Papa Francisco: ‘Todos podem escorregar, Jesus nos ama como somos’

Na tarde da Quinta-feira Santa, 6, o Pontífice esteve no Instituto Penitenciário para Menores de Casal del Marmo, na periferia de Roma para celebrar a Missa da Ceia do Senhor, com o rito do Lava-Pés

Fotos: Vatican Media

Dez anos depois, o Papa Francisco visitou novamente, na Quinta-feira Santa, 6, o Instituto Penitenciário Para Menores de Casal del Marmo, na periferia de Roma. Quanto lá esteve pela primeira vez, em 2013, tinha apenas 15 dias de pontificado.

Tal qual fizera naquela ocasião, também nesta foi para presidir a Missa da Ceia do Senhor, com o rito do Lava-pés. O Pontífice lavou e beijou os pés de 12 menores reclusos de diferentes nacionalidades e confissões religiosas, entre eles duas jovens. Eles simbolizaram os apóstolos e o Pontífice repetiu o gesto de Jesus na Última Ceia.

“O rito do lava-pés não é folclore, mas nos diz como devemos ser”, enfatizou Francisco. “Todos podem escorregar, Jesus nos ama como somos”, disse ao adolescentes em sua breve homilia, pronunciada sem texto prévio.

“Os discípulos ficaram espantados quando viram Jesus fazendo trabalho de escravo. Se nós ouvíssemos isto de Jesus, iríamos imediatamente nos ajudar uns aos outros, mas em vez disso nos fazemos de espertos, aproveitando-se um do outro. É bonito ajudar, isso nasce de um ‘coração nobre’”, destacou o Papa.

“Cada um de vocês pode dizer: ;’mas, se o Papa soubesse o que eu tenho dentro. Mas Jesus nos ama como somos, Ele não tem medo de nossas fraquezas. Ele quer nos acompanhar, nos levar pela mão”.

”Na sociedade – a reflexão – há muitas injustiças: pessoas sem trabalho, pessoas que trabalham e são pagas pela metade, famílias desfeitas. Cada um de nós pode escorregar e isso nos dá a dignidade de ser pecadores. É por isso que Jesus quis lavar os pés para ajudar uns aos outros. Assim, a vida é mais bonita”, afirmou. “Eu espero conseguir porque não consigo andar bem, mas vocês pensem: Jesus lavou os meus pés”, disse ao concluir a homilia, após a qual realizou o rito do Lava-pés.

O Papa, que se movia com dificuldade, realizou o rito com grandes sorrisos e cumprimentou um a um os jovens escolhidos.

GRATIDÃO AO PAPA: ‘SUA POSTURA NO RECONDUZ AO ESSENCIAL’

No final da celebração a diretora do Instituto Penal dirigiu algumas palavras ao Santo Padre dizendo da “tarefa muito difícil de encontrar as palavras certas para poder agradecer-lhe pela imensa alegria que nos deu! Mas na realidade eu acho que não estou à altura”.

“O senhor nesta situação nos desarma – continuou ela – por causa de sua imensa doçura que nos revela e nos reconduz ao essencial, então eu pensei que teria que recorrer a palavras que minha mente me ditaria de forma refinada, mas em vez disso são simplesmente aquelas que fluem do coração que são as mais importantes que eu quero dirigir ao senhor em nome de todos nós”.

“Seu sorriso – disse ainda a diretora emocionada – é uma doce carícia para nós, apoiando-nos, encorajando-nos diante de todas as dificuldades diárias que encontramos. O exemplo que o senhor nos deu e o dom que nos fez de estarmos juntos neste abraço nos mostra o caminho diário, o de estarmos sempre juntos, abraçados, unidos, de mãos dadas, sempre olhando para cima, pensando no bem, sem distinção e buscando dentro de nós mesmos a força que o olhar do outro nos dá”.

“Quero realmente agradecer em nome de todos por este maravilhoso poema que o senhor nos deu hoje. Continuaremos a agradecer-Lhe todos os dias de nossas vidas pelo ensinamento e rezaremos juntos com o senhor, pelo bem, pela paz no mundo. Muito obrigado, Santo Padre! Muito obrigado!”, concluiu a diretora.

BENÇÃO DA NOVA CAPELA

Na conclusão da Santa Missa, o Papa abençoou a placa de inauguração da capela dedicada ao Beato Pino Puglisi. Também saudou alguns jovens detentos e recebeu de presente uma cruz feita pelos jovens que seguem o curso de carpintaria, bem como alguns biscoitos e um pacote de massa, ambos produzidos na panificadora recentemente inaugurada dentro desta unidade prisional. Francisco, por sua vez, presenteou os jovens, a diretora e os funcionários com alguns Terços e ovos de chocolate.

