Jesus chama a todos a uma contínua conversão

Luciney Martins/O SÃO PAULO

O tempo quaresmal é marcado pelo forte apelo à conversão e à reconciliação com Deus. Mas o que significa, de fato, converter-se?

O termo conversão pode ser definido como “ação de voltar, de retornar”, no caso de um veículo, por exemplo; mudança de forma ou natureza; transmutação, transformação. Não é incomum dizer que uma pessoa “se converteu” ao catolicismo ou a outra religião. No entanto, mais do que um ato imediato e meramente humano, a conversão é um processo sobrenatural que envolve toda a vida.

A tradição cristã ensina que a conversão consiste no movimento interior que se dá a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo. Como afirma São Paulo, é deixar o “homem velho” para se tornar um “homem novo”.

APELO DE CRISTO

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) recorda que é Jesus quem chama à conversão. “Na pregação da Igreja, este apelo dirige-se, em primeiro lugar, àqueles que ainda não conhecem Cristo e o seu Evangelho. Por isso, o Batismo é o momento principal da primeira e fundamental conversão. É pela fé na boa-nova e pelo Batismo que se renuncia ao mal e se adquire a salvação, isto é, a remissão de todos os pecados e o dom da vida nova” (CIC, 1427).

“Ora, o apelo de Cristo à conversão continua a fazer-se ouvir na vida dos cristãos. Esta segunda conversão é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja, que ‘contém pecadores no seu seio’ e que é, ‘ao mesmo tempo, santa e necessitada de purificação, prosseguindo constantemente no seu esforço de penitência e de renovação’”, acrescenta o Catecismo, sublinhando que este esforço de conversão não é somente obra humana. “É o movimento do ‘coração contrito, atraído e movido pela graça para responder ao amor misericordioso de Deus, que nos amou primeiro” (CIC, 1428).

Na Sagrada Escritura, são muitos os exemplos de conversão: Naaman (cf. 2 Re 5,15), Manassés (cf. 2 Cro 33,12-13), Zaqueu (cf. Lc 19,8-9), a Samaritana (cf. Jo 4,4-29), os 3 mil batizados no dia de Pentecostes (cf. At 2,38-41), o eunuco batizado por Filipe (cf. At 8,30ss), Cornélio (cf. At 10,44ss), São Paulo (cf. At 9,5ss), Lídia (cf. At 16,14-15). Esses exemplos confirmam a intrínseca relação entre conversão, fé e arrependimento. A doutrina católica ensina, portanto, que a verdadeira conversão nasce de uma dor verdadeira pelo pecado cometido e se manifesta em uma vida de devoção a Deus, da qual surge um novo estilo de vida. Em outras palavras, a busca da santidade.

VIDA INTERIOR

Faz parte de uma antiga tradição na Igreja dividir a vida espiritual em três idades (também chamadas de graus ou vias), correspondentes ao estágio em que se encontra uma alma no desenvolvimento da virtude da caridade, como ensina São Tomás de Aquino.

A primeira conversão acontece quando a pessoa abandona o pecado mortal para viver na graça de Deus, por meio de um período de purificação do coração. Acontece, porém, que o pecado tem as suas consequências e, mesmo depois de perdoado, ficam ainda na alma como que os seus resquícios, chamados por São Tomás de “relíquias do pecado”.

O combate a essas inclinações parte sobretudo da pessoa, que é chamada à oração, penitência e renúncia de tudo aquilo que não condiz com uma vida em conformidade com Deus. Faz parte essencial desse processo recorrer frequentemente aos sacramentos, especialmente a Reconciliação, por meio do qual se restabelece a graça recebida no Batismo, e a Eucaristia, sustento e remédio para a busca da santidade.

A segunda conversão dá início a uma fase eminentemente mística do caminho de perfeição. A partir daí, mais do que uma determinação pessoal, o fiel depende da ação da graça e da misericórdia de Deus. A terceira conversão é a do amor perfeito, a da criatura que já se encontra no céu; para esta terceira é necessária a graça consumada, ou seja, a glória divina.

ENCONTRO

Em uma audiência por ocasião do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 18 de junho de 2016, o Papa Francisco destacou que Jesus fez da conversão a primeira palavra da sua pregação:

“Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). “É com este anúncio que Ele se apresenta ao povo, pedindo-lhe que aceite a sua Palavra como a última e definitiva que o Pai dirige à humanidade (cf. Mc 12,1-11). No que se refere à pregação dos profetas, Jesus insiste ainda mais na dimensão interior da conversão. Com efeito, nela está comprometida a pessoa inteira, coração e mente, para se tornar uma criatura nova, uma pessoa renovada. Quem transforma o coração renova-se”.

O Pontífice acrescentou que Jesus persuadia as pessoas com a amabilidade, com o amor, e com este seu comportamento, Ele tocava profundamente o coração das pessoas, e elas sentiam-se atraídas pelo amor de Deus e impelidas a mudar de vida. “Por exemplo, as conversões de Mateus (cf. Mt 9,9-13) e de Zaqueu (cf. Lc 19,1-10) tiveram lugar precisamente deste modo, porque eles sentiam que eram amados por Jesus e, por meio dele, pelo Pai”, explicou.

“Quantas vezes também nós sentimos a exigência de uma mudança que transforme a nossa pessoa inteira! Quantas vezes, dizemos: ‘Devo mudar, não posso continuar assim… Ao longo deste caminho, a minha vida não dará fruto, será uma existência inútil, e eu não serei feliz!’. Quantas vezes, pensamos assim, quantas vezes… E Jesus, ao nosso lado, com a mão estendida, diz-nos: ‘Vem, vem ter comigo. Sou eu que ajo: mudarei o teu coração, transformarei a tua vida, far-te-ei feliz!”, refletiu o Santo Padre, convidando os fiéis a aceitarem o convite do Senhor sem lhe pôr resistências, porque somente abrindo-se à misericórdia divina encontrarão a verdadeira vida, a autêntica alegria.

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