Uma cidade para o alto

Intensa verticalização das últimas décadas pode ser entendida pela dinâmica do mercado imobiliário e políticas habitacionais

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Prestes a completar 471 anos de história, a cidade que não para se expande cada vez mais para o alto. Dados do Censo 2022 do IBGE indicam que 3,34 milhões de pessoas vivem em apartamentos em São Paulo, 29,4% da população, 750 mil a mais do que o registrado no Censo 2010.

Essa verticalização também está mensurada no Anuário do Mercado Imobiliário 2023, publicado pelo Secovi-SP, o sindicato do setor imobiliário no estado de São Paulo: das 4,3 milhões de moradias da capital paulista, 1,43 milhão são apartamentos, 33,3% do total, e as unidades com até dois dormitórios e com área total entre 30m2 e 45m2 são as mais vendidas. 

Mudança de perfil 

Em nota técnica publicada em 2021, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP revelou a mudança do perfil das habitações formais da cidade entre 2000 e 2020, a partir de dados da Secretaria da Fazenda Municipal. 

“O estoque passou de uma predominância horizontal de padrão baixo (em imóveis) e médio (em área construída) para uma inconteste liderança de verticais de padrão médio (em imóveis e área). Os imóveis verticais de padrão alto também cresceram significativamente, em especial em área construída, mas com decrescentes metragens quadradas médias individuais”, consta na nota assinada por Eduardo Marques e Guilherme Minarelli, pesquisadores do CEM. O estudo não contempla as edificações precárias, como favelas e cortiços, nem as não precárias, mas não inteiramente regularizadas.

Uma opção de política pública

Uma das explicações para a atual verticalização da cidade é a opção dos poderes Executivo e Legislativo municipal em aumentar a concentração de pessoas – adensamento – vivendo em locais nos quais já há mais infraestrutura urbana instalada.

Essa prioridade consta tanto no Plano Diretor Estratégico (PDE), de 2014, quanto na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei de Zoneamento), de 2016, ambos revisados em 2023. Em linhas gerais, hoje, na cidade, se permite construir os prédios mais altos nos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana – próximos a terminais, corredores e estações de transporte coletivo de alta e média capacidade; já nas zonas mistas e de centralidade erguem-se os prédios de médio porte; e há restrições para novos edifícios nos miolos de bairro, bem como nas zonas especiais de proteção ambiental e nas de preservação e desenvolvimento sustentável.

Além disso, em diferentes bairros estão sendo construídos prédios do programa Pode Entrar, principal iniciativa da gestão do prefeito Ricardo Nunes para habitações de interesse social à população de baixa renda. Até junho de 2024, já haviam sido entregues 10,3 mil unidades das mais de 100 mil que a Prefeitura pretende viabilizar. 

Resposta às demandas da cidade

No Anuário do Mercado Imobiliário 2023, Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP, enaltece o fato de a revisão intermediária do PDE e da Lei de Zoneamento terem resultado em “avanços e aperfeiçoamentos nas legislações, estímulos a habitação de interesse social, mobilidade, sustentabilidade”, e lembra que “com as melhorias introduzidas no Minha Casa, Minha Vida no mês de julho, com aumento do limite de preço dos imóveis [que na capital paulista passou de R$ 264 mil para R$ 350 mil] e ajustes na curva de descontos e nas taxas de juros, os lançamentos de unidades enquadradas no programa cresceram no segundo semestre do ano”. 

Em artigo ao jornal Folha de S.Paulo, publicado em março de 2024 e replicado no site do Secovi-SP, Rodrigo Luna, presidente da instituição, ressalta que o adensamento nas áreas com infraestrutura urbana “responde à demanda das pessoas na vida moderna, aos novos arranjos familiares, à busca de acesso mais fácil a serviços, menor desperdício de tempo com deslocamentos – em especial casa-trabalho –, maior segurança; enfim, mais bem-estar”. Ele também argumenta que espalhar as pessoas nas grandes metrópoles “produz dificuldades e má qualidade de vida à população. A única forma de atender essa demanda é por meio da verticalização e do adensamento inteligentes. Até porque os espaços que oferecem tais recursos estão cada vez mais valorizados. E a única forma de diluir o alto custo dos terrenos é distribuí-lo por grandes números de unidades produzidas”.

Mais prédios para quem?

Na avaliação da urbanista e arquiteta Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), o que tem ocorrido na cidade é um adensamento construtivo e não populacional: “As legislações acabaram permitindo que houvesse mais área construída em relação ao tamanho do terreno, o que chamamos de coeficiente de aproveitamento. Se formos olhar o que foi produzido, veremos, porém, que não há mais gente morando mais perto dos locais com melhor infraestrutura nem mais acesso a moradia, já que há muitas pessoas em situação de rua pela cidade e uma grande expansão das áreas precárias”.

