Zeloso com os sacerdotes em favor do bem do povo de Deus

Cardeal Paulo Evaristo Arns, reunido com o clero de São Paulo em frente à Catedral da Sé durante celebração arquidiocesana (foto: Antônio Giovaninni/Arquivo O SÃO PAULO)

Um pastor de pastores a serviço do povo de Deus. Assim o Cardeal Paulo Evaristo Arns compreendia a sua missão como Arcebispo da maior arquidiocese do Brasil.

Desde que tomou posse como Arcebispo de São Paulo, em 1970, Dom Paulo manifestou sua atenção especial com o bem do clero e a sua formação integral e permanente. Padres que se formaram nesse período confirmaram ao O SÃO PAULO o zelo do Cardeal Arns pelos sacerdotes, como uma forma concreta de expressar o cuidado com o bem de todos os fiéis a eles confiados.

Em 1973, o Cônego Antônio Manzatto tinha 16 anos, e havia acabado de ingressar no seminário menor do bairro da Penha, na zona Leste (hoje, Diocese de São Miguel Paulista), onde conheceu Dom Paulo, durante uma de suas muitas visitas aos seminaristas.

Naquela época, a Arquidiocese, que era a maior do mundo, vivia um processo de expansão evangelizadora da Igreja paulistana para os bairros mais distantes da cidade, o que refletia na metodologia formativa dos seminaristas, que realizavam suas atividades pastorais nas muitas comunidades eclesiais.

Além das atividades no seminário e dos estudos acadêmicos de Filosofia e Teologia, os candidatos ao sacerdócio participavam de momentos de formação complementar, retiros e encontros arquidiocesanos de seminaristas, dos quais o Cardeal Arns fazia questão de sempre participar.

Valorização dos estudos

Paralelamente à formação acadêmica, espiritual e pastoral, Dom Paulo insistia muito na formação complementar dos futuros padres. Ordenado sacerdote em 1985, Padre Tarcísio Marques Mesquita, atual Coordenador do Secretariado Arquidiocesano de Pastoral, iniciou seu ministério ajudando como formador no Seminário de Filosofia e, por isso, teve a oportunidade de conhecer mais de perto a preocupação do então Arcebispo com a formação dos futuros padres.

“Dom Paulo sempre nos perguntava se estávamos lendo os jornais, acompanhando os noticiários. Ele fazia uma análise crítica dos grandes jornais da época”, relatou Padre Tarcísio, complementando que o Cardeal Arns incentivava muito, por exemplo, o estudo de outras línguas.

“Ele chegou a doar parte da sua biblioteca pessoal para o antigo Seminário de Filosofia, no Ipiranga. Na época, não havia espaço adequado para colocar tantos livros. Chegamos a encher de livros duas cozinhas que estavam desativadas”, contou.

Formação permanente

A preocupação com a formação dos padres não se restringia apenas ao período do seminário. Dom Paulo insistia muito na formação permanente e continuada do clero. Para acompanhar de perto os jovens padres, ele iniciou a prática de encontros anuais com os sacerdotes com poucos anos de ordenação. Nesses encontros, que duravam alguns dias, o Cardeal tratava de assuntos formativos, discutia temas da atualidade e partilhava questões da vida pastoral dos jovens presbíteros.

Em meados da década de 1980 e no início dos anos 1990, Dom Paulo decidiu enviar vários sacerdotes à Europa para se especializarem em diferentes áreas acadêmicas. Essa iniciativa visava a preparar padres do próprio clero arquidiocesano para lecionarem nas faculdades de Filosofia e Teologia, conjugando a devida qualificação acadêmica com o conhecimento da realidade pastoral específica da Igreja em São Paulo.

“Na pastoral, nós repercutíamos a ideia de que a juventude evangeliza a juventude, os operários evangelizam os operários, então, os padres da Arquidiocese de São Paulo trabalhavam na formação dos próprios padres daqui”, comentou o Cônego Manzatto, ordenado sacerdote em 1982 e, alguns anos depois, enviado à Bélgica, onde se doutorou em Teologia na Universidade Católica de Louvain, em 1993 e, desde então, é professor na Faculdade de Teologia Nossa Senhora Assunção da PUC-SP.

Cardeal Arns em celebração na Igreja Imaculada Conceição, anexa às Faculdades de Filosofia e Teologia, no bairro do Ipiranga, na zona Sul, onde estudam os seminaristas (foto: Douglas Mansur/Arquivo O SÃO PAULO)

Clero numeroso

Como, na época, a Arquidiocese compreendia os territórios das atuais Dioceses de São Miguel Paulista, Santo Amaro, Campo Limpo e Osasco, o desafio para reunir o clero numeroso era grande. Naturalmente, os padres se agrupavam a partir de suas regiões episcopais, nas quais realizavam retiros e formações periódicas.

Para fomentar a comunhão arquidiocesana, Dom Paulo promovia encontros periódicos com todo o clero e celebrações, como a de Corpus Christi, na Praça da Sé, para ressaltar a unidade da Igreja na metrópole. Padre Tarcísio frisou que o Cardeal Arns insistia muito na comunhão com o presbitério como forma de [ele] estreitar sua comunhão com o povo, pois eram os padres que viviam constantemente nas comunidades.

