São Paulo: uma cidade desigual em seus 96 distritos

Diferenças nos acessos aos serviços de saúde, transporte e cultura, bem como nas oportunidades de emprego e renda, habitação e infraestrutura digital e nas questões de segurança pública e de garantia dos direitos humanos são percebidas pelos 11,4 milhões de pessoas que vivem e trabalham nos bairros da capital paulista.

Anualmente, a Rede Nossa São Paulo e o Instituto Cidades Sustentáveis publicam o Mapa da Desigualdade de São Paulo. A edição mais recente foi lançada em novembro de 2023, com 45 indicadores relativos aos 96 distritos da cidade, a partir de dados de fontes públicas e oficiais do ano de 2022.

ATÉ 23 ANOS DE VIDA A MENOS PELAS DESIGUALDADES

O indicador que é considerado uma espécie de resumo das desigualdades da cidade é o da idade média ao morrer: dois distritos de áreas nobres, o Jardim Paulista e o Itaim Bibi, lideram este quesito de longevidade, com a marca de 82 anos. Já o distrito de Anhanguera, na zona Noroeste, registra a menor idade média, 59 anos. Comparando estes extremos, a diferença é de 23 anos.

“Este indicador é uma espécie de síntese do Mapa, porque é exatamente nas regiões com as menores médias de idade ao morrer que se encontram outros indicadores ruins, como nas áreas de habitação, saúde e segurança pública”, explicou, ao O SÃO PAULO, Igor Pantoja, coordenador de relações institucionais do Instituto Cidades Sustentáveis. Ele comentou, ainda, que nos anos anteriores a média de idade ao morrer esteve próxima à verificada atualmente, e era vista em outros bairros periféricos da zona Leste da cidade e no Jardim Ângela, na zona Sul.

Anhanguera também está entre os distritos com os piores indicadores relativos a famílias em atendimento habitacional provisório por situação de risco e emergência, mortes no trânsito, e baixa oferta de emprego formal e de remuneração média mensal.

No Mapa atual, os distritos de Cidade Tiradentes e Iguatemi, na zona Leste, e de Marsilac, na zona Sul, todos nos extremos periféricos, aparecem logo após o de Anhanguera, com a média de idade ao morrer em 61 anos. A Cidade Tiradentes, por exemplo, tem a segunda pior taxa de homicídios de São Paulo e quarta pior no que se refere ao homicídio de jovens. Já Iguatemi registrou a quarta pior taxa de homicídios, e Marsilac a terceira pior em homicídio de jovens.

“A grande maioria das taxas de homicídio são em bairros periféricos, onde historicamente se concentra a violência armada na cidade. Nestes locais, tanto os direitos sociais quanto os direitos civis, como o direito à vida, não estão plenamente garantidos pelo Estado”, analisou Pantoja.

A OFERTA DE EMPREGOS E A DINÂMICA DA CIDADE

O indicador relativo à oferta de emprego formal mostra o grande descompasso de oportunidades nos diferentes territórios. Enquanto na Barra Funda há 70,3 vagas para cada dez habitantes da população em idade ativa, na Cidade Tiradentes este índice é de apenas 0,3.

Outros distritos que lideram as vagas de trabalho são a Sé (42,9) e o Itaim Bibi (39,69). No oposto do Mapa, as menores oportunidades são em distrito de áreas periféricas: Anhanguera (0,37), Iguatemi (0,43), Brasilândia (0,48) e Jardim Ângela (0,51).

“A concentração das oportunidades de emprego acaba por fazer com que quem mora próximo das regiões com mais vagas tenha uma qualidade de vida maior do que quem mora distante, já que tem de se deslocar por muito mais tempo. Vimos esta discussão ao longo do processo da revisão do Plano Diretor Estratégico, e se esperava que houvesse uma descentralização da cidade, mas não foi o que aconteceu. Com uma menor centralização de empregos, as pessoas teriam de se deslocar menos e isso provocaria mudanças efetivas na cidade. É impossível que se ofereça um transporte eficiente, aquele em que a pessoa gaste no máximo de 20 a 30 minutos para ir trabalhar, se os empregos acabam se concentrando em poucas regiões e os trabalhadores morem a quilômetros de distância delas”, enfatizou o membro do Instituto Cidades Sustentáveis.

