O que os evangelhos dizem sobre a natividade do Senhor?

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A celebração do Natal do Se­nhor é marcada por muitos símbo­los que evocam a memória do fato ocorrido há mais de dois mil anos, que dividiu a história entre antes e depois de Cristo.

Este período do ano também aguça a curiosidade de muitas pes­soas sobre o que realmente ocorreu em Belém da Judeia naquela noite luminosa. As principais fontes são a Sagrada Escritura e a Tradição apostólica.

Dos evangelistas, apenas dois, Mateus e Lucas, dedicam-se aos relatos do nascimento de Jesus, enquanto Marcos começa com o anúncio da vinda de Jesus por João Batista, e o evangelista João come­ça com o seu famoso Prólogo, que ressalta o sentido teológico do mis­tério da encarnação.

Sobre os chamados evangelhos da infância de Jesus, pode-se dizer que suas divergências, na verdade, são complementares para a com­preensão da natividade do Senhor. Enquanto São Lucas descreve aquilo que aconteceu propriamen­te na noite de Natal, com a vinda dos pastores avisados pelo anjo e a corte celeste que entoava “Gló­ria a Deus nas alturas”, São Mateus narra um momento posterior, que, portanto, é usado na Solenidade da Epifania do Senhor, com a visita dos magos.

Ao explicar esses textos, o Padre João Bechara Ventura, Sa­cerdote da Arquidiocese de São Paulo, Mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e concluinte do doutorado em Teologia Bíblica na Pontifícia Universidade Gregoriana, ressalta que ambos os evangelistas deixam muito claro, por exemplo, que Je­sus foi concebido por obra do Espí­rito Santo, ou seja, “é o Filho eterno de Deus Pai e da Virgem Maria, segundo a carne”.

“Os dois evangelistas subli­nham a importância da Mãe, tanto que narram que, quando os pastores e os magos chegam à manjedoura, viram o Menino com Maria, a sua mãe”, completa o Sa­cerdote, observando, contudo, que São Lucas dá mais ênfase ao papel de Nossa Senhora no plano da salvação, ao relatar a Anunciação, a visita a Isabel e o Magnificat, a apresentação no templo com Ana e Simeão e o encontro de Jesus no Templo.

QUERIGMA
Padre Boris Agustín Nef Ulloa, Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoria­na de Roma e Diretor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), expli­cou que os relatos bíblicos da infância não faziam parte do querigma (anún­cio) cristão das primeiras comunida­des, o qual começava com a apresenta­ção e pregação do Batista (Mc 1,2) e se concentrava no mistério do Messias Je­sus que, por meio de sua Paixão, Morte (na cruz) e Ressurreição ao terceiro dia, segundo as Escrituras, concede o per­dão dos pecados (cf. 1Cor 15,3-4; At 1,22; 2,22-39; 10,37-43).

“As investigações bíblicas do últi­mo século enfatizaram que a formação do querigma, sua transmissão oral e o surgimento dos primeiros escritos cris­tãos, é resultado de um longo processo de composição. Em geral, a inserção dos relatos da infância em Mateus e Lucas é considerada como a última fase desse complexo processo de formação de seus respectivos evangelhos”, acres­centa Padre Boris.

PROFECIAS
Ambos os evangelistas também sa­lientam o cumprimento das profecias do Antigo Testamento sobre a vinda do Messias, expressas, especialmente, na genealogia de Jesus, o cumprimento dessa espera do descendente de Davi que é o Salvador.

Tanto Mateus quanto Lucas inse­rem em seus textos a genealogia de Cristo: Mateus, logo no início do evan­gelho (cf. Mt 1,1-17), e Lucas depois do Batismo do Senhor (cf. Lc 3,23-28). No primeiro, a lista segue a ordem ascen­dente, desde Abraão até José, esposo de Maria, em três séries iguais, contendo cada uma delas 14 nomes; Lucas, por sua vez, segue a ordem descendente, começando por Cristo e seus pais até chegar ao “protoparente”, Adão, elevan­do-se por fim até Deus.

Outra profecia marcante evoca­da nos evangelhos da infância é a de Isaias, sobretudo em São Mateus, quando escreve: “Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho…” (Mt 2,22); “Eles responderam: Em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta…” (Mt 5); “Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta…” (Mt 2,15); “Assim se cumpriu o que foi anunciado pelos profetas…” (Mt 2, 23).

MAGOS
A visita dos magos do Oriente a Jesus em Belém também provoca es­peculações de muitas pessoas. “Se­gundo a Tradição, existe a com­pressão de que eram reis ou, ao menos, serviam na corte. Embora o texto não diga que eram três, a Tradição sublinha esse número, que é a mesma quantidade dos presentes entregues ao Menino: incenso, que simboliza o reconhe­cimento da divindade; ouro, sinal da realeza; e a mirra, um prenún­cio da sua Paixão”, explica o Padre João Bechara.

O Biblista observa, ainda, que a visita dos reis evidencia os pri­meiros pagãos que vão ao encontro de Cristo, reconhecendo-O como Deus e adorando-O, sinalizando a abertura da salvação a todos os po­vos, raças, línguas e nações.

“O fato de serem magos, isto é, sábios do Oriente, também pode ser interpretado na ótica da rela­ção entre fé e razão, uma vez que receberam uma inspiração divina a partir daquela ciência que culti­vavam e, de alguma forma, o seu conhecimento os levou a Cristo”, completa.

INTERPRETAÇÃO
A obra literária mais recente sobre a infância de Jesus é o ter­ceiro volume da trilogia “Jesus de Nazaré”, do Papa Bento XVI. Nela, o então Pontífice e teólogo defende a historicidade daquilo que é nar­rado nos evangelhos segundo Ma­teus e Lucas sobre o Natal.

“É minha convicção de que uma interpretação correta [desses textos] requer dois passos. Por um lado, é preciso interrogar-se sobre o que pretendiam dizer com os seus textos os respectivos autores, na sua época histórica: é a compo­nente histórica da exegese […]. No caso de um texto como o da Bíblia, cujo autor último e mais profun­do – segundo a nossa fé – é o pró­prio Deus, a questão da relação do passado com o presente faz parte, inevitavelmente, da própria inter­pretação. Com isso, a seriedade da pesquisa histórica não diminui, mas aumenta”, escreveu.

Além dos próprios evangelhos da infância de Jesus e de livros mais teológicos como “Jesus de Nazaré”, existem obras de espiritualidade recomendadas para a meditação do mistério do Natal, como: “En­carnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo”, de Santo Afon­so Maria de Ligório; e “A Vida de Cristo”, do Venerável Fulton Sheen.

Para os que gostam do au­diovisual, há o episódio especial de Natal da série “The Chosen” (“Os Escolhidos”), sucesso mun­dial com 110 milhões de espec­tadores. Para saber mais, acesse: https://OsEscolhidos.tv/natal.

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