Vidas novas em Cristo

O Círio está aceso, os sinos tocam, o ‘Aleluia’ continua a ecoar nos templos. Ainda é Páscoa! Sua extensão em cinquenta dias – o Tempo Pascal – reforça que algo extraordinário aconteceu: a humanidade foi salva pela Paixão, Morte e Ressurreição do Filho de Deus. 

E esta salvação se atualiza em cada história de vida transformada pelo encontro pessoal com Cristo, seja daqueles que recebem os sacramentos da iniciação à vida cristã, seja de quem faz um itinerário de reconciliação para a plena vivência dos sacramentos, como nestas histórias que o jornal O SÃO PAULO apresenta a seguir. 

‘Sou muito agradecida a Deus que não desistiu de mim’

Missão Belém

Daniele Mariano Arrojo cresceu em uma família marcada por graves problemas. Com mãe e pai envolvidos com drogas ilícitas, faltaram-lhe modelos sobre como enfrentar os próprios desafios e, assim, Daniele começou a fazer uso demasiado de bebidas alcoólicas aos 16 anos de idade. Aos 19 anos, já casada e com filhos, a jovem abandonou tudo e foi para a Cracolândia, no centro de São Paulo. “Para conseguir o crack, eu revirava lixo, roubava e me prostituía. Quando o efeito passava, vinha aquela tristeza e o desespero me fazia buscar a qualquer custo a próxima pedra”. 

Não suportando mais esse revezamento entre o efeito da droga e a profunda tristeza, Daniele tentou cometer suicídio por sete vezes. Mas a cada tentativa, milagres preservavam sua vida: “Tomei duas cartelas de chumbinho. O médico disse que não morri porque o veneno grudou no macarrão que eu tinha comido antes e, assim, não assentou no estômago. Depois, eu me joguei três vezes na frente de um ônibus. Ficava ferida, mas não morria”, recorda.

Na última vez que atentou contra a própria vida, Daniele se jogou do Elevado Presidente João Goulart, conhecido como Minhocão, a uma altura de 5,5 metros. Foram seis meses em coma, um ano e meio internada, dezenas de parafusos em todo corpo e um parecer da equipe médica: “Não sabemos como você sobreviveu”. 

Meses depois, já recuperada e de volta às ruas, Daniele foi abordada na Cracolândia por duas pessoas: “Gabriel e Marina iam e voltavam em mim; me abordaram cinco vezes até que eu decidi ir com eles para o abrigo. E foi aí que Deus me salvou de novo”, rememora Os dois missionários fazem parte da Missão Belém, um movimento católico cuja proposta é recriar o “Mistério de Belém”, acolhendo os que não têm abrigo, como a Sagrada Família no nascimento de Jesus. 

Ao chegar à casa de acolhida, Daniele estava bastante apreensiva, mas um simples gesto a “desarmou” e despertou-lhe o desejo de uma mudança radical: “Na triagem, eles conversaram comigo. Esse diálogo, cheio de amor, chamou minha atenção e me fez sentir muito acolhida”.

Há oito meses na Missão Belém, Daniele agora desempenha o papel de “Mãe”, acolhendo e orientando as recém-chegadas das ruas: “Quando as meninas chegam sujas e malcheirosas, eu as recebo da mesma maneira com que fui recebida, com muito amor. Ao mesmo tempo, elas me ajudam a permanecer firme, porque vejo de onde saí. Sou muito agradecida a Deus que não desistiu de mim”.

O reconhecimento da ação de Deus por meio do cuidado dos irmãos inspirou Daniele a buscar comunhão com a Igreja. Após um período de catequese e preparação, Daniele recebeu os sacramentos de iniciação à vida cristã na Vigília Pascal, em 30 de março, na Catedral da Sé. Assim, foi batizada, crismada e recebeu a primeira Eucaristia na mesma igreja onde costumava permanecer do lado de fora, envolta no vício das drogas. “Aprendi que estou participando do sangue do Cordeiro. Vivo muito bem e quero trazer meus filhos para viverem isso também”. 

‘Ganhei não só padrinhos, mas uma família inteira’

Arquivo Pessoal

Natalie Machado Kardos Mahlmeister tem 42 anos e é comunicadora. De origem judia, nada conhecia sobre a fé católica, mas aos 5 anos de idade sentiu-se curiosa ao ouvir as amigas falarem do carinho que recebiam de seus “dindos”. Então, ela começou a se questionar por que não tinha padrinhos. Quando lhe disseram que era necessário ser batizada para isso, a menina disse, determinada: “Eu também quero ser batizada”.

