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Jesus Cristo, âncora da esperança eterna que dissipa o temor da morte

O mistério da Encarnação é o fundamento inabalável da fé que garante a redenção e a promessa da glória celeste

Em um tempo marcado por incertezas, conflitos globais e profundos problemas so­ciais, agravados pela crise de valores e pela crescente perda do sentido da vida que afeta a sociedade contempo­rânea, a celebração do Natal resgata a mensagem central e eterna da fé cristã: Jesus Cristo é a única e verdadeira razão da esperança.

Longe de ser apenas um feriado cultural ou uma me­mória histórica, a solenida­de da Encarnação do Verbo de Deus constitui o alicerce sobre o qual se ergue toda a promessa de salvação, unin­do o mistério do “Deus Co­nosco” (Emanuel) à certeza da vida eterna. Este tema central ganha ainda mais re­levância à luz do Ano Santo que se encerra, cujo lema é precisamente “Peregrinos de Esperança”.

NA NOITE DE BELÉM

O Natal é considerado o ponto de partida da esperan­ça, o momento em que a pro­messa divina se torna carne. Conforme o anúncio feito aos pastores de Belém, a vinda do Salvador não foi um evento discreto, mas o nascimento que inaugurou a nova e eterna aliança: “Pois hoje, na cidade de Davi, vos nasceu um Salva­dor, que é o Cristo, o Senhor” (Lc 2,11). A Encarnação re­vela que Deus se solidariza com a humanidade em sua fragilidade.

Essa descida do Divino ao humano é a razão funda­mental da alegria cristã. São Leão Magno, papa e doutor da Igreja, afirma que a vida trazida pelo Emanuel dissi­pa o medo mais profundo da humanidade. “Ninguém é excluído da participação nesta felicidade: a causa da alegria é comum a todos, porque Nosso Senhor, ven­cedor do pecado e da mor­te, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio para libertar a todos. […] Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade”, afirma o san­to no Sermão I no Natal do Senhor.

O Papa Bento XVI, ao meditar sobre a Encarnação, reforçou a dupla natureza de Cristo, que é o fundamen­to da esperança. “O Filho de Deus trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração hu­mano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se realmente um de nós…”, disse o Pon­tífice alemão em uma Au­diência Geral de janeiro de 2013. O Emanuel é a certeza de que Deus acompanha o homem, e, conforme a aná­lise de São João Paulo II, é somente em Cristo que o ser humano encontra seu pleno entendimento: “O homem que quiser compreender-se a si mesmo profundamente… deve, com a sua inquietude, incerteza e, também, fraque­za e pecaminosidade, com a sua vida e com a sua morte, aproximar-se de Cristo. Ele deve, por assim dizer, entrar nele com tudo o que é em si mesmo, deve ‘apropriar-se’ e assimilar toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para se encontrar a si mesmo” (Redemptor Hominis, 10).

PEREGRINOS

Luciney Martins/O SÃO PAULO

A esperança cristã não é um desejo vago ou um otimismo sociológico, mas uma das três virtudes teolo­gais, infundidas pela graça. Ela move o fiel para a meta final. O Catecismo da Igre­ja Católica (CIC) define-a com uma força orientadora e confiante. “A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a vida eterna como nossa felicidade, pondo a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo” (CIC, 1817).

Esta perspectiva da es­perança como um caminho dinâmico está intimamente ligada ao lema do Jubileu 2025. O Papa Leão XIV tem sublinhado que a esperança é uma atitude que exige ação e escolha. “‘Peregrinos de Esperança’ não é um slogan que ficará ultrapassado em um mês! É um programa de vida”, afirmou na Audiência Jubilar do dia 6, explicando que ser peregrino exige sair da inércia e participar ativa­mente do caminho da fé.

O mesmo Catecismo es­clarece que a esperança tem um efeito moral fundamen­tal, protegendo contra o de­sânimo e dilatando o coração para o futuro. “O impulso da esperança preserva do ego­ísmo e conduz à caridade. A esperança mantém e protege a virtude moral que o acom­panha. Purifica a esperança e a dirige para o Reino dos céus” (CIC, 1818). Para o cristão, essa participação é ancorada na segurança divi­na, como expressa o Salmis­ta, que confia no socorro e proteção do Senhor: “Eis a razão por que a nossa alma espera no Senhor, porque Ele é o nosso socorro e protetor. Sim, Nele se alegra o nosso coração, em Seu santo nome confiamos” (Sl 32/33, 20-21).

