Nova política municipal deve aprimorar a busca por pessoas desaparecidas

Ações também envolverão maior atenção aos familiares de quem desapareceu e parcerias com órgãos governamentais e a sociedade civil

Eva Zara /Pixabay

Auxiliar na prevenção, busca, identificação, orientação e acolhimento nas situações que envolvam o desaparecimento de pessoas e a localização de seus familiares são os focos principais da “Política Municipal de Busca de Pessoas Desaparecidas, Localização Familiar e Atenção a Familiares de Pessoas Desaparecidas”, instituída por meio do decreto 60.995, assinado pelo prefeito Ricardo Nunes em 10 de janeiro.

Essa nova política prevê, entre outros aspectos, ações permanentes e articuladas entre os órgãos e entes públicos para as questões relacionadas ao desaparecimento de pessoas, o desenvolvimento de processos e soluções tecnológicas que facilitem e aprimorem o registro de dados e a comunicação entre os órgãos, o maior acesso da população a informações sobre prevenção, casos de desaparecimento e instrumentos de auxílio à localização e o atendimento e a escuta humanizados a familiares dos desaparecidos.

De acordo com Darko Hunter, diretor da Divisão de Localização Familiar e Desaparecidos da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a nova política irá aprimorar os serviços que já estão sendo realizados na Divisão, uma vez que o decreto “formaliza fluxos e diretrizes que contribuem para que todos os órgãos municipais, sejam eles da saúde e da assistência social, estejam alinhados para possibilitar o acolhimento, orientações e encaminhamentos de familiares de pessoas desaparecidas”, comentou ao O SÃO PAULO.

Hunter recordou que em média, por dia, 60 pessoas desaparecem na cidade. “Quanto mais rápido se procurar ajuda, maiores são as chances de reencontro, especialmente quando se trata de um desaparecimento forçado ou involuntário”, destacou.

Comitê permanente, cadastro municipal e parcerias

A legislação também prevê a criação de um comitê permanente para o acompanhamento da nova política, composto por representantes de familiares de desaparecidos e agentes institucionais.

Haverá, ainda, a criação do Cadastro Municipal de Pessoas Desaparecidas, composto por um banco de informações públicas e de caráter sigiloso, contendo nome, filiação, data de nascimento, fotos e características físicas das pessoas desaparecidas, circunstâncias do desaparecimento, como local e data do desaparecimento, dados de pessoas para contato.

O poder público municipal também poderá celebrar convênios com órgãos de comunicação social e outros entes privados, a fim de divulgação informações e imagens de pessoas desaparecidas; além de estabelecer parcerias, convênios ou termos de cooperação com a União, outros estados, universidades, laboratórios, organismos internacionais e organizações da sociedade civil para a efetiva implementação da nova política.

“O decreto vem aprimorar também a sensibilização da sociedade sobre a temática de desaparecidos, fortalecendo ainda mais as parcerias, como a que temos com o Metrô e concessionárias, com campanhas de conscientização nos vagões com a exibição de fotos de desaparecidos e utilização de cartazes, como a campanha ‘Se você estivesse aqui…’, que alia informação e sensibilidade na divulgação de pessoas desaparecidas e promove a empatia da população para com esta causa”, afirmou Hunter.

Apoio aos familiares

Também será criado o Serviço de Apoio a Familiares e Pessoas Desaparecidas. Entre suas atribuições estará a de promover e supervisionar as ações da nova política municipal, coordenar o registro de informações do Cadastro Municipal de Pessoas Desaparecidas, capacitar os servidores municipais para o devido atendimento aos familiares de desaparecidos, implementar ações de sensibilização e capacitação sobre a temática do desaparecimento de pessoas e auxiliar na localização de familiares em caso de óbitos identificados e não reclamados.

