Pontífice presidiu a Missa do Domingo de Ramos, início da Semana Santa, na Praça São Pedro
Fotos: Vatican Media
Cristo, abandonado, impele-nos a procurá-Lo e a amá-Lo nos abandonados. Porque neles, não temos apenas necessitados, mas temo-Lo a Ele, Jesus Abandonado, Aquele que nos salvou descendo até ao fundo da nossa condição humana. Por isso deseja que cuidemos dos irmãos e irmãs que mais se parecem com Ele, com Ele no ato extremo do sofrimento e da solidão. Esse foi a reflexão do Papa Francisco na Missa do Domingo de Ramos, 2, celebrada na Praça São Pedro com a tradicional e solene procissão de ramos.
Foi um momento comovente numa praça com mais de 50 mil fiéis e peregrinos, com os ramos de oliveira provenientes da região italiana da Úmbria.
“Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?”: é a invocação que a Liturgia nos fez repetir hoje no Salmo Responsorial (Sl 22), sendo também – no Evangelho que ouvimos – a única pronunciada na cruz por Jesus. Representam, pois – observou Francisco –, as palavras que nos conduzem ao coração da paixão de Cristo, ao ponto culminante dos sofrimentos que padeceu para nos salvar.
SOFRIMENTOS DO CORPO E DA ALMA
Muitos foram os sofrimentos de Jesus. Foram sofrimentos do corpo: das bofetadas às pancadas, da flagelação à coroa de espinhos, até à tortura da cruz. Foram sofrimentos da alma: a traição de Judas, as negações de Pedro, as condenações religiosa e civil, a zombaria dos guardas, os insultos ao pé da cruz, a rejeição de tantos, a falência de tudo, o abandono dos discípulos.
E, contudo – prosseguiu o Pontífice –, no meio de todo este sofrimento, restava a Jesus uma certeza: a proximidade do Pai. Ele tinha dito: “Eu e o Pai somos um”, “Eu estou no Pai e o Pai está em Mim”. Mas agora acontece o impensável; antes de morrer, clama: “Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?”.
O Papa ressaltou que estamos perante o sofrimento mais dilacerante, o do espírito: na hora mais trágica, Jesus experimenta o abandono por parte de Deus. Antes disto, nunca chamara o Pai pelo nome genérico de Deus.
“Na Bíblia, o verbo ‘abandonar’ é forte; aparece em momentos de dor extrema: em amores fracassados, rejeitados e traídos; em filhos enjeitados e abortados; em situações de repúdio, viuvez e orfandade; em casamentos gorados, em exclusões que privam dos laços sociais, na opressão da injustiça e na solidão da doença: em suma, nas mais drásticas dilacerações dos vínculos. Cristo levou tudo isto para a cruz, ao carregar sobre Si o pecado do mundo. E, no auge, Ele – Filho unigênito e predileto – experimentou a situação mais estranha no seu caso: a distância de Deus”.
FEZ-SE SOLIDÁRIO CONOSCO ATÉ AO PONTO EXTREMO
Mas – podemos perguntar-nos – porque foi tão longe? A resposta é uma só: por nós. Fez-Se solidário conosco até ao ponto extremo, para estar conosco até ao fim, para que nenhum de nós se possa imaginar sozinho e irrecuperável. Experimentou o abandono para não nos deixar reféns da desolação e permanecer ao nosso lado para sempre, enfatizou o Pontífice.
“Irmão, irmã, Ele o fez por mim, por ti, para que, quando eu, tu ou qualquer outro se vir encurralado à parede, perdido num beco sem saída, precipitado no abismo do abandono, sorvido no redemoinho dos ‘porquês’, saibamos que há uma esperança. Não é o fim, porque Jesus esteve ali e agora está contigo: Ele, o Pai e o Espírito sofreram a distância causada pelo abandono para acolher no seu amor todas as nossas distâncias. A fim de que possa cada um de nós dizer: nas minhas quedas, na minha desolação, quando me sinto traído, descartado e abandonado, Tu estás presente, Jesus; nos meus falhanços, estás comigo; quando me sinto transviado e perdido, quando não aguento mais, Tu estás lá, estás comigo; nos meus porquês’ sem resposta, estás comigo.
HOJE, TANTOS ‘CRISTOS ABANDONADOS’
É assim que o Senhor nos salva, a partir de dentro dos nossos ‘porquês’. De lá, descerra a esperança. Um amor assim, que dá tudo por nós, até ao fim, pode transformar os nossos corações de pedra em corações de carne, capazes de piedade, ternura e compaixão, prosseguiu o Santo Padre.
“Há hoje tantos ‘cristos abandonados’. Há povos inteiros explorados e deixados à própria sorte; há pobres que vivem nas encruzilhadas das nossas estradas e cujo olhar não temos a coragem de fixar; migrantes, que já não são rostos, mas números; reclusos rejeitados, pessoas catalogadas como problemas. Mas há também muitos cristos abandonados invisíveis, escondidos, que são descartados de forma ‘elegante’: crianças nascituras, idosos deixados sozinhos, doentes não visitados, pessoas portadoras de deficiência ignoradas, jovens que sentem dentro um grande vazio sem que ninguém escute verdadeiramente o seu grito de dor”.
ÍCONES VIVOS DE CRISTO
Francisco exortou-nos a lembrar sempre que Jesus abandonado nos pede para termos olhos e coração para os abandonados. Para nós, discípulos do Abandonado, ninguém pode ser marginalizado, ninguém pode ser deixado a si mesmo; porque – recordemo-lo – as pessoas rejeitadas e excluídas são ícones vivos de Cristo, recordam-nos o seu amor louco, o seu abandono que nos salva de toda a solidão e desolação.
Em sua homilia, ressaltando a presença de Cristo nos abandonados de hoje e de sempre, deixando por um momento o texto previamente preparado, Francisco lembrou um morador de rua que havia encontrado abrigo sob a cobertura da colunata da Praça São Pedro (Colunata de Bernini) e que meses atrás veio a falecer, ressaltando que Jesus está com cada um desses irmãos abandonados.
“Está com cada um deles, abandonados até à morte. Penso algumas semanas atrás, num morador de rua alemão que morreu na colunata, sozinho, abandonado. É Jesus para cada um de nós. Muitos precisam da nossa proximidade, são muitos os abandonados. Também eu preciso que Jesus me acaricie, esteja próximo a mim e por isso vou encontrá-Lo nos abandonados, nos que estão sós”.
Peçamos hoje, concluiu o Santo Padre, esta graça: saber amar Jesus abandonado e saber amar Jesus em cada abandonado. Peçamos a graça de saber ver e reconhecer o Senhor que continua a clamar neles. Não permitamos que a sua voz se perca no silêncio ensurdecedor da indiferença. Não fomos deixados sozinhos por Deus; cuidemos de quem é deixado só. Então, só então, faremos nossos os desejos e os sentimentos d’Aquele que por nós ‘Se esvaziou a Si mesmo’.
Fonte: Vatican News