DA MANJEDOURA À CRUZ

A esperança só é fidedig­na porque foi consumada pelo ato redentor de Cristo na Cruz, que é o cumpri­mento da Encarnação. O nascimento em Belém apon­ta, de forma direta, para o Sacrifício no Calvário, sem o qual a esperança seria mera ilusão.

O preço pago pela sal­vação é a prova cabal da es­perança. São Pedro recorda o alto valor do resgate, que transcende qualquer bem material: “Sabendo que não foi com coisas perecíveis, como a prata e o ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver, que vos tinha sido transmitida pelos vossos pais, mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e sem mácula. […] Por Ele cre­des em Deus, que o ressus­citou dos mortos e o glorifi­cou, para que a vossa fé e a vossa esperança se fixem em Deus” (1 Pd 1,18-19,21).

A Redenção oferece a se­gurança de que o sofrimento presente tem um sentido e uma meta, impedindo o de­sespero existencial. O Papa Bento XVI, em sua encícli­ca sobre a esperança, define que o dom da salvação é a própria esperança confiável. “A ‘redenção’, a salvação, se­gundo a fé cristã, não é um simples dado de fato. A re­denção nos é oferecida no sentido de que nos foi dada a esperança, uma esperan­ça fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presen­te, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta…” (Spe Salvi, 1).

A esperança cristã, por­tanto, é a âncora lançada no céu, garantida pelo Sacrifí­cio e Ressurreição de Cris­to. Santo Agostinho, perce­bendo a permanência dessa certeza em meio à fragilida­de terrena, afirmou: “Ainda singramos o mar, mas já lançamos em terra a âncora da esperança.” (Comentário ao Salmo 97). Santa Faustina Kowal­ska testemunhou que esta âncora reside na misericórdia de Cristo, mesmo em meio às maiores dificul­dades. “Nos mais pesados tormen­tos, fixo o olhar da minha alma em Jesus Crucificado; não espero ajuda dos homens, mas deposito a minha confiança em Deus; na sua insondá­vel misericórdia está toda a minha esperança.” (Diário, 98).

A VIDA ETERNA

Luciney Martins/O SÃO PAULO

O mistério da Encarnação, cele­brado no Natal, encontra seu pleno cumprimento na Ressurreição e As­censão de Cristo à glória celeste. O Catecismo confirma que o mistério da Ressurreição está estreitamen­te ligado ao mistério da Encarnação do Filho de Deus. “É dele o cumpri­mento, segundo o desígnio eterno de Deus” (CIC, 653).

A peregrinação cristã, portanto, é a busca confiante de alcançar essa mesma glória. O Papa Leão XIV, re­forçando essa meta, lembrou que a esperança atua como um bálsamo para as fraquezas humanas. Na Audi­ência Geral de 5 de novembro, o San­to Padre ressaltou que “a esperança cristã é remédio para a nossa fragili­dade humana”.

Mesmo nas horas mais sombrias, a esperança, sustentada pela promes­sa de Cristo, supera o sofrimento e a fragilidade. São Paulo incenti­va a perseverança com a promessa da recompensa eterna. “De fato, a nossa presente e leve tribulação está nos preparando uma glória eterna e incomensurável” (2 Cor 4,17).

MÃE DA ESPERANÇA

Neste caminho de peregrinação, a Mãe de Deus é a guia mais segu­ra dos cristãos. O Papa Francisco a define como a “testemunha mais elevada” da esperança, provando que ela não é um “efêmero otimis­mo, mas dom de graça no realismo da vida” (Spes non confundit, 24). Ela experimentou a angústia ao ver o sofrimento de Cristo, mas repetiu o seu “sim” até os pés da Cruz, sem perder a confiança no Senhor, e as­sim se tornou a “Mãe da esperança” no parto da dor.

Diante das “tempestuosas vicissi­tudes da vida”, o cristão é convidado a invocar a Virgem Santa como Stella Maris (Estrela do Mar). É o olhar de Maria que acompanha e convida a “continuar a esperar”, garantindo que a promessa iniciada na manjedoura, selada na Cruz e Ressurreição, e que impulsiona o fiel a peregrinar rumo à plenitude da vida em Cristo.

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