‘O Direito Canônico existe para atender ao mistério da Igreja’

Afirmou o Padre Denilson Geraldo, em aula inaugural do semestre acadêmico da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo

Padre Denilson Geraldo, doutor em Direito Canônico

O semestre acadêmico da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo, foi aberto na manhã desta sexta-feira, 7. A aula inaugural, realizada por meio de videoconferência, devido à pandemia de COVID-19, foi realizada pelo professor Padre Denilson Geraldo, doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, que falou sobre o tema: “A eclesialidade e a metodologia da ciência canônica”.

Participaram do evento acadêmico o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo e Grão-Chanceler da faculdade, e os membros da nova direção da instituição, que tomaram posse no dia 20 de julho, professores, alunos e demais convidados.

CONTEXTO HISTÓRICO

Padre Denilson, que já foi professor dessa instituição, iniciou sua conferência recordando o período em que houve uma acentuada autonomia jurídica da Igreja em relação ao poder político da época, especialmente no século XIX, quando se desenvolveu uma ideia de “sociedade juridicamente perfeita”.

Em seguida, houve um período de desvalorização do Direito Canônico, percebido, sobretudo, após o Concílio Vaticano II, convocado por São João XXIII, que, na ocasião também pediu a reforma do Código de Direito Canônico de 1917.

O Concílio foi concluído por São Paulo VI, que alertou para as perigosas consequências dessa desvalorização. Em um discurso aos membros do Tribunal da Rota Romana, em 1971, o Pontífice afirmou que a primeira consequência desta rejeição ao Direito Canônico é de atribuir uma prioridade tal à comunidade que menospreze o aspecto de jurisdição da Igreja, com um acentuado descrédito das funções canônicas.

Cardeal Odilo Scherer participa de aula inaugural da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo

NATUREZA ECLESIAL

Já a segunda consequência referia-se à acusação de “juridicismo” da Igreja. “Nesse período, nós temos um descrédito total que toda história legislativa da Igreja”, enfatizou o professor, recordando que o Direito eclesiástico tem sua origem nas primeiras comunidades cristã e, naquele momento pós-conciliar, “essa tradição normativa da Igreja foi qualificada como ‘juridicismo’, ou seja, algo que seria necessário se libertar dela”.

Padre Denilson afirmou, ainda, que se, por um lado, uma eclesiologia somente do ponto de vista jurídico não consegue responder a todas as necessidades que a Igreja possui, por outro lado, ignorar por completo esse Direito seria outro extremo danoso.

“O Direito Canônico existe para atender ao mistério da Igreja… Faz parte da natureza da Igreja, caso o contrário seria um conjunto legislativo unicamente organizativo das relações humanas”, salientou o professor, recordando o que diz a constituição De Ecclesia, do Vaticano II, que ajudou a natureza da ciência canônica no mistério da própria Igreja.

RELAÇÃO COM A PASTORAL

Outro aspecto abordado pelo conferencista foi a relação da ciência canônica com a pastoral. Padre Denilson explicou que uma nova codificação canônica foi impelida a caminhar com o espírito pastoral do Concílio, sem perder a formalidade jurídica e salientou: “A ciência canônica tem finalidade missionária pastoral, mas o método da ciência canônica é a formalidade jurídica”.

Fazendo uma analogia com a função de um médico, o professor afirmou que, assim como o profissional da medicina não tem como objetivo último prescrever um medicamento, mas a cura do enfermo, “o jurista utiliza o método jurídico e trabalha com as leis, para que por meio de tais instrumentos, consequentemente, haja justiça nas relações interpessoais e, em nosso caso, nas relações entre os membros e as intuições da comunidade eclesial”.

Professores e alunos acompanham aula inaugural da Faculdade de Direito Canônico

ASSISTIR O POVO DE DEUS

Na abertura do evento acadêmico, o Cardeal Scherer destacou que, nos últimos anos, o estudo do Direito Canônico recebeu nova importância na formação qualificada de leigos, sacerdotes, diáconos e religiosos em vista do bom serviço a ser prestado ao povo de Deus. “A nossa Faculdade tem a vocação de oferecer aos estudantes que procuram uma sólida formação”, afirmou.

Dom Odilo salientou que os estudantes da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo se dedicarão aos serviço da justiça eclesiástica para “assistir e orientar o povo de Deus de modo competente e qualificado, para assegurar a todos a justiça na verdade e na caridade”.

“Na Igreja, a atividade jurídica tem como fim a salvação das almas e constitui uma participação peculiar na missão de Cristo pastor, enquanto procura colocar em prática a ordem querida pelo próprio Cristo”, reforçou o Grão-Chanceler, recordando as palavras de São João Paulo II em seu discurso aos membros do Tribunal da Rota Romana, em 1990.

JUSTIÇA E CARIDADE

O Cardeal lembrou que os pós-graduados em Direito Canônico vão se defrontar, nos tribunais eclesiásticos, com situações muito concretas, nas quais, “a prática do Direito não pode negar nem desmentir e o Evangelho”.

Por fim, Dom Odilo enfatizou que quem administra a justiça não pode prescindir da caridade. “O amor a Deus e ao próximo deve iluminar toda atividade, mesmo aquela, aparentemente, técnica e burocrática”, sublinhou o Cardeal, lembrando que, contudo, que toda obra de caridade autêntica requer uma referência necessária à justiça. “Quem ama com caridade os outros, acima de tudo, é justo para com eles. A justiça não é contrária à caridade, mas é inseparável dela e intrínseca a ela”, concluiu o Cardeal Scherer.

(Colaborou: Flavio Rogério Lopes)

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