Papa no Cazaquistão: ‘Somos todos criaturas, não onipotentes’

Em defesa da liberdade religiosa, o Pontífice deseja que as pessoas de fé deem o exemplo na promoção da paz

Vatican Media

Filhos de um único Deus, irmãos e irmãs. Assim lembrou o Papa Francisco em sua viagem ao Cazaquistão: “Diante do mistério infinito que nos supera e nos atrai, as religiões recordam que somos criaturas: não somos onipotentes, mas mulheres e homens em caminho, rumo a uma mesma meta celeste”. Essa certeza é o que deve unir as pessoas de fé, disse ele, na abertura do 7° Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais, realizado entre os dias 13 e 15. 

Mais do que “interesses pessoais”, as religiões devem ser capazes de promo- ver um sentido de “irmandade”, algo que as define, afirmou o Pontífice, no dia 14. O mundo espera dos líderes religiosos “o exemplo de almas despertas e mentes límpidas”, espera “religiosidade autêntica”. O fundamentalismo é, portanto, o oposto disso, pois “envenena e corrói todo credo”. 

O enaltecimento do sacro e do transcendente é um valor humano a ser preservado, declarou Francisco. Em defesa da liberdade religiosa, que ele considera “condição essencial para um desenvolvimento verdadeiramente humano e integral”, o Papa afirmou que “as religiões não são um problema, mas parte da solução para uma convivência mais harmoniosa”. 

Desse modo, “precisamos de religião para responder à sede de paz do mundo e à sede de infinito que vive no coração de cada pessoa”, disse o Santo Padre. A liberdade religiosa, “um direito fundamental, primário e inalienável”, não pode se limitar à liberdade de culto, avalia. Desde que a convivência entre as religiões seja respeitosa, todos devem poder se expressar. 

O DESAFIO DA PAZ 

No contexto atual, ainda marcado pela pandemia de COVID-19, cujas consequências sociais e econômicas foram agravadas pela guerra na Ucrânia, iniciada pela Rússia, os líderes religiosos são chamados a promover a paz. O diálogo entre eles, diz o Papa, ajuda a minimizar “as chagas da terra”, por meio de uma fraternidade profunda e do “cuidado à casa comum”, o planeta Terra. 

“Se o Criador, a quem dedicamos nossa existência, deu origem à vida humana, como podemos nós, que nos professamos pessoas de fé, consentir que ela seja destruída?”, refletiu. “E como podemos pensar que as pessoas do nosso tempo, muitas das quais vivem como se Deus não existisse, serão motivadas a se empenhar em um diálogo respeitoso e responsável, se as grandes religiões, que constituem a alma de tantas culturas e tradições, não se empenham ativamente pela paz?” 

A mensagem parece ter sido orientada aos líderes religiosos que se envolvem em negociações de cunho político e ideológico em vez de se concentrarem nas coisas do alto. Para que seja promovida a paz, orienta o Pontífice, é preciso que as religiões se unam na luta contra as “disparidades e injustiças”, o “o ódio, a violência e o terrorismo”. 

Essas são “epidemias” de mal que se espalham rapidamente no mundo, como um vírus, inclusive nas religiões, nas palavras de Francisco. É preciso evitar o risco de pensar que “não temos nada a aprender dos outros”, disse ele, um sentimento que leva aos extremismos e ao fundamentalismo: a instrumentalização da fé para objetivos que não são sagrados. “Deus é paz e nos conduz à paz, jamais à guerra”, disse o Papa, na abertura do evento. 

VIAGEM AO CAZAQUISTÃO 

Esta foi a 38º viagem internacional do Papa Francisco, e a segunda de um Papa ao Cazaquistão. A primeira foi em 2001, de São João Paulo II. Cerca de 70% da população do país asiático é muçulmana, mas o Cazaquistão é conhecido por ser um local onde membros de diferentes religiões vivem em harmonia. 

Além de encontrar as autoridades locais, o clero, religiosos e outros fiéis, o Papa teve reuniões rápidas com representantes de outras religiões, entre eles o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad al-Tayeb, e uma delegação do Patriarcado de Moscou. 

Inicialmente, a presença do Patriarca Cirilo (Kirill), da Rússia, era prevista, e um momento com o Papa, esperado. O contexto da guerra, porém, fez com que o Patriarca cancelasse sua presença. Em outras ocasiões, Francisco deixou claro que o alinhamento do Patriarca com a política expansiva do presidente Vladimir Putin não é adequada para um líder religioso. 

A missa do Papa com católicos do país, no dia 14, celebrou a Exaltação da Santa Cruz. Francisco recordou a “perseguição ateísta” vivida no Cazaquistão, quando o país foi alvo de disputa pelas ideologias comunista e nazista. “Olhar para Jesus crucificado é a estrada de nossa salvação”, disse ele. “Porque de Cristo, aprendemos o amor, não o ódio; aprendemos compaixão, não indiferença; aprendemos o perdão, não a vingança.” 

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