‘Era fascinante vê-lo em ação’, diz jornalista sobre João Paulo II

Aura Miguel, em encontro com São João Paulo II, em uma das viagens apostólicas que acompanhou

Acompanhando os papas desde 1985, a jornalista portuguesa Aura Miguel é considerada uma “vaticanista”, isto é, aqueles jornalistas especializados na cobertura das notícias relacionadas o Papa e à Santa Sé. Editora de assuntos religiosos da Rádio Renascença, de Portugal, ela acompanhou 51 viagens apostólicas de São João Paulo II, cujo centenário de nascimento é comemorado nesta segunda-feira, 18.

Em entrevista concedida ao O SÃO PAULO em 2014, por ocasião da canonização do Papa Wojtyla, no dia 27 desse mesmo ano, Aura Miguel contou que, a bordo do voo papal, teve a oportunidade de conhecer mais sobre o caráter e a personalidade do Pontífice polonês, sobretudo na sua relação com os jornalistas.

Leia a seguir, a íntegra dessa entrevista, publicada originalmente na edição impressa do semanário da Arquidiocese de São Paulo em 29 de abril de 2014. 

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O SÃO PAULO – Como era acompanhar João Paulo II nessas viagens?

Aura Miguel – Era fascinante o modo de vê-lo em ação. Tenho a impressão de que quem viaja no avião do Papa é como aquele que está na barca de Pedro. Foi com ele que começou essa experiência de conferência de imprensa a bordo, com o Pontífice respondendo às perguntas de jornalistas.

Que experiência pessoal marcante você destacaria?

Certa vez, a bordo do voo papal, João Paulo II veio até área onde estavam os jornalistas apenas para saudar-nos um por um. Nesse momento, muitos colegas aproveitavam para fazerem algumas perguntas, na esperança de obter alguma declaração nova do Santo Padre. Contudo, à medida em que o papa passava, os jornalistas lhe faziam justamente as questões que passavam em minha mente. Então, quando chegou a minha vez se ser cumprimentada por ele, decidi fazer uma pergunta de caráter mais pessoal. Afinal, não era sempre que tínhamos a oportunidade de conversar com o papa frente a frente. Então lhe perguntei: “Santo Padre, o que eu tenho de fazer para ser uma boa jornalista?”. Ele olhou para mim, pôs a mão na cabeça e começou a pensar. Então me respondeu: “É preciso discernir sempre”. Aquilo calou dentro de mim e trago esse conselho comigo até hoje. Somos chamados a não deixar que os outros pensem por nós, mas a constantemente avaliar a realidade.

E como você avalia a maneira como a mídia abordava as ações de João Paulo II?

Muitos olham para a Igreja como se ela fosse uma multinacional, com suas delegações espalhadas pelo mundo, cujos chefes são os bispos e o conselho de administração são os cardeais e o Papa é o presidente. Não é esse o critério. Leituras somente políticas são muito redutivas. Nós, jornalistas, tendemos a definir como Deus atua com nossos critérios e, portanto, formamos uma ideia do que queremos que o Papa seja ou diga. O grande desafio é amar mais a verdade do que a ideia que se faz dela.

Jornalista saúda São João Paulo II, durante uma audiência no Vaticano

O debilidade gradativa de sua saúde não escandalizava as pessoas?

A maneira como João Paulo II mostrou que há um ‘momento-tempo’ para tudo, inclusive para a velhice, foi arrasador no sentido positivo, principalmente para os jovens. Tanto que ele presidiu as jornadas mundiais da juventude mesmo velho, e os jovens aderiam e não se escandalizavam por vê-lo frágil, porque percebiam que havia algo maior dentro dele do que a barreira da doença.

Mas muitos jornalistas o criticaram por não renunciar. Qual a sua opinião sobre isso?

Para mim, o fio condutor para compreender a maneira como João Paulo II abraçou sua doença e permaneceu até o fim, foi sua liberdade. Só quem já deu tudo a Jesus, é capaz de aparecer como ele apareceu na janela no domingo de Páscoa para a bênção Urbi et Orbi e não conseguiu falar. Teria sido uma humilhação terrível para um homem que era genial e sabia falar como ninguém. No entanto, ele esteve lá com muita liberdade.

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