Santa Teresinha ‘está mais viva do que nunca no meio da Igreja em caminho’

Em nova Exortação Apostólica, Papa Francisco destaca a confiança da padroeira das missões no amor misericordioso de Deus

Luciney Martins/O SÃO PAULO

“Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor”. Com estas palavras escritas em setembro de 1896 por Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face (1873-1897), o Papa Francisco inicia a exortação apostólica C‘est la Confiance (CC), publicada no domingo, 15, por ocasião dos 150 anos do nascimento de Santa Teresinha, como é popularmente conhecida.

O documento, com muitas citações aos escritos deixados pela Santa nascida em Alençon, na França, e morta aos 24 anos no carmelo de Lisieux, ressalta o legado espiritual da Padroeira das missões, e que em 1997, no centenário de sua morte, foi proclamada doutora da Igreja por São João Paulo II.

No começo do documento, o Papa explica o porquê de ter publicado a exortação apostólica em 15 de outubro e não na data da memória litúrgica da Santa, 1º de outubro: “Far-nos-á bem aprofundar a sua mensagem, ao comemorarmos o 150º aniversário do seu nascimento que teve lugar em Alençon em 2 de janeiro de 1873 e o centenário da sua beatificação [29 de abril de 1923]. Mas não quis publicar esta exortação em nenhuma dessas datas, nem no dia da sua memória, para que a mensagem se situe além das ocorrências e seja assumida como parte do tesouro espiritual da Igreja. A data da presente publicação [15 de outubro], memória de Santa Teresa de Ávila, quer apresentar Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face como fruto maduro da reforma do Carmelo e da espiritualidade da grande Santa espanhola” (CC 4).

MISSIONÁRIA A PARTIR DO AMOR A CRISTO

O amor de Santa Teresinha a Jesus é a razão principal para sua alma missionária: “Como sucede em todo o encontro autêntico com Cristo, esta experiência de fé chamava-a para a missão. Teresa pôde definir a sua missão com as seguintes palavras. ‘Eu desejarei no Céu o mesmo que na terra: amar Jesus e fazê-Lo amar’ [Carta 220, Ao Padre M. Bellière]. Escreveu que entrara no Carmelo ‘para salvar as almas’ [Manuscrito A]. Por outras palavras, não concebia a sua consagração a Deus sem a busca do bem dos irmãos. Partilhava o amor misericordioso do Pai pelo filho pecador e o do Bom Pastor pelas ovelhas perdidas, distantes, feridas.

Por isso, é padroeira das missões, mestra de evangelização” (CC 9).

A PEQUENA VIA, UM ITINERÁRIO DE CONFIANÇA

Francisco aponta que um dos legados de Santa Teresinha do Menino Jesus é a sua pequena via – na tradução em português de C‘est la Confiance chamada de ‘caminhito’ – um caminho de confiança no amor de Cristo (cf. CC 14), detalhado em a História de uma alma.

“É o ‘doce caminho do amor’ [Manuscrito A], aberto por Jesus aos pequeninos e aos pobres, a todos. É o caminho da verdadeira alegria. Diversamente da ideia pelagiana de santidade, individualista e elitista, mais ascética do que mística, que põe o acento principalmente no esforço humano, Teresinha realça sempre o primado da ação de Deus, da sua graça” (CC 17).

Santa Teresinha testemunha essa confiança não apenas com vistas à salvação futura, mas já nas ações cotidianas: “Nos últimos dias da sua vida, Teresinha insistia nisto: ‘Creio que nós, que corremos pelo caminho do Amor, não devemos pensar no que nos pode acontecer de doloroso no futuro, porque é faltar à confiança’ [Últimos Colóquios. Caderno Amarelo]. A verdade é que se estamos nas mãos de um Pai que nos ama sem limites, venha o que vier havemos de o ultrapassar e, de uma forma ou de outra, cumprir-se-á na nossa vida o seu projeto de amor e de plenitude” (CC 24).

