Papa Francisco: ‘A pobreza é um escândalo’

Pontífice presidiu missa na Basílica de São Pedro, no 33o Domingo do Tempo Comum, data em que também se celebra o VII Dia Mundial dos Pobres

Foto: Vatican Media

No dia em que a Igreja celebra o VII Dia Mundial dos Pobres, no domingo, 19, o Papa Francisco presidiu missa na Basílica de São Pedro e enfatizou, na homilia, a parábola dos talentos, apresentada no Evangelho segundo Mateus, lido na liturgia do 33o Domingo do Tempo Comum.

“Três homens veem-se na posse duma enorme riqueza, graças à generosidade do seu senhor, que está de saída para uma longa viagem. Um dia, porém, vai regressar e convocará aqueles servos, esperando poder alegrar-se com eles pela forma como entretanto fizeram render os seus bens. Assim, a parábola que ouvimos (cf. Mt 25, 14-30) convida-nos a deter-nos em dois percursos: a viagem de Jesus e a viagem da nossa vida”, comentou o Pontífice ao iniciar a homilia.

A VIAGEM DE JESUS

“Esta viagem faz pensar no próprio mistério de Cristo, Deus feito homem, com a sua ressurreição e ascensão ao Céu. Com efeito, Ele que desceu do seio do Pai para vir ao encontro da humanidade, morrendo, destruiu a morte e, ressuscitando, retornou ao Pai. Assim Jesus, tendo terminado a sua existência terrena, realiza a ‘viagem de regresso’ para junto do Pai. Mas, antes de partir, confiou-nos os seus bens, os seus talentos, um verdadeiro ‘capital’: deixou a Si mesmo na Eucaristia, a sua Palavra de vida, a sua santa Mãe como nossa Mãe, e distribuiu os dons do Espírito Santo para podermos continuar a sua obra no mundo”, detalhou o Papa.

Francisco lembrou, ainda, que cada talento é concedido de um modo específico a cada pessoa, conforme a própria capacidade e a missão pessoal que o Senhor confia a cada um na sociedade e na Igreja.

“Voltemos a fixar o olhar em Jesus, que recebeu tudo das mãos do Pai, mas não reteve para Si esta riqueza, ‘não considerou um privilégio ser igual a Deus, mas esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo’ (Flp 2, 6-7). Revestiu-Se da nossa frágil humanidade, cuidou como bom samaritano das nossas feridas, fez-Se pobre para nos enriquecer com a vida divina (cf. 2 Cor 8, 9), subiu à cruz. A Ele, que não tinha pecado, ‘Deus o fez pecado por nós’ (2 Cor 5, 21), em nosso favor. Jesus viveu em nosso favor. Foi isto que animou a sua viagem pelo mundo, antes de voltar ao Pai”, continuou.

A VIAGEM DE CADA UM

O Santo Padre lembrou, ainda, que aquele senhor voltou e pediu contas a seus servos acerca dos talentos concedidos.

“Com efeito, à primeira viagem rumo ao Pai, seguir-se-á outra que Jesus há de realizar no fim dos tempos, quando voltar na glória e quiser encontrar-nos de novo, para ‘fazer um balanço’ da história e introduzir-nos na alegria da vida eterna. Por isso devemos perguntar-nos: Como nos encontrará o Senhor, quando voltar? Como me apresentarei ao encontro com Ele? Esta pergunta leva-nos ao segundo momento: a viagem da nossa vida”, detalhou.

“Que estrada estamos nós a percorrer: a de Jesus que Se fez dom ou a estrada do egoísmo? A parábola diz-nos que cada um de nós recebeu os ‘talentos’, segundo as próprias capacidades e possibilidades. Mas, atenção, não nos deixemos enganar pela linguagem habitual! Aqui não se trata das capacidades pessoais, mas – como dizíamos – dos bens do Senhor, daquilo que Cristo nos deixou ao regressar ao Pai. Com eles, deu-nos o seu Espírito, no qual nos tornamos filhos de Deus e graças ao qual podemos dedicar a nossa vida a dar testemunho do Evangelho e construir o Reino de Deus. O grande ‘capital’, que foi colocado nas nossas mãos, é o amor do Senhor, fundamento da nossa vida e força do nosso caminho”, lembrou.

“Por isso devemos perguntar-nos: Que faço eu de um dom tão grande ao longo da viagem da minha vida? A parábola diz-nos que os dois primeiros servos multiplicam o dom recebido, enquanto o terceiro, em vez de confiar no seu senhor, tem medo dele e fica como que paralisado, não arrisca, não se empenha, acabando por enterrar o talento. Isto aplica-se também a nós: podemos multiplicar o que recebemos, fazendo da vida uma oferta de amor pelos outros, ou então podemos viver bloqueados por uma falsa imagem de Deus e, com medo, esconder debaixo da terra o tesouro que recebemos, pensando só em nós mesmos, sem nos apaixonarmos por nada além das nossas comodidades e interesses, sem nos comprometermos”, enfatizou o Papa.

O ESCÂNDALO DA POBREZA

Na parte final da homilia, o Papa se deteve sobre a celebração do Dia Mundial dos Pobres, destacando que o talento que cada recebe do Senhor deve se tornar dom em favor dos outros.

“O amor com que Jesus cuidou de nós, o azeite da misericórdia e da compaixão com que tratou as nossas feridas, a chama do Espírito com que abriu os nossos corações à alegria e à esperança, são bens que não podemos guardar só para nós, administrar à nossa vontade ou esconder debaixo da terra. Cumulados de dons, somos chamados a fazer-nos dom. As imagens usadas pela parábola são muito eloquentes: se não multiplicarmos o amor ao nosso redor, a vida some-se nas trevas; se não colocarmos em circulação os talentos recebidos, a existência acaba debaixo da terra, ou seja, como se já estivéssemos mortos (cf. 25, 25.30)”.

Pediu, ainda, que os fiéis pensem nas inúmeras pobrezas materiais, culturais e espirituais, nas existências feridas que povoam as cidades, nos pobres tornados invisíveis, “cujo grito de dor é sufocado pela indiferença geral duma sociedade atarefada e distraída. Pensemos em quantos estão oprimidos, cansados, marginalizados, nas vítimas das guerras e naqueles que deixam a sua terra arriscando a vida; naqueles que estão sem pão, sem trabalho e sem esperança. Quando se pensa nesta multidão imensa de pobres, a mensagem do Evangelho resulta clara: não enterremos os bens do Senhor! Ponhamos em circulação a caridade, partilhemos o nosso pão, multipliquemos o amor!”, exortou.

Por fim, enfatizou: “A pobreza é um escândalo. Quando o Senhor voltar, pedir-nos-á contas e – como escreve Santo Ambrósio – dir-nos-á: ‘Por que tolerastes que tantos pobres morressem de fome, quando dispunhas de ouro com o qual obter alimento para lhes dar? Por que tantos escravos foram vendidos e maltratados pelos inimigos, sem que ninguém fizesse nada para os resgatar?’ (As Obrigações dos Ministros: PL 16, 148-149). Rezemos para que cada um, segundo o dom recebido e a missão que lhe foi confiada, se comprometa a ‘pôr a render a caridade’ e a aproximar-se de qualquer pobre. Rezemos para que também nós, no termo da nossa viagem, depois de ter acolhido Cristo nestes irmãos e irmãs com quem Ele próprio Se identificou (cf. Mt 25, 40), possamos ouvir dizer-nos: ‘Muito bem, servo bom e fiel (…). Entra no gozo do teu senhor’ (Mt 25, 21)”.

Fonte: Vatican News

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