
A Nota Antiqua et Nova, divulgada pela Santa Sé nesta terça-feira, 28, apresenta uma profunda análise sobre a relação entre inteligência artificial (IA) e inteligência humana, enfatizando a necessidade de um desenvolvimento ético e orientado para o bem comum. Com 117 parágrafos, o documento, elaborado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e o Dicastério para a Cultura e Educação, destaca oportunidades, mas alerta para riscos éticos e antropológicos dessa tecnologia.
Uma ferramenta e não uma inteligência
A Nota reforça que a IA deve ser vista como ferramenta e não como uma forma de inteligência similar à humana. “Enganoso”, segundo o texto, seria considerar a IA como dotada de inteligência real, pois sua operação é essencialmente funcional. “A inteligência humana, moldada por Deus, se manifesta nas relações e é formada por uma miríade de experiências vividas na corporeidade”, enquanto a IA carece de tais capacidades [18, 31].
O Papa Francisco já havia alertado para o risco de atribuir características humanas à IA, afirmando que isso “pode levar à perda da percepção do que é único e essencialmente humano”. O documento reitera que, embora a IA possa gerar textos e imagens indistinguíveis dos criados por humanos, ela permanece um produto humano, não uma inteligência independente [35].
Impactos éticos em diversas áreas
A Antiqua et Nova analisa o impacto da IA em áreas fundamentais:
1. Saúde: Apesar do potencial em diagnósticos, o uso excessivo da IA pode enfraquecer o vínculo médico-paciente. O documento adverte sobre o perigo de criar uma “medicina para ricos”, marginalizando os mais vulneráveis e promovendo desigualdades [75].
2. Educação: Embora possa ampliar o acesso ao ensino, o uso inadequado da IA pode limitar o desenvolvimento do pensamento crítico. Muitos programas de IA se restringem a fornecer respostas prontas, prejudicando o aprendizado profundo e facilitando a disseminação de fake news [82, 84].
3. Economia e Trabalho: A IA pode aumentar a produtividade, mas também pode desumanizar o trabalho, submetendo trabalhadores à vigilância automatizada e funções repetitivas. A Nota enfatiza que a substituição progressiva do trabalho humano pode levar à perda de criatividade e inovação [67].
4. Relações Humanas: A IA, embora útil para conexões, pode fomentar o isolamento social. Especialmente preocupante é sua antropomorfização, que “induz crianças a enxergar relações humanas de maneira utilitarista” [58, 60].
O Perigo de Armas Autônomas
Um dos alertas mais contundentes do documento refere-se ao uso de IA em armamentos letais autônomos. Tais sistemas, capazes de “identificar e atacar alvos sem intervenção humana”, representam uma ameaça ética e moral severa. O Papa Francisco clamou pela proibição dessas tecnologias, afirmando que “nenhuma máquina deveria jamais escolher tirar a vida de um ser humano” [100].
A Nota denuncia que essas armas podem desestabilizar a paz mundial, tornando a guerra ainda mais destrutiva e incontrolável. “Essas tecnologias ampliam o poder destrutivo a níveis alarmantes, atingindo civis inocentes e aprofundando crises humanitárias” [101].
Concentração de Poder e Manipulação
Outro ponto levantado é a concentração de poder em poucas empresas no setor de IA. Isso levanta preocupações éticas significativas, especialmente quanto ao potencial de manipulação para fins econômicos e políticos. A Nota destaca que tal concentração pode aprofundar desigualdades e ameaçar os direitos fundamentais [53].
Uma Visão Ética para o Futuro
A Santa Sé enfatiza a importância de uma abordagem ética que coloque a dignidade humana e o bem comum no centro do desenvolvimento tecnológico. A IA deve ser uma aliada, não um substituto, e sua aplicação precisa respeitar valores fundamentais.
“A dignidade humana não depende de habilidades ou resultados, mas é intrínseca e inviolável, mesmo em uma criança ainda não nascida ou em um idoso sofredor”, ressalta o texto [34].
O documento conclama educadores, líderes religiosos e desenvolvedores de tecnologia a assumirem responsabilidade ética e a colaborarem para que o avanço tecnológico seja direcionado para “promover a justiça, a fraternidade e um progresso verdadeiramente humano”.
Reflexão Final
Em um mundo cada vez mais dominado pela tecnologia, Antiqua et Nova é um convite à reflexão ética e ao discernimento. A inteligência artificial, apesar de suas promessas, não pode substituir a riqueza e profundidade da inteligência humana, moldada pela corporeidade, espiritualidade e relacionalidade. Como o documento afirma, “somente com uma visão integral do ser humano é possível garantir que o progresso tecnológico seja um meio para o bem e não uma ameaça à dignidade da vida”.