Papa promulga reforma das leis penais da Igreja

Pascite Gregem Dei ou “Apascentai o rebanho do Senhor” é o nome da constituição apostólica por meio da qual o Papa Francisco promulgou a reforma do Livro VI do Código de Direito Canônico (CDC), sobre as sanções penais da Igreja. 

Entre as mudanças apresentadas na terça-feira, dia 1º, o texto reforça a abordagem pastoral do Direito Canônico e define com maior precisão os crimes e penas para casos como os abusos de menores, além de incluir novas infrações relacionadas à gestão financeira e administração dos sacramentos.

O Santo Padre ressalta que o novo texto, que entrará em vigor no próximo dia 8 de dezembro, é um “instrumento salvífico e corretivo mais ágil, a ser empregado prontamente e com caridade pastoral para evitar males mais graves e para acalmar as feridas causadas pela fraqueza humana”. O Pontífice reconhece que “muitos danos foram causados pela incapacidade de perceber a relação íntima existente na Igreja entre o exercício da caridade e o recurso – onde as circunstâncias e a justiça o exigem – às sanções disciplinares”. 

Mudanças  

Esta é a maior reforma feita no CDC desde sua promulgação, em 1983. Os trabalhos de revisão do Livro VI começaram em 2009, no pontificado de Bento XVI, e foram coordenados pelo Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, que realizou uma ampla consulta às conferências episcopais, faculdades de Direito Canônico, centros de estudos jurídicos, dicastérios e peritos na temática, a fim de propor aprimoramentos no documento, cuja proposta final foi entregue ao Papa Francisco em fevereiro de 2020, ou seja, mais de dez anos após o começo das discussões sobre a reforma. 

Na nova versão, foram introduzidas modificações na tipificação de vários delitos e introduzidas novas infrações penais. Além disso, o texto também foi melhorado do ponto de vista técnico no que diz respeito a aspectos como o direito de defesa, a prescrição da ação penal, “uma determinação mais precisa da punição” que ofereça “critérios objetivos na identificação da sanção mais apropriada a ser aplicada no caso concreto”.  

Justiça e misericórdia  

Durante a apresentação do documento, na Sala de Imprensa da Santa Sé, o Presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Dom Filippo Iannone, salientou que, mais que enrijecer a legislação penal da Igreja, o propósito do novo Livro VI é tornar a aplicação das sanções mais precisa e operativa.  

O Bispo também sublinhou que, ao longo dos trabalhos de revisão das normativas, observou-se que a relação entre justiça e misericórdia tem, por vezes, sofrido uma interpretação errônea, “que tem alimentado um clima de excessiva flexibilização na aplicação do Direito Penal, em nome de um conflito infundado entre a pastoral e o Direito”.

Nesse sentido, o Papa Francisco, recordando a responsabilidade dos bispos e superiores dos institutos de vida consagrada, enfatizou que “a caridade e a misericórdia exigem que um pai também se esforce para endireitar o que às vezes se torna torto” e, portanto, precisa ser corrigido para o bem de toda a comunidade eclesial. 

Abusos de menores 

Uma das novidades na reforma do Livro VI é em relação aos abusos de menores, tema que já foi objeto de atualizações pontuais nos últimos anos. A fim de ressaltar a gravidade desse crime e também a atenção a ser dada às vítimas, tais delitos foram transferidos do capítulo de “Crimes contra obrigações especiais dos clérigos” para o de “Crimes contra a vida, a dignidade e a liberdade humana”. 

Além disso, a nova legislação prevê pena não apenas para abusos contra menores cometidos por clérigos, mas também os cometidos por membros de institutos de vida consagrada e por outros fiéis leigos que exerçam algum ministério ou ofício na Igreja, como, por exemplo, catequistas ou ministros extraordinários da Comunhão. Isso também inclui qualquer comportamento desse gênero cometido contra adultos por meio de violência ou abuso de autoridade. 

Sobre as sanções relacionadas aos leigos, Dom Juan Ignacio Arrieta Ochoa de Chinchetru, Secretário do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, explicou aos jornalistas que as penas canônicas diferem das aplicadas aos clérigos devido à diferença própria do vínculo desses com a instituição eclesiástica. De modo que, dependendo do caso, as punições variam entre censuras, privação do acesso aos sacramentos ou ao exercício de um ofício. 

Já aos clérigos, além das penas já previstas, como a suspensão do ofício, limitação do exercício do ministério, demissão do estado clerical, foram incluídas outras sanções, como multas, indenização por danos, privação de toda ou parte da remuneração eclesiástica.  

O bispo sublinhou, contudo, que tais penas previstas na reforma dizem respeito àquelas decorrentes de um processo canônico. Isso, portanto, difere das sanções já previstas a todos os católicos em relação a questões disciplinares ou morais, como, por exemplo, a prática ou favorecimento do aborto, cuja pena é a excomunhão automática.  

Código de Direito Canônico promulgado em 1983, por São João Paulo II (Divulgação)

Outras tipificações  

Alguns casos presentes no Código de 1917 que não haviam sido incorporados em 1983 foram inseridos no novo texto, como a corrupção em atos oficiais e a administração de sacramentos a sujeitos proibidos de recebê-los. Também foram incluídas sanções para casos como a violação do segredo pontifício, a omissão da obrigação de execução de sentença ou decreto criminal, a omissão da obrigação de avisar sobre a prática de um crime, o abandono ilegítimo do ministério, entre outros.  

Também são tipificados crimes patrimoniais, como a alienação de bens eclesiásticos sem as devidas consultas; os crimes contra a propriedade cometidos por negligência grave na administração. “Além disso, tipificou-se novo crime para o clérigo ou religioso que, além dos casos já previstos em lei, comete crime em matéria econômica – mesmo na esfera civil – ou viola gravemente as prescrições do cân. 285 § 4, que ‘proíbe clérigos de administrar bens sem a licença de seu próprio Ordinário’”, completou o Secretário para os Textos Legislativos. 

Na constituição apostólica, o Papa enfatizou que “a sanção canônica também tem uma função restauradora e salvífica e, acima de tudo, visa ao bem dos fiéis, para o qual representa um meio positivo para a realização do Reino, para reconstruir a justiça na comunidade dos fiéis, chamados à santificação pessoal e comum”. Tal afirmação faz referência ao que diz o último cânon do CDC, que recorda que “a salvação das almas” deve ser sempre “a lei suprema” da Igreja (cf. cânon 1752).

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