No Mapa da Desigualdade, a diferença do tempo médio de deslocamento no transporte público no pico do horário da manhã entre alguém que mora em uma região periférica e quem vive nas áreas mais próximas dos eixos de transporte e nos bairros com mais oportunidade de trabalho formal é evidente. Para o morador de Pinheiros, distrito que tem o melhor índice, este tempo é de 25 minutos. Para o de Marsilac, no extremo da zona Sul, o tempo de deslocamento é de 73 minutos. Outros bairros que têm os piores indicadores de oferta de emprego também registram tempo de deslocamento ao trabalho acima da média da cidade (42 minutos): Cidade Tiradentes (68 minutos), Anhanguera (58) e Iguatemi (56).

FALTAM ESPAÇOS CULTURAIS

O Mapa da Desigualdade aponta ainda para a carência de espaços culturais na maioria dos distritos. Dos 96, em 77 não há salas de cinema; em 48 não foram detectados espaços culturais independentes; e em 57 não há sequer um centro cultural, casa ou espaço de cultura.

Outro indicador mostra que em 54 distritos da cidade não existem nem centros culturais, casas ou espaços de cultura nem teatros, museus, casas históricas, escolas de formação, bibliotecas, bosques de leitura ou pontos de leitura. “Para os CEUs [Centros Educacionais Unificados] contabilizou-se separadamente as salas de teatro e bibliotecas disponíveis. Não foram contabilizados os equipamentos administrativos e ocupações culturais, diferenciando-se da metodologia da Secretaria Municipal de Cultura”, lê-se na explicação deste indicador.

“A área de cultura piorou significativamente de dez anos para cá. Dezenas de distritos não têm equipamentos de cultura e não existe uma base de informação sobre os equipamentos, quer sejam os públicos, quer sejam privados. Este é um setor descoberto de informações e com pouca ampliação”, lamentou Pantoja.

PROGRESSOS NA ÁREA DE EDUCAÇÃO

Um setor que demonstrou avanços desde que o Mapa da Desigualdade começou a ser publicado, em 2012, foi o da oferta de vagas em creches. Atualmente, a média no tempo de espera na cidade é de 12,68 dias, mas chama a atenção que dos três distritos com menor tempo de espera – 3 dias – dois estejam em áreas periféricas, Raposo Tavares, na zona Oeste, e Jaçanã, na zona Norte, tendo o mesmo indicador que o verificado do distrito da Saúde, na região Centro-Sul.

“Antes, este indicador era muito próximo do que vemos em outros: de melhor serviço nas áreas centrais e de pior nas periferias. Após uma série de organizações da cidade se mobilizar para cobrar o aumento de vagas em creches, o Tribunal de Justiça de São Paulo obrigou o poder público a fazer um termo de ajustamento de conduta e desde então o padrão mudou. Muitas vezes, os distritos periféricos têm menos dias de espera por vaga em creche do que os distritos centrais”, observou Pantoja.

A FORÇA DA COMUNIDADE

Dos 96 distritos da capital paulista, em dez não há domicílios em áreas de favela: Alto de Pinheiros, Perdizes, Jardim Paulista, Moema, Bela Vista, Sé, República, Consolação, Cambuci e Santana.

Os dois líderes neste item são os distritos da Vila Andrade, com 35,35% dos domicílios em favela – nele se localiza a comunidade de Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade – e o da Brasilândia, com 24,71% de domicílios em área de favela – na região marcada por ocupações de terra ao longo das décadas.

Igor Pantoja ressaltou que o objetivo da elaboração do Mapa da Desigualdade não é somente o de apontar os problemas para ações do poder público, mas também para que as comunidades possam ter ciência de suas condições e trabalhar por melhorias, especialmente nas regiões com os piores indicadores de desenvolvimento social.

“A ideia do Mapa é justamente subsidiar as comunidades aqui da cidade para que elas enxerguem sua realidade e possam cobrar o poder público diante dessas necessidades. Existe um grupo na zona Noroeste, na Brasilândia, que nos pediu uma apresentação do Mapa da Desigualdade. As lideranças locais se juntaram para olhar para os dados referentes àquela região, e a partir disso já planejam fazer um observatório da região, para entender o porquê dessa realidade e o que pode ser melhorado”, comentou o coordenador de relações institucionais do Instituto Cidades Sustentáveis.

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