Antes de embarcar com o Papa Francisco para a Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor-Leste e Cingapura, o Padre Antonio Spadaro, Sub-secretário do Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé, concedeu uma entrevista ao O SÃO PAULO, na qual falou sobre o significado da 45ª viagem apostólica internacional deste pontificado.
Por mais de uma década, Spadaro foi diretor da revista jesuíta La Civiltà Cattolica e acompanhou todas as viagens de Francisco. Ele explicou que esta viagem havia sido planejada antes da pandemia. “Era um desejo específico de Francisco visitar esta região do mundo. Sua saúde é boa e ele sente que tem a força necessária para enfrentá-la”, destacou o Jesuíta, recordando que, quando o Pontífice não estava em condições de saúde, adiou as viagens ao Congo, ao Sudão do Sul e a Dubai, para a COP28. “Uma vez eu disse ao Santo Padre que o ritmo de uma viagem – que ele, então, fez com sucesso – era excessivo. Ele me respondeu: ‘Não aceitei o pontificado para descansar’”, relatou.
“Francisco sempre manifestou um interesse específico pela Ásia. Lá, a Igreja se desenvolve constantemente e é livre de dinâmicas que eu poderia definir como ‘constantinianas’ na relação com o poder político, como aconteceu no resto do mundo; é um continente em que o Cristianismo encontrou religiões e sabedorias seculares, com as quais entrou em diálogo de alguma forma, apesar dos conflitos; é um continente em rápido desenvolvimento que também vive tensões geopolíticas”, observou Spadaro.
IMPACTO PASTORAL
O Jesuíta recordou que as viagens apostólicas do Papa se centram nas visitas às Igrejas locais, mas ressaltou que o aspecto pastoral tem sempre um impacto social e, em certo sentido, político. “Em primeiro lugar, deve-se notar que o Papa está interessado na capacidade da Igreja de gerar e inspirar mudança, admiração e compaixão, e isso vai além dos seus números e dimensões. Na Indonésia, temos cerca de 3% de católicos no país islâmico mais populoso do mundo. Esta presença é apreciada”.
De acordo com Padre Antonio, o diálogo com o Islã “nusantara”, modelo islâmico indonésio, é um tema forte da viagem. Ele lembrou que a Indonésia não é um Estado confessional e a coexistência civil baseia-se na “Pancasila”, fundamento filosófico baseado em cinco princípios que podem ser lidos à luz da encíclica Fratelli tutti: fé no único Deus; justiça e civilização humana; unidade; democracia guiada pela sabedoria interior; justiça social para todas as pessoas. “Recordo que a mesquita Istiqal foi construída em frente à Catedral e os dois edifícios estão ligados por um túnel subterrâneo denominado ‘túnel da amizade’. O Papa estará lá”, destacou.
DIÁLOGO
No caso do Timor-Leste, onde os católicos são 97% população, Padre Antonio Spadaro recordou que o Documento sobre a fraternidade humana para a paz mundial – assinado em 2019 pelo Papa Francisco e pelo Grande Imã de Al-Azhar Ahmad al- Tayyeb, em Dubai – foi recebido pelo presidente como um “documento nacional”.
“Portanto, são dois temas fortes: o diálogo com o Islã, que é uma das prioridades do Papa, e o compromisso dos cristãos na construção do bem comum nas sociedades onde se encontram, colaborando com todos com a ‘amizade social’, como Francisco a chama”, reforçou, acrescentando que outra mensagem forte será contra os fundamentalismos opostos (islâmico na Indonésia e cristão na Papua-Nova Guiné, resultado de assentamentos evangélicos) que tentam, sem sucesso, minar a coexistência.
Nesse sentido, Padre Antonio acredita que esta longa viagem confirmará fortemente alguns temas desenvolvidos no magistério de Francisco. “Voaremos para uma zona do mundo de tensões geopolíticas e que tem vivido conflitos religiosos e políticos (incluindo aqueles dentro de ilhas – Timor e Nova Guiné – cada uma partilhada por dois estados), mas que expressa um desejo de paz e democracia. Em um contexto em que a ordem mundial está a desmoronar-se, o fato de a sua mensagem de paz vir do Sudeste do Pacífico tem um significado peculiar. E este caminho será certamente o contexto para relançar a questão ecológica que na [exortação apostólica] Laudate Deum se tornou um grito de sabor apocalíptico. Em algumas áreas deste quadrante, o risco é muito elevado”, completou.