Papa Francisco: 10 anos de pontificado, mas o que ainda está por vir?

Papa dos pobres, dos migrantes, dos encarcerados, excluídos, da misericórdia, do meio ambiente, da Amazônia, do povo, da simplicidade e da paz. Papa das reformas, da “mudança de era”, da visão “poliédrica”, da “economia de Francisco”, da “ternura de Deus” e da “alegria do Evangelho”, do discernimento, da evangelização, da sinodalidade.

Papa Francisco ao comemorar 86 anos de vida em dezembro de 2022 (fotos: Vatican Media)

O Papa Francisco celebra, na segunda-feira, 13 de março, dez anos de pontificado. Neste tempo, ele conseguiu acumular esses e muitos outros adjetivos e já fez muitas coisas.

Mas o que ele ainda deseja fazer? Francisco respondeu a essa pergunta em entrevista ao jornal argentino La Nación, publicada na sexta-feira, 10: “Sou muito realista, gosto de tocar as coisas. O desejo de nadar adiante, abrir portas. Abrir portas, isso me agrada muito. Abrir portas e caminhar nos caminhos.” Tendo isso em mente, que caminho tomará seu pontificado a partir daqui? Aqui, algumas chaves de portas entreabertas por Francisco.

‘A IGREJA NÃO É UMA EMPRESA’

Antes, uma nota de contexto. Como homem de governo, Francisco é, acima de tudo, alguém que iniciou uma série de processos na Igreja. Ele mesmo dizia em sua exortação apostólica Evangelii gaudium, em 2013, que “o tempo é superior ao espaço” e, portanto, é preciso trabalhar olhando sempre para o longo prazo, “sem a obsessão dos resultados imediatos”.

O “dinamismo da realidade” deve ser enfrentado com paciência, dando tempo aos processos. Francisco trabalha muito. Quase não tira dias de descanso; sabe que o tempo que tem à disposição não é longo. Mas também sabe que as sementes plantadas hoje levam tempo para crescer. A maioria dos processos que ele iniciou ainda precisa amadurecer com calma.

A tendência, nessa marca de dez anos – que o Papa Francisco não queria celebrar, pois foge de situações autorreferenciais – seria olhar para trás e fazer um balanço do que ele realizou. Mas ele mesmo disse, em entrevista ao jornal italiano Il fatto quotidiano, publicada no domingo, 12, que quem vai fazer esse balanço “é o Senhor, quando quiser”.

“A Igreja não é uma empresa, tampouco uma ONG, e o Papa não é um administrador delegado, que no fim do ano deve fazer bater as contas. A Igreja é do Senhor. A nós é pedido simplesmente de nos colocar humildemente à escuta da sua vontade e colocá-la em prática”, declarou. “É preciso sintonizar-se com o Senhor, não com o mundo”, acrescentou ele, que deu várias entrevistas nas últimas semanas e celebrou uma missa discreta com cardeais na manhã do dia 13.

MAIS PARTICIPAÇÃO

O Papa Francisco acredita que a Igreja esteja sempre “em caminho” e é, portanto, sinodal. É um caminho que se faz juntos, que deve ser percorrido entre irmãos e irmãs, com confiança mútua na unidade, respeitando as diferenças. É ouvir uns aos outros, mas, mais do que isso, é um processo espiritual, de escuta da vontade de Deus – diz ele. “O caminho sinodal é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”, afirma Francisco.

Uma Igreja mais participativa, mais aberta e sintonizada com os sinais dos tempos – como pedia o Concílio Vaticano II – vive melhor a comunhão e a missão, reflete o Pontífice. O princípio da sinodalidade, segundo a Comissão Teológica do atual Sínodo 2021-2024, é “a ação do Espírito na comunhão do Corpo de Cristo e no caminho missionário do Povo de Deus”. Em outras palavras, os dons do Espírito chegam a todos os fiéis batizados “e se manifestam de muitas formas, com igual dignidade”.

Na prática, isso quer dizer promover a chamada “cultura do encontro” dentro da própria Igreja – é algo que precisa durar para além deste pontificado. O Papa Francisco, que acredita e promove essa visão, nem sempre é entendido com benevolência, e isso foi reconhecido pelo próprio Sínodo como parte natural do processo sinodal.

