Leia as reflexões de São Basílio indicadas pelo Papa aos participantes do Sínodo

Ao falar aos participantes da primeira Congregação Geral da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, na quarta-feira, 4, no Vaticano, o Papa Francisco – como já fizera na missa de abertura do Sínodo horas antes – enfatizou que a assembleia sinodal não é como um parlamento para a disputa de ideias, mas um amplo espaço de escuta, no qual só deve haver um protagonista:

“Não esqueçamos, irmãos e irmãs, que o protagonista do Sínodo não somos nós: é o Espírito Santo”.

Fotos: Vatican Media

Nessa perspectiva, o Pontífice pediu que fosse distribuído a todos os participantes da assembleia sinodal uma coletânea de textos de São Basílio que falam sobre o Espírito Santo.

Basílio foi um bispo venerável e um doutor distinto, que viveu em Cesareia da Turquia, antiga Capadócia, no século IV. Tinha profundos conhecimentos de Teologia, Filosofia e Literatura, e deixou como legado sermões repletos de citações bíblicas, com uma linguagem agradável, clara e profunda.

A seguir, apresentamos a coletânea de textos indicadas pelo Papa aos participantes da assembleia do Sínodo.

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O Espírito Santo é o protagonista da vida da Igreja: o projeto de salvação para a família humana é realizado pela graça do Espírito

Quer se considere os tempos antigos – as bênçãos dos patriarcas, o auxílio da Lei, as figuras, as profecias, os feitos de guerra, os milagres realizados pelos justos –

quer se considere as coisas preparadas em vista da vinda do Senhor em  carne,  (tudo se realizou) pelo Espírito. Primeiro, o Espírito esteve com a própria carne  do Senhor, convertendo-se no seu crisma inseparável, como está escrito: “Aquele sobre quem viste o Espírito descer e permanecer, este é o meu Filho amado”; e “Jesus de Nazaré, a quem Deus ungiu com o Espírito Santo”. Depois, todas as ações  de  Cristo  foram  realizadas  sob  a  assistência  do  Espírito.  O  Espírito  estava presente  quando  Cristo  foi  submetido  às  tentações  do  demônio  […],  enquanto realizava milagres […]. Após a ressurreição dos mortos, nunca mais O abandonou. Querendo renovar o homem e devolver-lhe a graça que tinha recebido pelo sopro de Deus e que tinha perdido, o que quer dizer Cristo quando soprou no rosto dos discípulos? “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem  perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem não  perdoardes  os pecados,  não  lhes  serão  perdoados”.  E  não  é  a  ordenação  da  Igreja  clara  e inegavelmente realizada  pelo  Espírito? Com efeito, ele deu à Igreja – diz – “em  primeiro lugar  apóstolos, segundo lugar profetas, em terceiro lugar doutores;  depois  os  que  têm  poder  de  operar milagres;  depois  os que têm o dom das  curas, de  assistir, de governar e de falar diversas línguas”. Esta ordem está de acordo com a distribuição dos dons do Espírito. (Bas., Spir. 16, 39, 4-32).

a) O Espírito  Santo desencadeia na comunidade eclesial uma dinâmica  profunda  e variada: a “agitação” de Pentecostes 

Mas também a vinda do Espírito Santo tem lugar na terceira hora, como aprendemos nos Atos,  porque  quando  os  fariseus  escarneciam  dos  discípulos  (que se expressavam) na multiforme energia das línguas (ἐν τῇποικίλῃτῶν γλωσσῶν ἐνεργείᾳ), Pedro diz que os que dizem essas coisas não estão embriagados: efetivamente era a terceira hora. (Bas. [?], ascet. 13: PG 31, 877, 24).

b) O Espírito Santo é o compositor harmônico da história da salvação: harmonia não significa síntese, mas vínculo de comunhão entre partes diferentes