Também competirá ao Serviço de Apoio auxiliar na localização de familiares de pessoas em situação de rua e daquelas atendidas por serviços públicos em estado inconsciente, de perturbação mental ou impossibilitadas de se comunicar ou se identificar e que se encontrem desacompanhadas. Hospitais, unidades de saúde e serviços de assistência social que recebam pessoas nessas condições deverão em até 12 horas informar o Serviço de Apoio.

Se a pessoa desaparecida for encontrada, o Serviço de Apoio terá de registrar o fato no Cadastro Municipal de Pessoas Desaparecidas e divulgar essa informação. Já se a própria família encontrar a pessoa ou ela retornar para casa, os responsáveis por notificar o desaparecimento deverão comunicar essa volta ao Serviço de Apoio.

‘O estado precisa entender as diferenças no desaparecimento’

Luciney Martins /O SÃO PAULO

“Nenhum ser humano imagina o que é você olhar para o ar, olhar para tudo e dizer: ‘meu Deus, onde está essa pessoa? Ela evaporou? O chão levou embora?’”.

Lucineide Silva Damasceno convive com esta sensação desde 3 de novembro de 2008, quando seu filho, Felipe Damasceno, então com 17 anos, desapareceu.

Semanas depois, Lucineide conheceu o movimento Mães da Sé, criado em março de 1996 por Ivanise Esperidião da Silva Santos, cuja filha, Fabiana, está desaparecida desde dezembro de 1995. O movimento já ajudou a encontrar mais de 5 mil pessoas.

Com a experiência de quem está à procura do filho a mais de 13 anos, Lucineide diz que é fundamental que as autoridades tratem o desaparecimento de pessoas em três dimensões: a daquele que desapareceu após a saída para algo rotineiro, os desaparecidos que são usuários de drogas e aqueles que saíram de casa em decorrência de violência doméstica ou algum tipo de exploração no lar.

“O usuário de drogas costuma a estar em lugares com outros usuários ou uma hora volta para casa; aquele que saiu de casa para fugir da violência vai tentar se esconder em algum lugar para se proteger, mas e quanto ao desaparecido civil? Podem ser tantas as razões e todas devem ser consideradas. O Estado precisa entender estas três diferenças para não tratar todo desaparecido com um caso do mesmo tipo”, avaliou.

Lucineide ressaltou ser indispensável a existência de um cadastro único de desaparecidos no País e a ampliação da coleta do DNA dos familiares. No Brasil, conforme dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, há mais de 150 pontos de coleta de material genético, que são armazenados no Banco Nacional de Perfis Genéticos e nos bancos de casa estado.

“É preciso haver um cadastro único de desaparecidos e que os familiares estejam na linha de frente destes projetos de busca de pessoas, a fim de que digam de fato às autoridades o que acontece ao longo das buscas, relatem quais são as dificuldades que temos para encontrar nossos filhos”, observou.

Lucineide destacou, ainda, que o poder público deve dar maior suporte às questões de saúde física e mental dos familiares de desaparecidos: “Esse familiar precisa de um psicólogo, de um psiquiatra, outros médicos e medicamentos, muitas vezes caros. Foram tantas as mães que conheci que morreram por complicações de saúde depois que o filho desapareceu. Quando tive síndrome do pânico, por exemplo, fiquei por quase um ano tentando uma vaga no Sistema Único de Saúde (SUS). Não tive qualquer prioridade por ser mãe de uma pessoa desaparecida”.

VOCÊ PODE AJUDAR A ENCONTRAR DESAPARECIDOS

– Faça o download gratuito no Google Play Store ou no App Store do aplicativo Family Faces. Desenvolvido pela empresa Mult-Connect, em parceria com a Microsoft, este APP faz uso de recursos de inteligência artificial e tecnologia de reconhecimento facial comparando uma foto atual com algumas das imagens de desaparecidos cadastradas no sistema.

– Compartilhe em suas redes sociais as notificações de desaparecimento publicadas no Facebook da Divisão de Desaparecidos.

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