‘O sacerdote não está isolado’

Congresso em Roma promove formação permanente dos padres e o sentido de pertencimento à comunidade presbiteral

Arquivo pessoal

“Reaviva o dom de Deus que está em ti”. A passagem extraída do Antigo Testamento (2 Tm 1,6) inspirou um congresso internacional organizado no Vaticano entre os dias 6 e 10. O objetivo do evento, realizado pelo Dicastério para o Clero, em parceria com o Dicastério para a Evangelização e o Dicastério para as Igrejas Orientais, foi o de reunir formadores, especialistas e líderes referenciais na formação permanente do clero.

Entre os participantes, provenientes de aproximadamente 40 países, os brasileiros eram pouco mais de cem – dos quais quatro bispos: Dom Aurélio Pinto de Sousa, de Quixadá (CE); Dom Joel Portella, de Petrópolis (RJ), que conferiu uma das palestras; e dois bispos auxiliares da Arquidiocese de São Paulo: Dom Ângelo Ademir Mezzari, RCJ, que também é presidente da Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e Dom Cícero Alves de França, responsável pela formação do clero na Arquidiocese.

Os encontros intercalaram palestras pela manhã, momentos de oração e silêncio, oportunidades para ouvir testemunhos sobre casos concretos e o trabalho em grupo, que seguiu a metodologia sinodal das conversas no espírito. Dividos em pequenos grupos linguísticos, os participantes puderam conversar entre si sobre os dons e os desafios da formação em diferentes partes do mundo.

COMUNIDADE PRESBITERAL

Um dos pontos mais destacados pelos participantes do congresso que conversaram com O SÃO PAULO foi a necessidade de se promover um sentido de pertencimento dos membros do clero a uma comunidade presbiteral.

“Não existe um sacerdote sozinho”, diz Dom Ângelo. “A dimensão comunitária do sacerdócio é um sentido de pertencimento ao ‘presbitério.’ Ordenado pelo bispo, o padre passa a fazer parte de uma comunidade presbiteral”, completa. Nesse sentido, o congresso reforçou a necessidade de se promover a pastoral e a comunhão presbiteral. “É preciso lembrar que o sacerdócio não é algo para si. Embora seja também para sua própria santificação, o sacerdote está sempre a serviço do outro, dentro da Igreja, como comunidade fraterna”, afirma.

De acordo com Dom Cícero, “o padre faz parte de uma Igreja povo de Deus, família de Deus, e faz parte de uma realidade concreta”. Nesse sentido, é essencial promover o espírito de comunhão entre os sacerdotes e com o bispo. “‘Comunhão’ é uma palavra muito forte que marcou o encontro. Mas não é só uma palavra bonita, é para ser colocada em prática. Parte de um eixo, um núcleo, que é Jesus Cristo. Como diria São João Paulo II, a Igreja é casa e escola de comunhão.”

FORMAÇÃO PERMANENTE

Padre André Luís do Vale, da Diocese de Uruaçu (GO), é presidente da Comissão Nacional de Presbíteros. Segundo ele, a ideia de que a formação do sacerdote nunca termina ficou muito evidente no evento. “É preciso que o presbítero sempre se atualize, se aprimore, vivendo a vida, a vocação e o ministério de forma contínua”, diz.

Como vivemos em “um mundo de muita correria, agitação”, “temos que parar um pouco para preparar a vida espiritual”. Tudo isso deve ser elaborado em espírito de “intimidade com Deus”, afirma. “A vida missionária deve ser acompanhada da vida com o presbitério, dos outros padres e com o bispo. No mundo inteiro, há os mesmos desafios, percorre-se os mesmos caminhos para superá-los”, continua.

Dom Ângelo também insiste no tema da formação permanente. “Hoje não se pode mais pensar em uma formação por etapas. A formação é única: começa no seio de uma família e vai até o fim da vida”, reflete. “Não são etapas estanques, separadas. Somos chamados à santidade, queremos crescer sempre mais na fé em Cristo, e isso envolve todas as dimensões da vida, humana, afetiva, espiritual, fraterna e pastoral, apostólica.”