Mas Deus, antes que existisse qualquer uma das coisas que agora vemos, quando ideavae quando começava a trazer à existência o que ainda não existia, ao mesmo tempo concebeu como tinha que ser o mundo, e criou a matéria que harmonizava com a sua ideia. Aos céus, atribuiu a natureza apropriada ao céu; à forma da terra, deu a essência própria e devida a ela. Em seguida, deu forma ao fogo, à água e ao ar, como quis, e trouxe-os à existência como a razão de ser de cada um dos elementos exigia. Com um vínculo indissolúvel de concórdia, ele uniu o mundo inteiro, composto de partes diferentes, numa única comunhão e harmonia, de modo que mesmo os elementos colocados à maior distância uns dos outros pareciam unidos por afinidade. (Bas., hex. 2,49-61).

– A Igreja: uma única harmonia a muitas vozes, realizada pelo Espírito Santo

“Voz de nações entre os montes, semelhante (à) de muitas nações, voz de reis e nações reunidas” (Is 13,4). Provavelmente, a voz das nações numerosas nos montes é a Igreja. É por isso que foi escolhida por ser um monte plano, para que tenha espaço livre para a reunião da multidão dos que sobem às alturas do conhecimento de Deus. Por isso, vê no monte plano uma grande multidão de gente de muitos lugares com uma só voz de fé. E diz o Espírito Santo por meio do Profeta: “Voz de muitas nações sobre os montes (sobre os quais se ergueu o sinal) semelhante  (à)  de  muitas  nações.  E  a  voz  é  única,  mas  é  semelhante  às muitas vozes das nações. Única, portanto, de acordo com a harmonia (sinfonia) da fé, mas semelhante a muitas vozes  porque  foi  repartido  em  línguas  de  fogo pelo  Espírito  Santo  sobre  cada  um  dos Apóstolos que estavam prestes a semear o Evangelho (Εὐαγγέλιον) nas nações da terra. (Bas. [?], En. in Is. 13, 259: PG 30, 573B).

– O Espírito Santo está na origem da harmonia entre as Igrejas: Basílio aos seus irmãos bispos do Ocidente

Como, então, consideramos como nosso bem a vossa mútua concórdia e unidade, assim também vos convidamos a participar dos nossos sofrimentos causados pelas divisões, e a não nos separarmos de vós por estarmos distantes por causa da localização, mas em virtude de estarmos unidos em comunhão segundo o Espírito, (convidamos-vos) a recebermos uns aos outros na harmonia de um só corpo. (Bas., ep. 90, 1, 26-32).

c) O Espírito Santo conduz-nos pela mão e conforta-nos

“Esperai,  de  fato,  tribulação  sobre  tribulação, e esperança sobre esperança,  ainda um pouco mais de tempo, ainda um pouco mais de tempo” (Is 28,10). Desta forma, o Espírito Santo  sabe  consolar  (lit.:  ψυχαγωγεῖν  =  conduzir  pela  mão, encorajar, consolar) com a promessa do futuro os seus filhos que alimenta. Depois das tribulações, de facto, a esperança: as realidades esperadas estão ao alcance. (Bas., ep. 140, 1, 34-38).

A  ação  consoladora  do  Espírito  Santo  é  representada  pelo  estalajadeiro,  a  quem é confiado o homem que se deparou com assaltantes (cf. Lc 10,25-37)

O orvalho de Deus é necessário para não nos queimar e não nos tornar estéril, e aí onde temos o Acusador, representado pelos salteadores, aí também temos o Defensor, o Espírito representado pelo estalageiro acolhedor (Lc 10,35). O Senhor confiou o “seu” homem, que tinha caído no poder dos salteadores, ao Espírito Santo. Teve piedade dele, ligou-lhe as feridas e deu-lhe dois denários reais para que, recebendo, pelo Espírito, a imagem e a inscrição do Pai e do Filho, fizesse frutificar os dons recebidos e os devolvesse, multiplicados, no último dia. (Iren., haer. III, 17, 3).