Os padres entrevistados foram unânimes em afirmar que Dom Paulo sempre tinha tempo para os sacerdotes. “Ele dava expediente tanto na Cúria Metropolitana quanto na sua residência, e sempre atendia os padres, não importava o horário”, contou o Padre João Júlio Farias Júnior, que desde a década de 1980 trabalha na Cúria Metropolitana como Procurador da Mitra Arquidiocesana de São Paulo.

Paternidade

Os padres também reforçaram que Dom Paulo era, ao mesmo tempo, pastor e pai. Padre Tarcísio brincou que, já no fim do período do Cardeal

à frente da Arquidiocese, ele era considerado um grande “avô”, por sua ternura e atenção para com os padres.

Como todo pai, o Cardeal, por outro lado, sabia ser firme e corrigir quando necessário. “Em suas conversas, ele era capaz de nos mostrar o erro, mas, ao mesmo tempo, indicava saídas, sempre na perspectiva da esperança”, contou Padre Tarcísio.

Bom pastor

Dom Paulo dizia aos padres que o eixo integrador da formação sacerdotal era pastoral, de modo que todos os demais campos da vida espiritual, humana, acadêmica e social dos sacerdotes deviam ser vividos em função da missão primeira do sacerdote diocesano, que tem como referência o próprio Jesus Bom Pastor.

“Dom Paulo entendia a espiritualidade que era vivida com o povo de Deus. O estudo era necessário porque os padres precisam de boa formação para saber orientar os leigos, não era uma simples busca de glória do saber ou de títulos. Assim também acontecia em relação à vida comunitária, nas questões litúrgicas, tudo devia ser vivido para o bem do povo de Deus”, acrescentou Cônego Manzatto.

Em suas visitas ao seminário, celebrava a missa, rezava a Liturgia das Horas com os futuros padres e os exortava acerca da importância da vida de oração e sacramental, da comunhão com Deus, de rezar com o povo e deixar que os fiéis os vissem em oração na igreja, como testemunho do cultivo da vida interior.

“Recordo que, ao concluir um encontro conosco às vésperas da nossa ordenação, Dom Paulo nos disse: ‘Não se esqueçam dos meus doentes. Nunca deixem de visitá-los,” contou Padre Tarcísio, chamando a atenção para o carinho especial do Cardeal com os enfermos.

Administração

Até em relação às questões de organização administrativa, o Arcebispo afirmava que o povo já sofria com a desorganização das outras instâncias da sociedade e, por isso, não podia sofrer com a da falta de organização da Igreja.

“Dom Paulo sempre foi atento às necessidades dos padres e expressava, a partir dessa atenção, sua preocupação com o bem da Igreja”, destacou Padre João Júlio, recordando que o primeiro Plano de Manutenção da Arquidiocese foi elaborado no arcebispado de Dom Paulo e, já no primeiro capítulo, expressa a preocupação com o cuidado e manutenção dos presbíteros, visando ao seu bem-estar para poderem realizar eficazmente o serviço à Igreja e ao povo.

Dom Paulo saúda padre em visita à Casa São Paulo, fundada por ele em 1993, para acolher sacerdotes idosos e enfermos da Arquidiocese (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Padres idosos

O Cardeal Arns também teve atenção especial para o crescimento do número de padres idosos da Arquidiocese, que nem sempre podiam receber os devidos cuidados de suas respectivas comunidades paroquiais. Então, Dom Paulo teve a iniciativa de criar uma casa para o clero, que passou a ser moradia para padres idosos que se aposentavam ou necessitavam de cuidados de saúde.

Assim, em 1993, nasceu a Casa São Paulo, no Ipiranga, mantida pela Irmandade São Pedro dos Clérigos e pela Mitra Arquidiocesana. Projetada para essa finalidade, a residência possui uma estrutura acessível para os idosos e enfermos, além de religiosas e profissionais especializados no atendimento desses moradores.

A escolha do bairro do Ipiranga não foi por acaso. Estando próxima da Faculdade de Teologia, os padres idosos têm acesso à biblioteca e aos eventos acadêmicos, como estímulo para se manterem atualizados nos estudos. A casa também é vizinha ao seminário, permitindo que os seminaristas visitem os padres idosos, troquem experiências e contem com sacerdotes para a direção espiritual.

Entre gerações

Na Casa São Paulo residem sacerdotes idosos que se aposentaram, padres em tratamento temporário de saúde, aqueles que exercem funções arquidiocesanas não paroquiais, alguns padres professores e que, eventualmente, estão fazendo algum estudo de especialização, devido à proximidade da faculdade.

Ao contrário de um simples asilo, essa residência tem o objetivo de promover o constante intercâmbio de experiências entre padres de diferentes gerações e o estreitamento dos laços de fraternidade presbiteral e cuidado recíproco.

Cônego Manzatto, que atualmente coordena a Casa São Paulo, afirmou que, em seu “testamento”, Dom Paulo destinou alguns de seus pertences para essa instituição, expressando que, com sua decisão, queria manifestar o amor que sempre teve pelo clero.

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