Os anos se passaram, o desejo não desapareceu, mas não havia se concretizado. Ao longo da vida, ela foi aprendendo sobre a fé católica, recitando algumas orações e se aproximando aos poucos da convicção que expressou na infância: “Eu tentei ser batizada três vezes, mas sempre dava alguma coisa errada e o processo não avançava. E eu lamentava pensando ‘será que nunca conseguirei receber o Batismo?’”.

Um dia, muito angustiada, Natalie passou em frente a uma igreja e decidiu entrar. Encontrou um ambiente vazio: “Entrei, sentei-me e fiquei em silêncio por cinco horas seguidas. Sou uma pessoa extremamente agitada, ninguém que me conhece acreditaria que fiquei calada por todo esse tempo. Entretanto, experimentei uma paz tão profunda que não sentia vontade de fazer nada além de permanecer ali, sem me preocupar com o tempo lá fora”.

A partir daquele momento, Natalie teve a certeza do caminho a seguir e começou a buscar entre seus familiares alguém que pudesse orientá-la em sua jornada rumo à Igreja Católica. E foi a partir da indicação do cunhado de seu marido que ela começou a participar dos encontros de catequese para adultos, o que foi transformador em sua vida.

“Eu questionava tudo, tinha muita sede de conhecimento. Quando ouvi sobre a morte de Jesus, fiquei indignada. Como ninguém impediu? Se eu estivesse lá, não deixaria isso acontecer”, recorda. Esse amor inocente e protetor crescia à medida que ela se aprofundava na história da Salvação, na Doutrina da Igreja e nos mistérios da fé.

Chegou o dia do Batismo e, finalmente, a menina que aos 5 anos de idade só queria ‘dindos’, recebeu aos 42 anos algo muito maior: “Ganhei não só padrinhos, mas uma família inteira. Meses após meu Batismo, meu pai faleceu, e foi a fé que me ajudou a lidar com esse que foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. A fé católica me ensinou a ter esperança”.

‘Fui mergulhado no mar do amor de Deus’

Arquivo Pessoal

De família católica, Júlio Cesar de Lima, 53, recebeu no tempo devido todos os sacramentos da iniciação à vida cristã. Ele também se casou na Igreja, mas ser parte da comunidade eclesial não estava em sua rotina de vida, exceto quando havia festa junina na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Jardim Paulistano, Região Sé.

E foi em uma destas festas que o Dom Joércio Gonçalves Pereira, C.Ss.R, que atuava na comunidade paroquial, convidou Júlio Cesar para participar do Terço dos Homens. Meses depois, em uma novena do Advento, o convite lhe foi feito novamente por Ronaldo Pereira, um dos coordenadores na comunidade: “Você é o Júlio de quem Dom Joércio sempre fala? Não quer participar comigo do Terço dos Homens?”, indagou. Saber que era lembrado pelo bispo e receber aquele convite caloroso foi o gesto simples, mas extraordinário, que convenceu Júlio. Desde então, todas as sextas-feiras, às 19h, Júlio reforçava o coro dos homens nas Ave-Marias que ressoavam pela igreja.

Desde 2019, a cada meditação dos Mistérios do Terço, Júlio ia aprendendo mais sobre a vida de Jesus e de Maria. O desejo de conhecer melhor a Palavra de Deus o atraiu às missas dominicais. Também começou a buscar por palestras e catequeses de padres no Youtube, a ler sobre a vida dos santos e adquirir dezenas de livros doutrinais: “Fui mergulhado no mar do amor de Deus”.

E esse amor tão profundo também atraiu Leila Barros de Lima, a quem Julio conheceu em 2006 e com quem passou a ter união estável, quando já havia se divorciado. Ambos, compreendendo mais sobre os sacramentos, reconheceram que estavam em união irregular. Informaram-se, porém, sobre a possível nulidade do primeiro casamento de Júlio Cesar. Anos depois, aquele primeiro casamento foi, de fato, considerado nulo pela Igreja. “Leila e eu nos casamos em 25 de janeiro de 2023, na festa da conversão de São Paulo. Voltar a comungar me fez sentir exatamente como o apóstolo quando diz ‘já não sou eu quem vivo, Cristo vive em mim!'”, diz Júlio, emocionado.

Hoje, Júlio e Leila dedicam bastante tempo às atividades pastorais e serviços na igreja. A doação de seu tempo é para eles um ato de gratidão a Deus: “Deus nos amou primeiro e tudo o que fazemos é devolver a Ele o que recebemos gratuitamente”. 

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