– Aquele que nos guarda é o Espírito Santo

Quando, portanto, a alma dá frutos dignos dos celeiros eternos (cf. Mt 3,12), (o Espírito) permanece perto e (guarda) e afasta os ataques de javalis selvagens (cf. Sl 74,14). (Bas. [?], En. em Is1,20: PG 30, 152C-153A).

– O exercício paraclético multiforme do Espírito Santo

Se o Espírito Santo encontra um cobrador de impostos que tem fé, faz dele um evangelista (cf. Mt 9,9); se encontra um pescador, converte-o em teólogo (cf. Mt 4,19); se encontra um perseguidor arrependido, transforma-o em apóstolo dos gentios, em anunciador da fé, em vaso de eleição (cf. At 9,15). Por meio dele, os fracos tornam-se fortes, os pobres tornam-se ricos, os plebeus sem instrução tornam-se mais sábios do que os sábios. Paulo era fraco, mas, pela presença do Espírito, o seu linho pessoal trazia a cura àqueles que o recebiam (cf. At 19,12). E o próprio Pedro tinha o corpo débil, mas, pela graça do Espírito Santo que nele habitava, a sombra que saía do seu corpo afugentava as doenças dos que estavam debilitados (cf. At 5,15). Pedro e João eram pobres, não tinham prata nem ouro (cf. At 3,6), mas deram saúde mais valiosa do que muitas moedas de ouro. O coxo, depois de ter recebido ouro de muitos, continuava a ser um mendigo, mas depois de ter recebido o benefício de Pedro, deixou de mendigar, saltando como uma cria de cervo e louvando a Deus. João não conhecia a sabedoria do mundo, mas, pelo poder do Espírito, disse palavras sobre as quais nenhuma sabedoria pode suster o olhar. O Espírito habita no céu, encheu a terra, está presente em todo o lado e não está contido em lado nenhum. O Espírito habita inteiramente em cada um e inteiramente em Deus.  Desempenha  o  serviço  de  proporcionar  os  seus  dons,  mas  não  exerce  na função  de servo; pelo contrário, distribui as suas graças com a sua própria autoridade: de fato, “reparte”, diz a Escritura, “os seus dons, atribuindo-os individualmente a cada um, como quer” (1 Cor 12,11). Ele é enviado de acordo com o plano da redenção, mas atua com total independência. Peçamos-lhe que esteja presente nas nossas almas e que não nos abandone em caso algum, pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem seja dada glória e poder pelos séculos dos séculos. Amém. (Bas., fid. 3).

d) O Espírito Santo é aquele que nos faz Igreja

“Escutai isto, todos os povos, dai ouvidos, vós todos os habitantes do mundo, vós plebeus e nobres, ricos e pobres juntamente” (Sl 49,2-3). Porque aquele que, chamando-nos dos mais diversos lugares, faz a unidade, faz de nós a Igreja (ὁἐκκκλησιάζων) e convoca todos com o anúncio (τῷκηρύγματι), é o Paráclito, o Espírito da verdade (Jo 14,17), que reúne todos os que se salvam por meio dos profetas e dos apóstolos; porque por toda a terra se estende o seu anúncio, e até aos confins da terra as suas palavras (Sl 18,5); por isso diz: Ouvi isto, todos os povos e todos os habitantes do mundo (Sl 48,2). Também por isso a Igreja é composta por homens  das  mais  diversas  condições,  para  que  ninguém  seja  excluído  do  benefício.  (Bas., hom. in Ps. 48: PG 29, 433, 9-18).

