Em visita ao pequeno país do Oriente Médio, Francisco convida a ‘amar sempre’, em uma ‘cultura aberta a todos’
Preservar a própria identidade e, ainda assim, ir ao encontro dos outros que são diferentes. Nas palavras do Papa Francisco, essa foi a essência de sua viagem ao Reino do Barein, entre os dias 3 e 6. O país, formado por mais de 30 ilhas no Golfo Pérsico, tem uma população de cerca de 1,7 milhão de pessoas. Embora de maioria muçulmana, o Barein é conhecido como um dos destinos mais comuns dos expatriados no Oriente Médio: mais da metade de sua população é de origem estrangeira.
No voo de retorno do Barein para Roma, no domingo, 6, o Papa Francisco disse que se trata de “uma cultura aberta a todos”. Além dos muçulmanos, de diferentes tradições, o Barein reúne diferentes grupos cristãos, entre aqueles de igrejas orientais, filipinos e indianos. “Foi uma viagem de encontro, porque a finalidade era se encontrar no diálogo inter-religioso com o Islã e no diálogo ecumênico com o [Patriarca] Bartolomeu”, declarou o Pontífice, referindo-se ao principal líder da Igreja Ortodoxa.
O principal motivo da viagem do Papa foi a ida ao “Barein Fórum pelo Diálogo: Oriente e Ocidente pela Coexistência Humana”, evento que promoveu o diálogo entre as religiões, mas também o diálogo “intrarreligioso”, ou seja, entre muçulmanos de diferentes origens e entre os cristãos de diversas confissões.
REMAR JUNTOS
“No mundo globalizado, vai-se em frente somente remando juntos, enquanto, navegando sozinhos, fica-se à deriva”, disse o Papa Francisco, durante a cerimônia de encerramento do fórum. Ele lamentou que a humanidade ainda esteja dividida pela guerra, pelas desigualdades, pelas “crises alimentares, ecológicas e pandêmicas”, fazendo com que a injustiça seja “cada vez mais escandalosa”.
E continuou: “Essas são amargas consequências, se se continuam a acentuar as oposições sem encontrar compreensão, se se persiste na imposição resoluta dos próprios modelos e das próprias visões despóticas, imperialistas, nacionalistas e populistas, se não se interessa à cultura do outro, se não se escuta ao grito das pessoas comuns e à voz dos pobres, se não se deixa de distinguir, em modo maniqueísta, quem é bom e quem é ruim, se não se esforça para entender e colaborar para o bem de todos”.
Recordando o Documento sobre a Fraternidade Humana, que ele assinou em 2019, em Abu Dabi, com o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad al-Tayyib – alguém que ele reencontrou no Barein –, o Papa Francisco insistiu que todas as pessoas de fé devem se empenhar, juntas, na promoção do bem comum, por meio da oração, da educação e da ação conjunta. “Não basta dizer que uma religião é pacífica. É preciso condenar e isolar os violentos que abusam do seu nome. Não é suficiente tomar distância da intolerância e do extremismo. É preciso agir em sentido contrário”, defendeu.
AMAR SEMPRE
Durante a missa celebrada com os católicos do Barein – e com outros cristãos que viajaram para encontrá-lo, por exemplo, da Arábia Saudita –, o Papa re- fletiu sobre a frase “amar sempre e amar a todos”, inspirado nas palavras de Jesus (cf. Mt 5,38-48). “O poder de Cristo é o amor”, recordou. “Ele é o ‘príncipe da paz’, que reconcilia as pessoas com Deus e entre elas. A grandeza do seu poder não se serve da força da violência, mas da fraqueza do amor. E Ele nos confere o mesmo poder: o poder de amar, de amar em seu nome, de amar como Ele amou.”
Esse amor incondicional deve ser praticado não somente aos que são parecidos, “aos amigos”, mas “sempre e a todos”, disse o Santo Padre. “Quem segue a Cristo, Príncipe da Paz, deve tender sempre à paz. E não se pode restabelecer a paz se a uma palavra feia se responde com uma palavra ainda mais feia, se a um tapa se segue outro”, afirmou o Pontífice, na missa com cerca de 30 mil fiéis, no estádio nacional do Barein.
“É preciso romper a espiral da violência, deixar de cultivar ressentimento, parar de reclamar e de chorar sobre si mesmo. É preciso permanecer no amor, sempre: é o caminho de Jesus para dar glória a Deus do céu e construir paz na terra. Amar sempre.” Da mesma forma, Cristo ensina a “amar a todos”, continuou, e isso não quer dizer apenas “não ter inimigos, não ver no outro obstáculos a superar”, mas cultivar no outro “um irmão e uma irmã a serem amados”.
A ORAÇÃO ESSENCIAL
O que define cada cristão, na visão do Papa Francisco, é justamente a capacidade de amar como Cristo. Este é o dom maior, avalia. “Mas essa capacidade não pode ser fruto só dos nossos esforços. É antes de tudo uma graça”, comentou.
“Uma graça que precisa ser pedida com insistência: ‘Jesus, tu que me amas, ensina-me a amar como ti. Jesus, tu que me perdoas, ensina-me a perdoar como ti. Manda sobre mim o seu Espírito, o Espírito de amor’. Peçamos isso”, exortou o Papa. “Porque tantas vezes levamos à atenção do Senhor muitos pedidos, mas esse é o essencial para o cristão: saber amar como Cristo.”
Como é praxe nas viagens apostólicas, o Papa teve encontros com as autoridades do país, entre eles o rei Hamad bin Isa Al Khalifa, monarca desde 2002. Ele também participou de um encontro ecumênico, com membros de outros grupos cristãos, e recebeu líderes religiosos e bispos, sacerdotes, religiosas, consagrados, seminaristas e agentes de pastoral locais.
A esses, ele disse, no domingo, 6, que a comunidade cristã do país tem realmente uma face “universal”, pois reúne fiéis de diferentes partes do mundo, que, juntos, confessam a mesma fé em Cristo. Ele animou os cristãos a continuarem apreciando “a alegria, a unidade e a profecia”, três grandes dons do Espírito Santo. “Todos os batizados receberam o Espírito e todos são profetas”, lembrou. “Um cristão, mais cedo ou mais tarde, deve ‘sujar as mãos’ para viver a sua vida cristã e dar testemunho. Recebemos um Espírito de profecia para levar à luz, com nosso testemunho de vida, o Evangelho”, declarou.
Em outro momento marcante da viagem, o Sucessor de Pedro encontrou os jovens do Barein, no sábado, 5. Chamando-os de “fermento” na “massa do mundo”, disse que os jovens cristãos são “destinados a crescer, a superar tantas barreiras sociais e culturais e a fazer brotar a fraternidade e a novidade”.
Ele pediu que os jovens sejam “abertos ao inédito, não temam se confrontar, dialogar, ‘fazer bagunça’ e de se misturar com os outros, tornando-se a base de uma sociedade amiga e solidária”. Em resumo, o Papa os convidou a abraçar a “cultura do cuidado”, que supera o individualismo e a indiferença, e é fundada na “alegria da amizade e da gratuidade”.