Uma vocação fecundada na esperança

“Minha vocação nasceu espontaneamente com a presença de um padre, que vinha a cada mês ou a cada dois meses. Quando era criança, achava a vida de padre popular e muito importante para os colonos. Eu pensava: a coisa melhor na vida
só pode ser me tornar padre também. Minha mãe era muito religiosa, o ambiente todo me
favorecia. Nunca desanimei. Três vezes me pediram para que eu não fosse para o seminário,
porque eu já tinha um irmão padre e três irmãs freiras. Queriam que eu ficasse para continuar o trabalho do meu pai, mas eu disse não.” Assim o Cardeal Paulo Evaristo Arns descreveu a origem de sua vocação sacerdotal, em uma entrevista à revista do Serviço Social do Comércio (Sesc), em 2002.

foto: Arquivo Pessoal

Sobre ser Franciscano, em outra entrevista, dessa vez à revista “Grande Sinal”, da Editora
Vozes, em 1989, Dom Paulo relatou que, quando ganhou de presente uma edição completa do Novo Testamento, pôde conhecer melhor a pessoa e a mensagem de Cristo e sentir o mesmo encantamento que São Francisco de Assis teve ao conhecer a vida do Senhor.

“Afeiçoei-me com intensidade a todos os acontecimentos que tanto empolgaram a São Francisco: o Natal de Jesus, a vida terrena; a cruz como fonte de esperança; e a Eucaristia
como expressão plena de amor”, disse o Cardeal.

Frei Evaristo

Aos 12 anos, o pequeno Paulo Arns (seu nome de registro civil) ingressou no seminário menor. Em 1940, entrou no noviciado da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos), em Rodeio (SC). Cursou Filosofia em Curitiba (PR) e Teologia em Petrópolis (RJ), onde foi ordenado sacerdote, em 30 de novembro de 1945. Como religioso, adotou o nome de Frei Evaristo.

Em 1947, foi enviado à Europa, onde se formou em estudos brasileiros, latinos, gregos, literatura antiga e se doutorou em Letras pela Universidade de Paris (Sorbonne). Nesse período, também fez estágios na Alemanha, Inglaterra, Holanda e Bélgica, além de nos Canadá.

Ao retornar ao Brasil, em 1952, o então Frei Evaristo trabalhou no interior de São Paulo, nas cidades de Bauru e Agudos, onde lecionou e cuidou da formação dos frades franciscanos no Seminário Menor. Foi em Petrópolis, porém, que, além de cuidar da formação dos seminaristas, dedicou parte do seu tempo ao trabalho pastoral e se apaixonou pelos mais pobres.

Ao lado do povo

Essa paixão pelos mais necessitados é evidenciada nas mais de 80 páginas do pequeno livro “Um padre em sete morros abençoados”, escrito em 2005, por ocasião da celebração de seus 60 anos de ordenação presbiteral. Nele, Dom Paulo conta como era o trabalho que realizava em favor do povo, desde o atendimento aos doentes, as catequeses para as crianças, a preocupação com a educação das crianças.

No livro estão relatos do Sacerdote que se colocava à disposição do povo e não se furtava a subir os morros de Petrópolis para dar bênção em doentes e mulheres grávidas, ou que ajudou um casal de portugueses, moradores da cidade, a adotar uma criança. “Choro. Riso. Viva a criança!

Esta nos ajudou soltando seus gritinhos. Quando a futura mãe envolveu o neném nos braços, tiveram de segurar o senhor Aurélio para ele não cair de emoção. Eu mesmo o imaginava trazendo o pequeno presente de Deus, agora tão semelhante a Nossa Senhora. Era uma menina”, escreveu o Cardeal.

Em 1966, quatro meses de chuvas provocaram uma calamidade na cidade. Rochas despencaram, rolando morro abaixo e, por onde passaram, deixaram um rastro de morte, lama e destruição. Ao receber uma ligação com pedidos de socorro, Frei Evaristo convocou os estudantes. Todos trocaram os hábitos por calças, camisas e botas. Os feridos foram
encaminhados ao hospital; já os mais de 40 mortos foram velados no salão do convento franciscano. “Fizemos escala, e os frades, após o banho, trajando seus hábitos religiosos, passaram a noite ao lado dos mortos, no salão da Ordem Terceira. Rezaram e cantaram a noite inteira para evitar a confusão do choro e a reclamação contra Deus, que não havia evitado essa quase insuportável calamidade.”

Episcopado

Em 2 de maio de 1966, São Paulo VI nomeou Frei Evaristo Arns como Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo. Então, voltou a adotar seu nome de batismo, ficando conhecido
como Dom Paulo Evaristo e logo se tornou uma personalidade identificada com a metrópole, não apenas pelo nome, mas por sua vida e testemunho de pastor da Igreja.

O Cardeal Agnelo Rossi, então Arcebispo de São Paulo, confiou a Dom Paulo o pastoreio da antiga Região Norte da Arquidiocese, hoje Região Santana. Com os migrantes, que chegavam sem parar à metrópole, formavam-se bairros novos nos extremos da cidade, que crescia cada vez mais, necessitando de assistência religiosa e ação evangelizadora.

Arcebispo e Cardeal

Quando o Cardeal Rossi foi chamado para ser Prefeito da Congregação para a Evangelização
dos Povos, no Vaticano, São Paulo VI nomeou Dom Paulo como 5º Arcebispo Metropolitano
de São Paulo, no dia 22 de outubro de 1970. Ele foi feito Cardeal pelo mesmo Pontífice no dia 5 de março de 1973 e recebeu o título da Igreja Santo Antônio de Pádua, na Via Tuscolana, em Roma.

O Cardeal Arns serviu a Arquidiocese de São Paulo como Arcebispo por quase 28 anos, com a missão de implementar as reformas do Concílio Vaticano II e de promover eficazmente a
evangelização, o testemunho e a presença da Igreja na imensa metrópole. Era necessário ampliar as estruturas e serviços eclesiais, na cidade que não parava de crescer.

Sempre padre

Em sua autobiografia, ao escrever sobre a decisão de ser Sacerdote, Dom Paulo foi enfático:
“Qualquer coisa que eu tenha feito em minha vida ou ainda chegue a realizar explica o fato de eu ser padre. Fui por longos anos professor, mas sempre padre-professor, ao ensinar Literatura, Teologia ou Didática. Escrevi livros e milhares de artigos mesmo antes da ordenação sacerdotal. Trazem a marca de padre. Amei muito na vida e passei por situações humilhantes, por calúnias graves e muito difundidas, mas sempre como padre, porque desejei cumprir a missão que Cristo me confiou. Meu lema de bispo, arcebispo e cardeal – ‘De esperança em esperança’ – foi escolhido na época em que eu era um simples padre”.


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