Assim, o Espírito é verdadeiramente o lugar dos santos. E o santo é, por sua vez, um lugar familiar ao Espírito, porque se oferece para habitar com Deus e também chamado seu templo. (Bas., Spir. 26, 62, 22-24)

– A ingratidão e a indocilidade entristecem o Espírito Santo que habita em nós. Por isso, pelo fato de o Espírito estar em vós – se é verdade que está completamente em vós – e pelo fato de estar cegos, instruí-nos e guia-nos na escolha do que nos é útil, não sois prejudicados na vossa reta e santa opinião sobre ele. De fato, o cúmulo da deslealdade é fazer da  benevolência  do  benfeitor  uma  ocasião  de  ingratidão  (ἀφορμὴν ἀχαριστίας).  “Não entristeçais o Espírito Santo” (Ef 4,30). Escutai o que diz Estêvão, oferecido como primícias dos  mártires,  quando  censura  o  povo  por  desobediência e  insubordinação:  “Vós”,  diz  ele, “sempre  resistis  ao  Espírito  Santo”.  E  ainda  Isaías:  “Provocaram  a  indignação  do  Espírito Santo, que se tornou inimigo deles”. E em outra passagem: “A casa de Jacó indignou o Espírito do Senhor”. (Bas., Spir. 19: 50, 5-17).

– As palavras vazias entristecem o Espírito Santo

Pergunta 23. Quando podemos julgar uma conversa como tagarelice (maledicente)? De um modo geral, toda a palavra que não contribui para a realização da vontade do Senhor é inútil. E  o  perigo  de  tal  palavra  é  tão  grande  que,  por  melhor  que  seja  o  que  se  diga,  se  não  for ordenado  à  edificação  da  fé  (cf.  Ef  4,29),  aquele  que  falou  não  escapa  ao  perigo  por  essa palavra ser boa, mas entristece o Espírito Santo porque o que diz não é ordenado à edificação. O Apóstolo ensinou-nos isto claramente quando disse: “Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só palavras boas para a edificação da fé, de maneira que façam bem aos que ouvem” (Ef  4,29),  e  acrescentou:  “E  não  entristeçais  o  Espírito  Santo  de  Deus,  pelo  qual  fostes marcados com um selo” (Ef 4,30). É preciso dizer o grande mal que é entristecer o Espírito Santo de Deus? (Bas., reg. brev. 23: PG 31, 1098D-1100A).

“Lembra-te  destas  coisas,  dando  testemunho,  diante  de  Deus,  de  que  é  preciso  evitar contendas de palavras, porque isto nada aproveita, senão para a ruína dos que as ouvem” (2Tm 2,14)…  “Evita  também  as  discussões  insensatas  e  ignorantes,  sabendo  que  elas provocam contendas” (2Tm 2,23). Não se deve proferir conversas inúteis, das quais não se tira nenhum proveito.  Efetivamente,  mesmo  falar  ou  fazer  o  bem  sem  ser  para  a  edificação  da  fé,  é entristecer o Espírito Santo de Deus. (Bas., reg. mor. 25, PG 31, 744B)

Uma vez que o Senhor não deixa sem julgamento aqueles que produzem conversa ociosa, e  de  uma  forma  ainda  mais  forte  julga  preguiçosos  aqueles  que  deixam  os  seus  talentos intactos na inatividade, o Apóstolo transmitiu-nos que mesmo aquele que profere uma boa palavra, mas não providencia para a edificação da fé, entristece o Espírito Santo (cf. Ef 4,30), e por isso somos obrigados a considerar o julgamento daquele que indignamente come e bebe. (Bas., bapt. I, 3: PG 31, 1577BC).

e) O Espírito Santo confirma-nos na fé

“Pela palavra do Senhor se afirmaram os céus, e pelo sopro da sua boca todo o seu poder” (Sl 32,6). […] Entenda-se, então, que são três: o Senhor que ordena, o Logos que cria, o Sopro (o Espírito) que confirma. O que seria a confirmação (ἡστερέωσις) senão a aperfeiçoamento (ἡτελείωσις) na santidade, já que “confirmação” significa aquilo que é constante, imutável, firmemente estabelecido no bem? A santidade não existe sem o Espírito. (Bas., Spir. 16, 38, 37-42).

Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé

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