AMBIENTE DE RESSOCIALIZAÇÃO

Em entrevista ao Vatican News, o Padre Nicolò Ceccolini, Capelão do Instituto Penitenciário para Menores de Casal del Marmo, destacou que no local se buscam caminhos educacionais e de reabilitação aos cerca de 50 adolescentes e jovens, entre 14 e 25 anos, que lá estão apreendidos.

Eles têm diferentes nacionalidades – italianos, árabes, africanos, ciganos. Muitos professam a fé cristã, alguns são mulçumanos e há, também, ateus. Segundo o Sacerdote todos aguardavam a visita do Papa, “nem que seja pela curiosidade de conhecer uma pessoa que eles sabem que é importante e que vem visitá-los”.

Além dos adolescentes e jovens transitam pelo Instituto Penitenciário diariamente policiais penitenciários, educadores, psicólogos, médicos, professores, juntamente com a diretora e o comandante.

A escolha dos jovens que tiveram os pés lavados pelo Papa não seguiu um critério específico: “Para nós são todos iguais”, assegurou o Capelão, que fez questão de contar que os preparativos para a chegada do Papa uniram todos, fortalecendo o sentido de comunidade que inevitavelmente é colocado à prova num lugar de “luzes e sombras” como é uma unidade prisional.

“Para todos”, repete o sacerdote. Não apenas para aqueles que cometeram crimes “menores”, como furtos, roubos, tráfico de drogas, mas também para os culpados de crimes mais graves “contra pessoas”, como assassinatos e tentativas de assassinato. Cristo, na figura de seu vigário, foi para visita-los.

“Claro, nem sempre é fácil”, admite Padre Nicolò. Ele encontra-se na instituição desde 2011, primeiro como seminarista, agora como capelão. “Dez anos atrás eu era diácono quando o Papa veio nos visitar. Agora vamos nos encontrar novamente”, sorri.

Durante estes anos, o Sacerdote se deparou com muitas histórias, rostos, cenas e pode ser testemunha de uma ‘realidade’, a da prisão, que nem sempre é positiva. De ‘luzes e sombras’, na verdade.

“Na prisão de menores, temos a mesma realidade da prisão adulta no que diz respeito ao tipo de delitos. O cárcere sempre apresenta grandes limites para a reeducação de um jovem e por isso estamos diante de uma realidade na qual sempre coexistem a escuridão e a luz. Se para alguns jovens pode ser útil e servir pelo menos como uma pausa para reflexão, para muitos outros infelizmente às vezes se torna ‘a Universidade do crime’, no sentido de que alguns que entram por roubo e depois podem aprender outra coisa”, comentou.

Cada jovem que entra no instituto recebe acolhida e atenção, “através da figura do educador que cuida imediatamente das primeiras necessidades, antes de tudo a de escutar e conhecer-se”. Em seguida, segue explicando o Padre, “o jovem é incluído no grupo de pares e aos poucos se tenta reativar caminhos que tinham sido interrompidos ou às vezes nunca começados, como a alfabetização ou o ensino médio”. Depois há “oficinas mais manuais, mais formativas: jardinagem, cabeleireiro, carpintaria”.

Padre Nicolò leva adiante uma pastoral de escuta e de tempo: “Uma das coisas que aprendi nestes anos é que a primeira forma de pastoral é a presença, ou seja, estar presente o máximo possível. Percebi que não são tanto os discursos e as belas palavras que constroem algo, mas o fato de que os jovens me vejam. Isto cria uma relação de familiaridade e amizade que depois nos permite fazer um caminho juntos”.

Aos domingos, na capela se celebra sempre a Eucaristia. Os jovens podem participar livremente: “É sempre um bom momento de encontro”. Durante a semana, porém, o capelão optou por não se vincular a atividades particulares, mas “estimular outros a fazê-lo, como os voluntários, porque assim tenho mais tempo disponível para os jovens”. Tempo para a escuta e para o encontro para assim oferecer uma relação positiva”.

Independentemente de serem cristãos, ortodoxos, católicos ou muçulmanos, para mim eles são todos iguais, todos com a mesma necessidade de serem vistos não só pelo que fizeram e não só pelo que dizem os documentos. Eles precisam ser vistos com um olhar mais profundo”, concluiu o Sacerdote.

(Com informações de Vatican News – a partir de textos de Silvonei José e Salvatore Cernuzio e Sebastián Sansón Ferrari)

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