‘Jamais nos acostumemos com a guerra: paz!’

Semana Santa do Papa foi marcada pelo retorno das multidões e por um forte apelo pelo fim da guerra na Ucrânia e em todo o mundo.

Vatican Media

Há tempos não se vivia no Vaticano uma Semana Santa como a de 2022. Por causa da pandemia da COVID-19, passaram-se dois anos sem que as celebrações do Tríduo Pascal fossem realizadas com grande participação do povo. Em 2022, dada a melhora das condições, essa alegria voltou. No Domingo de Páscoa, 100 mil fiéis participaram da missa e receberam a bênção pascal Urbi et orbi (“Para a cidade de Roma e para o mundo”), na Praça São Pedro, pelas mãos do Papa Francisco.

A liturgia conduziu os fiéis à jubilosa celebração da Ressurreição de Cristo, na Vigília Pascal do Sábado de Aleluia e no Domingo de Páscoa, naturalmente após fazer memória de sua Paixão e Morte nos dias anteriores.

Mas o contexto global de guerra se impôs como pano de fundo neste ano. Até mesmo a celebração do Domingo foi sóbria, a decoração da Praça, com flores doadas pela Holanda, bem contida. A guerra na Ucrânia já completa dois meses, e pode se converter em confrontos ainda maiores, envolvendo grandes potências do mundo. E se soma a inúmeras “guerras em pedaços”, como diz o Papa, motivo já suficiente para muita dor e preocupação.

“Por favor, por favor, não nos acostumemos com a guerra”, implorou o Papa Francisco, em sua mensagem de Páscoa, no domingo, 17, antes da Urbi et orbi. “Todos devemos nos empenhar para pedir com toda a força a paz, das sacadas, das ruas. Paz! Quem tem a responsabilidade nas nações escute o grito de paz das pessoas”, exortou.

PAZ DE CRISTO

A paz que recebemos de Cristo na celebração da Páscoa é aquela que precisa ser vivida e transmitida na vida cotidiana, e é aquela que trará de volta a paz ao mundo. Não podemos parar no relato da Paixão, mas é preciso chegar à Ressurreição – essa foi a chave de leitura da mensagem pascal do Papa. “Só Jesus, porque carrega chagas, as nossas chagas, é capaz de anunciar hoje a paz”, disse o Pontífice. “As chagas no corpo de Jesus ressuscitado são o sinal da luta que Ele combateu e venceu por nós, com as armas do amor, para que nós possamos ter paz, ser paz, viver em paz.”

O Papa Francisco voltou a recordar a dolorosa situação da “martirizada Ucrânia, tão duramente provada pela violência, pela destruição da guerra cruel e insensata, à qual foi carregada”. Ele lembra, em especial, as mulheres e crianças mortas inocentemente, os órfãos da guerra, milhões de refugiados, desalojados, os idosos que ficaram sozinhos, “as vidas despedaçadas e as cidades colocadas ao chão”.

Uma cena desta Semana Santa ficará para a história: duas mulheres amigas, uma russa e uma ucraniana, carregaram juntas a cruz de Cristo na 13a estação da Via-Sacra no Coliseu – cujas meditações neste ano recordavam as famílias em situ- ação de sofrimento associadas à Paixão de Cristo, como aquelas que perderam um membro, por exemplo.

O texto que estava previsto para a estação “Jesus morre na Cruz” previa, simbolicamente, um apelo de reconciliação entre Rússia e Ucrânia. Diante da resistência dos ucranianos, que se sentem vítimas da guerra, o Papa Francisco decidiu substituir a meditação por um profundo momento de silêncio. Por fim, rezou-se: “Senhor Jesus, concedei às famílias destruídas por lágrimas e sangue a graça de crer na força do perdão e, a todos nós, a graça de construir paz e concórdia”.

PAZ DURADOURA

Mas ele também mencionou outras situações de sofrimento, como a do Oriente Médio, em especial a cidade de Jerusalém. Pediu paz pelo Líbano, pela Síria e pelo Iraque. “E pelo Iêmen, que sofre um conflito esquecido por todos com contínuas vítimas”, disse, pedindo uma trégua prolongada para que se possa chegar à paz.

O Papa Francisco falou ainda de Mianmar, país assolado por uma violenta ditadura militar, onde perdura um cenário dramático de ódio e violência. Também notou o Afeganistão, país recentemente dominado pelo grupo extremista islâmico Taliban, “onde não se acalmam as perigosas tensões sociais e onde uma dramática crise humanitária está martirizando a população”.

Ele não deixou de mencionar, também, as dores do continente africano, que sofre um absurdo “desfrutamento” e uma “hemorragia causada por ataques terroristas, em particular na zona do Sahel”. Etiópia, República Democrática do Congo e África do Sul foram mencionadas nominalmente. Para a América Latina, a mensagem de paz do Papa destacou a piora das condições de vida por causa da pandemia, mas também condições sociais “agravadas pela criminalidade, violência, corrupção e narcotráfico”.

Com todas essas situações em mente, o Papa Francisco manifestou compaixão por “todas as crianças que sofrem em todo o mundo: aquelas que morrem de fome, ou por falta de cuidados, aquelas que são vítimas de abusos e violência e aquelas a quem é negado o direito de nascer”.

‘DEUS PERDOA SEMPRE’

O Papa Francisco iniciou o Tríduo Pascal com a celebração da Ceia do Senhor em uma prisão em Civitavecchia, no litoral de Roma, onde lavou os pés de 12 detentos, entre homens e mulheres. Também esse gesto marcante, que ele vem fazendo desde o início do pontificado, havia sido suspenso por causa da pandemia e pôde ser retomado.

“Jesus assim ensina: entre vocês, deve-se lavar os pés. É um símbolo de que, entre vocês, deve-se servir uns aos outros, sem interesses”, disse Francisco. Ele notou, ainda, que Jesus lava os pés inclusive do discípulo que o trairia, Judas, e o chama de “amigo”. Essa mensagem significa que “Deus perdoa tudo, Deus perdoa sempre. Somos nós que cansamos de pedir perdão”. Francisco refletiu também sobre a figura do sacerdote, “o primeiro que deve servir aos outros”.

Por causa de uma dor crônica no joelho, o Papa Francisco tem tido dificuldades para caminhar. Ele não presidiu a celebração da Vigília Pascal, no Sábado de Aleluia, que ficou a cargo do Cardeal Giovanni Battista Re, decano do colégio cardinalício. Durante a homilia, Francisco refletiu sobre as “mulheres do Evangelho”, que testemunham primeiro a Ressurreição de Cristo. “Elas veem, escutam e anunciam, três ações que nos fazem entrar na Páscoa do Senhor”, disse.

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