Raquel, que também coordena o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da FAU-USP, ressaltou que esses imóveis acabam por se tornar ativos financeiros para investidores. “Definiu-se o valor máximo R$ 350 mil para essas habitações e os incorporadores diminuíram o tamanho dos imóveis, começaram a fazer apartamentos estúdio de 20m2, 15m2, até de 10m2, que são vendidos para investidores por esse valor”.

Na tese de doutorado “A herança mercantil, os entraves dos imóveis ociosos no centro de São Paulo”, que apresentou em 2022 à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Ana Gabriela Akaishi aponta para a contradição “entre as áreas centrais – nas quais se concentra a maior parte dos empregos, serviços, equipamentos públicos e transporte coletivo – e as áreas periféricas – nas quais reside a maioria da população que não consegue acessar o mercado formal de moradia, não é atendida por políticas públicas e desloca-se por horas, diariamente, até o local de trabalho. Os mais de 290 mil domicílios vagos (IBGE, 2010), entre apartamentos fechados ou abandonados, concentrados majoritariamente na região central da cidade, são o retrato dessa contradição”.

A pesquisadora cita, ainda, que muitos dos lançamentos imobiliários no Centro são de apartamentos majoritariamente compactos, atendendo a demandas de mercado imobiliário e não de habitação: “A incidência da atuação privada sobre o mercado de terras recai nos quase 100 mil metros quadrados de terreno canalizados, no período de 2013-2018, para essa produção, demonstrando que os obstáculos existentes – de várias ordens, sobretudo com relação aos proprietários de imóveis – foram vencidos, e estratégias foram adotadas para que os imóveis fossem comercializados para as incorporadoras”.

Em contrapartida, o Censo 2022 mostra que há 80,2 mil pessoas vivendo em cortiços na cidade, das quais cerca de 18 mil na área central, a maioria negras (63%), com ganhos mensais de até dois salários-mínimos (85%), e pagando aluguéis entre R$ 401 e R$ 600 (36% das pessoas), e entre R$ 600 e R$ 800 (30%). Os dados denotam, portanto, que no Centro de São Paulo os novos prédios tem apartamentos cada vez mais compactos e que as pessoas de menor renda não conseguem acessar habitações formais, mesmo havendo grande incidência de edifícios ociosos. 

IMPACTOS JÁ CONHECIDOS DA VERTICALIZAÇÃO:

  • Os prédios maiores interferem na circulação de ar, pois desviam os ventos da superfície e comprometem a ventilação dos ambientes; 
  • Espaços extremamente verticalizados são propícios à formação de ilhas de calor; 
  • A construção de grandes edifícios gera dissonâncias visuais e estéticas; 
  • Quanto mais prédios, mais impermeável fica o solo de uma determinada localidade, favorecendo o surgimento de áreas com inundações; 
  • Em comparação a bairros horizontais, nos verticalizados há menor interação entre as pessoas; 
  • Quando a vegetação original dá lugar a um prédio, há piora na qualidade do ar, redução da fauna silvestre e menos árvores para absorver gás carbônico; 
  • Por outro lado, ter mais pessoas vivendo em prédios próximos a áreas com infraestrutura instalada tende a diminuir o uso de veículos particulares nos deslocamentos, o que reduz o trânsito e a emissão de poluentes na cidade.

Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que eviteis a impureza; que cada um de vós saiba possuir o seu corpo santa e honestamente, sem se deixar levar pelas paixões desregradas, como os pagãos que não conhecem a Deus; e que ninguém, nesta matéria, oprima nem defraude a seu irmão, porque o Senhor faz justiça de todas estas coisas… Procurai viver com serenidade, ocupando-vos das vossas próprias coisas e trabalhando com vossas mãos, como vo-lo temos recomendado. É assim que vivereis honrosamente em presença dos de fora e não sereis pesados a ninguém.

(1ª Carta de São Paulo aos Tessalonicenses 4,3-6.11-12)

A raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Acossados pela cobiça, alguns se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições. Mas tu, ó homem de Deus, foge desses vícios e procura com todo empenho a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Combate o bom combate da fé. Conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e fizeste aquela nobre profissão de fé perante muitas testemunhas… Que pratiquem o bem, se enriqueçam de boas obras, sejam generosos, comunicativos, ajuntem um tesouro sólido e excelente para seu futuro, a fim de conquistarem a verdadeira vida.

(1ª Carta de São Paulo a Timóteo 6, 10-12, 18-19)

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