A narração bíblica dos irmãos Caim e Abel guiou o forte discurso que o Papa Leão fez aos participantes do III Encontro Mundial sobre a Fraternidade Humana. A pergunta “onde está o teu irmão?” ainda é válida, afirmou o Pontífice, e cabe a todos nós fazê-la diante das vítimas da violência, da pobreza, das mudanças climáticas e hiper conectividade.

“Diante do sofrimento do outro a resposta não pode ser o silêncio!”
O Papa Leão fez um intenso discurso ao receber em audiência os participantes do III Encontro Mundial sobre a Fraternidade Humana, que se realiza nos dias 12 e 13 de setembro em Roma.
Falando em inglês e italiano, o Pontífice partiu da constatação de que o planeta está marcado por conflitos e divisões, e citando o Papa Francisco, afirmou que a guerra não é o caminho certo para sair dos conflitos.
Para falar de fraternidade, o Santo Padre propôs a narração bíblica sobre Caim e Abel. Por mais antiga e disseminada que seja, a violência de Caim não pode ser tolerada como “normal”, afirmou. Pelo contrário, a norma se encontra na pergunta divina dirigida ao culpado: “Onde está teu irmão?”. “Nesta pergunta está a nossa vocação, a regra, o cânone da justiça. Deus não se vinga de Abel com Caim, mas lhe faz uma pergunta que acompanha todo o caminho da história.”
Esta mesma pergunta, hoje mais do que nunca, deve ser incorporada entre nós como princípio de reconciliação. Reformulada, ressoará assim: “Irmão, irmã, onde você está?”. O Santo Padre então adaptou este questionamento nas várias situações dramáticas da humanidade de hoje:
“Onde você está no comércio das guerras que ceifam a vida dos jovens obrigados às armas, que atingem civis, crianças, mulheres e idosos indefesos, devastam cidades, campos e inteiros ecossistemas, deixando para trás somente escombros e dor?”
“Irmão, irmã, onde você está entre os imigrantes desprezados, detidos e rejeitados, entre os que buscam salvação e esperança e encontram muros e indiferença? Onde você está, irmão, quando os pobres são culpados por sua pobreza, esquecidos e descartados, num mundo que dá mais valor ao lucro das pessoas? Irmão, irmã, onde você está numa vida hiper conectada, mas que a solidão corrói os laços sociais e nos torna estranhos inclusive a nós mesmos?”
A resposta, afirma Leão XIV, não pode ser o silêncio. E parte da resposta é a presença no Vaticano deste grupo oriundo de vários países e religiões, que trabalha com afinco e coragem. “A resposta é a escolha de outra direção de vida, de crescimento, de desenvolvimento.”
Reconhecer que o outro é um irmão, prosseguiu o Pontífice, significa aceitar que não somos filhos únicos nem mesmo sócios, que estão juntos só por interesse. A fraternidade deve ir além dos elos de sangue e dos laços étnicos e se fundamenta na humanidade comum.
“A fraternidade é o nome mais verdadeiro da proximidade. Significa reencontrar o rosto do outro. E no rosto do pobre, do refugiado, inclusive do adversário, reconhecer o Mistério: para quem crê, é a própria imagem de Deus.”
Assim, a exortação do Santo Padre ao grupo é que consiga identificar percursos, locais e internacionais, que desenvolvam novas formas de caridade social, de alianças entre saberes e de solidariedade entre as gerações, incluindo os pobres não como destinatários de ajuda, mas como sujeitos de discernimento e de palavra.
“Eu os encorajo a prosseguir neste trabalho de semeadura silenciosa”, afirmou Leão. Dele, pode nascer um processo participativo sobre o humano e sobre a fraternidade, fundado não no poder, mas na cura; não no lucro, mas no dom; não na desconfiança, mas na confiança.
“O cuidado, o dom e a confiança não são virtudes do tempo livre: são pilares de uma economia que não mata, mas intensifica e alarga a participação à vida.”
O Pontífice concluiu seu discurso com um agradecimento a todos os envolvidos neste encontro, entre eles os artistas que se exibirão na noite de sábado na Praça São Pedro, e os Prêmios Nobel presentes, que redigiram a Declaração sobre a Fraternidade Humana em junho de 2023.
A terceira edição do encontro se realiza em vários locais sugestivos da cidade de Roma, como o Capitólio, a Fao, a sede da União Europeia, e culminará com um evento internacional na Praça São Pedro com o tenor italiano Andrea Bocelli, Pharrell Williams, o coral gospel Voices of Fire e John Legend. É organizado pela Basílica de São Pedro, pela Fundação Fratelli tutti, pela Associação Be Human e pela Fundação Saint Peter for Humanity. A finalidade desses encontros é interrogar-se sobre o que significa ser humano hoje, numa época marcada por conflitos, solidões, novas formas de pobreza, crise ambiental e desafios relacionados ao progresso tecnológico.
Fonte: Vatican News