A formação permanente ainda é um desafio para muitas realidades eclesiais, avalia Dom Cícero. Ele nota que a formação do padre “não termina com a ordenação, pois não é uma formatura”. Ao contrário, “ela tem uma base e continua por toda a vida, pois formar é assumir uma nova forma de ação, que é a de Jesus Cristo”.

“É preciso criar a consciência de uma formação permanente”, diz. “É preciso continuar se formando para a vida espiritual, uma formação humana, comunitária.” Em outras palavras, além da contemplação, que é “seguir buscando a resposta de Deus” para a sua vida e missão, o sacerdote deve obter uma formação integral “não multifacetada”, fragmentada. “O padre não pode não ser um contemplativo. Deve ser capaz de escutar Deus para estar na presença dos irmãos e irmãs.”

ATENÇÃO ÀS FRAGILIDADES

Outro ponto importante, ligado à formação integral, é a necessidade de se compreender o padre como um ser humano. Ele é escolhido, chamado por Deus para a missão do seu povo, mas não deixa de ter fragilidades como todas as pessoas. “Ao promover uma boa formação, é preciso considerar o acompanhamento vocacional. A formação não pode ser só acadêmica”, diz Dom Ângelo.

“É preciso levar à maturidade na fé, à maturidade sacerdotal, sempre passando pela vida na comunidade presbiteral.” Além disso, acrescenta, a espiritualidade não é feita só de hábitos, orações em fórmulas, mas sim de “viver uma comunhão mais íntima com o Senhor.”

Dom Cícero também destaca que a Igreja vem se aproximando das ciências humanas, dos métodos psicológico-terapêuticos, que podem ser adotados para acompanhar o sacerdote como indivíduo, como parte de sua formação humana, e para que não se sinta solitário, abandonado à própria sorte, em situações de dificuldade. Conforme expressou o Padre André, é preciso ter um cuidado especial com os presbíteros que vivem “em fragilidade”.

“Trata-se de um ser humano, tirado do povo para servir as pessoas. Ele requer atenção, cuidado, zelo [como qualquer pessoa]. O ambiente em que ele se encontra deve ser vivo e a proximidade entre eles deve ser de mútua ajuda”, reflete.

Vatican Media

Papa: manter a chama do ‘zelo apostólico’ sempre acesa

É preciso buscar “instrumentos e linguagens” que ajudem na formação sacerdotal neste período de “mudança de época” que vivemos hoje, declarou o Papa Francisco em audiência com os participantes do congresso sobre a formação permanente do clero, na quinta-feira, 8. Nas palavras do Pontífice, é fundamental “reavivar o dom, redescobrir a unção, reacender o fogo para que não se apague o zelo do ministério apostólico”.

Para manter essa chama acesa, o Papa Francisco indicou três “caminhos”: a alegria do Evangelho, o pertencimento ao povo e o “serviço generativo”.

A alegria do Evangelho vem da “amizade com o Senhor”, afirmou ele, “que nos liberta da tristeza do individualismo e do risco de uma vida sem significado, sem amor e sem esperança”.

Já o pertencimento ao povo de Deus remete à ideia de que os discípulos de Cristo sempre caminham juntos. “Podemos viver bem o ministério sacerdotal somente imersos no povo sacerdotal, do qual também nós viemos”, alertou. O sentido de pertencimento ao povo “nos cuida, nos apoia nas dificuldades, nos acompanha nas ansiedades pastorais, e nos preserva do risco de destacar-se da realidade, e de nos sentirmos onipotentes”.

Por fim, o “serviço generativo” significa buscar, sim, ser diferente dos outros, mas por meio do serviço. “Na ótica do serviço, a formação não é uma obra extrínseca, a transmissão de um ensinamento, mas se torna a arte de colocar o outro no centro, fazendo emergir a sua beleza, o bem que é e que leva dentro de si, colocando à luz os seus dons e, também, as suas sombras, feridas, desejos”, comentou. A pastoral “generativa” não tem o sacerdote ao centro, mas é uma pastoral “que gera filhas e filhos à vida nova”. 

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