Na mensagem para o 56º Dia Mundial das Comunicações, em 2022, o Papa escreveu: “Também na Igreja há grande necessidade de escutar e de nos escutarmos. É o dom mais precioso e profícuo que podemos oferecer uns aos outros. Nós, cristãos, nos esquecemos de que o serviço da escuta nos foi confiado por aquele que é o ouvinte por excelência e em cuja obra somos chamados a participar.”

AS REFORMAS CONTINUAM

Dez anos atrás, em março de 2013, Francisco foi eleito para reformar a Igreja – até nisso faz alusão ao Santo de Assis, São Francisco. O discurso que convenceu muitos cardeais eleitores de que ele seria o homem certo na hora certa foi feito após a renúncia de Bento XVI e antes do conclave, nas congregações gerais, as reuniões entre cardeais em Roma enquanto estão à espera de que todos cheguem para a eleição do novo Papa.

Naquele momento, o então Arcebispo de Buenos Aires, que havia viajado com uma mala para poucos dias em Roma, disse que a Igreja, para evangelizar, precisava renovar o seu “zelo apostólico”, precisava ser uma “Igreja em saída”, sair de si mesma e andar em direção às periferias, “e não só aquelas geográficas, mas também as existenciais”. Deveria ser uma Igreja próxima àqueles que vivem “em pecado, na dor, na injustiça, na ignorância e na ausência de fé”, ou qualquer outra forma de miséria – declarou.

Enquanto alguns batem à porta da Igreja para entrar, e nem sempre a encontram aberta, “a Igreja autorreferencial tem a pretensão de que Jesus Cristo está dentro dela, e não o deixa sair”, ela crê que tem luz própria, em vez de refletir a luz de Cristo no mundo, disse ele.

Ao ser eleito, portanto, tem buscado colocar isso em prática, começando da reforma da Cúria Romana, que instituiu oficialmente há um ano com a constituição apostólica Praedicate evangelium. Para chegar nesse ponto, criou o Conselho de Cardeais (C9), uma demanda ouvida antes da eleição. Trata-se de um comitê de nove cardeais que auxiliam o Papa no governo da Igreja e, especialmente, na reforma das estruturas do Vaticano.

A reforma continua. Francisco afirma que ainda é preciso fazer mais. Diz que a Cúria Romana ainda funciona como uma corte monárquica – como se ele fosse um rei com poderes absolutos, que precisa ser bajulado e saciado – e isso, em suas palavras, “é uma lepra”, uma doença no coração da Igreja. A reforma do zelo apostólico deve, portanto, colocar o Evangelho ao centro de tudo, e reconhecer o Papa como bispo de Roma, sucessor do apóstolo Pedro, um pescador chamado por Cristo para liderar os seus.

VIAGENS, DOCUMENTOS, CATEQUESES

Até aqui, Papa Francisco já fez 40 viagens apostólicas, passando por 58 países, além das 36 viagens dentro da Itália. Publicou três encíclicas, a primeira, Lumen fidei, a quatro mãos com Bento XVI, em 2013, e outras duas de próprio punho: Laudato si’ (2015) e Fratelli Tutti (2020). Suas exortações apostólicas também são muito importantes: Evangelii gaudium (2013), Amoris laetitia (2016), Gaudete et exsultate (2018), Christus vivit (2019) e Querida Amazonia (2020).

Em suas audiências gerais de quarta-feira, já realizou 13 ciclos de catequese sobre temas espirituais, sobre a Ressurreição, os sacramentos, sobre São José, os dons do Espírito Santo, a Igreja como povo de Deus, a família, a misericórdia, a esperança, sobre o Pai-Nosso, o discernimento, entre outras.

É nesses documentos que ele consolida seu pensamento e seu ensinamento na história. É nas catequeses que ele fala diretamente com os fiéis sobre os temas espirituais que acredita serem relevantes. Orienta-lhes na fé. E vai continuar. Ao completar 86 anos de idade, em dezembro de 2022, o Papa Francisco foi perguntado sobre as dores no joelho, a dificuldade para caminhar e como isso lhe prejudica. Ele respondeu bem-humorado: “Governa-se com a cabeça, não com o joelho.”

Voltando no tempo, dez anos atrás, naquele discurso das congregações gerais antes do conclave, ele descreveu como deveria ser o novo Papa – sem saber, ainda, que se tratava de si mesmo: “Um homem que, desde a contemplação de Jesus Cristo e desde a adoração de Jesus Cristo, ajude a Igreja a sair de si rumo às periferias existenciais, que a ajude a ser a mãe fecunda que vive a doce e confortadora alegria de evangelizar.”

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