O Pontífice recorda que no manuscrito História de uma alma, a Santa aponta para o amor de Jesus por todas as pessoas (cf. CC 33) e ao final do texto “deixa-nos o seu Oferecimento como Vítima de Holocausto ao Amor Misericordioso de Deus [Oração 6]. Quando se entregou plenamente à ação do Espírito, recebeu, sem clamor nem sinais vistosos, a superabundância da água viva: ‘as ondas, ou antes, os oceanos de graças que vieram inundar-me a alma’ [Manuscrito A]. Trata-se da vida mística que, mesmo privada de fenômenos extraordinários, é proposta a todos os fiéis como experiência cotidiana de amor” (CC 35).

AMOR À IGREJA

Santa Teresinha fala de seu grande amor pela Igreja “amante, humilde e misericordiosa” (cf. CC 40), que tendo um coração assim “é uma grande luz também para nós hoje, a fim de não nos escandalizarmos por causa das limitações e fraquezas da instituição eclesiástica, marcada por obscuridades e pecados, e entrarmos no seu coração ardente de amor, que se incendiou no Pentecostes graças ao dom do Espírito Santo. É o coração cujo fogo se reaviva ainda com cada um dos nossos atos de caridade”. (CC 41).

A este respeito, o Pontífice também cita um dos últimos escritos da Santa: “‘Conto não ficar inativa no Céu, o meu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas almas’. [Carta 254, Ao padre A. Roulland]” (CC 43).

E diante deste testemunho, conclui o Papa: “Fecha-se o círculo. ‘C’est la confiance’. É a confiança que nos conduz ao Amor e assim nos liberta do temor; é a confiança que nos ajuda a desviar o olhar de nós mesmos; é a confiança que nos permite colocar nas mãos de Deus aquilo que só Ele pode fazer. Isso deixa-nos uma imensa torrente de amor e de energias disponíveis para procurar o bem dos irmãos” (CC 45).

‘DOUTORA DA SÍNTESE’

Francisco comenta que com esta exortação apostólica, quer recordar a todos que “em uma Igreja missionária, ‘o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário’ [Evangelli gaudium 35]” (CC 47).

O Papa lembra que a contribuição da jovem carmelita como santa e doutora da Igreja não é analítica, mas sintética, ou seja, consiste em sua genialidade em fazer com que todos busquem aquilo que é essencial e indispensável à fé (cf. CC 49).

Francisco pede, porém, que não sejam feitas apenas menções soltas dos escritos de Santa Teresinha nem somente referências sobre sua vida de oração, de sacrifício, de piedade eucarística e de testemunhos. “‘Nem tudo o que um santo diz é plenamente fiel ao Evangelho, nem tudo o que faz é autêntico ou perfeito. O que devemos contemplar é o conjunto da sua vida, o seu caminho inteiro de santificação, aquela figura que reflete algo de Jesus Cristo e que sobressai quando se consegue compor o sentido da totalidade da sua pessoa’ [Gaudete et exsultate, 22]. E isso vale com maior força de razão para Santa Teresinha, sendo ela uma ‘Doutora da síntese’” (CC 51).

A ATUALIDADE DE SANTA TERESINHA

Por fim, o Papa ressalta que em um mundo marcado pelo individualismo e pela busca de necessidades superficiais, Santa Teresinha mostra a beleza de fazer da vida um dom, testemunha a radicalidade evangélica, ajuda a cada um a redescubrir a simplicidade e o primado absoluto do amor, da confiança e do abandono em Deus, e a todos convida a uma saída missionária (cf. CC 52), de modo que ela “está mais viva do que nunca no meio da Igreja em caminho, no coração do Povo de Deus” (CC 53).

A exortação apostólica é concluída com a seguinte oração:

Amada Santa Teresinha,
A Igreja precisa fazer resplandecer
A cor, o perfume, a alegria do Evangelho. Enviai-nos as vossas rosas!
Ajudai-nos a ter sempre confiança, Como fizestes vós,
No grande amor que Deus tem por nós, Para podermos imitar cada dia
A vossa ‘pequena via’ de santidade. Amém.

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