recuperamos o cubo de mármore [do antigo sacrário] e aplicamos junto com o trilho um peixe, representando Jesus Salvador, também lembrando Nossa Senhora Aparecida, provocando riqueza humana com o milagre no rio, quando Ela apareceu”, esclareceu Conte. Ele lembra que o resultado foi um sacrário “único, ousado na forma, mas fiel àquilo que é a riqueza da tradição da Igreja”.

Ira Romão/O SÃO PAULO

Futuro

Embora tenha retomado as atividades, a Paróquia continua em reforma. Falta, por exemplo, concluir a fachada, que será feita com o auxílio da comunidade. “Será um mosaico, mas não sabemos ainda quando o faremos”, finalizou o Pároco.

Para contribuir com a reforma, acesse: www.amigosdeaparecida.com.

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