São Paulo VI: ‘O poder político deve ter como finalidade a realização do bem comum’

Na carta apostólica ‘Octogesima adveniens’, publicada há 50 anos, em 1971, o Pontífice ressaltou que ‘a política é uma maneira exigente se bem que não é a única de viver o compromisso cristão, a serviço dos outros’

São Paulo VI em discurso na Organização das Nações Unidas (foto: Vatican Media)

Uma das metas da reforma administrativa enviada pelo Governo federal à Câmara dos Deputados é a de tornar a máquina pública mais eficaz e descentralizada.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020 teve sua admissibilidade aprovada em 25 de maio na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e agora será apreciada por uma comissão especial, antes de ser votada no plenário da Câmara.

O texto altera dispositivos sobre a contratação, remuneração, efetivação e desligamento de futuros servidores e empregados públicos e modifica a organização da administração pública direta e indireta no âmbito dos três poderes da União, estados, Distrito Federal e nos municípios.

Princípios cristãos sobre a ação do Estado

No momento em que se discute a real necessidade e eficácia de uma reforma administrativa no Brasil, é oportuno a todas as pessoas de boa vontade – e aos cristãos de modo especial –, recordar o entendimento da Doutrina Social da Igreja (DSI) a respeito dos princípios norteadores da atuação do Estado.

Consolidada nos últimos 130 anos, desde a publicação da encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII, em 1891, a DSI indica que a ação do Estado deve ser orientada pelos seguintes princípios: assegurar a dignidade da pessoa humana; buscar o bem comum; garantir a função social da propriedade e dos bens públicos e privados; e ter a opção preferencial pelos pobres. Há também o princípio da subsidiariedade, segundo o qual cabe ao Estado ajudar, auxiliar e assistir as formas inferiores de organização social que incidem nas realidades locais ou agir nesses contextos quando a própria comunidade não tem condições de fazê-lo.

No texto original da reforma administrativa, a subsidiariedade era um dos princípios que seriam acrescidos à administração pública, assim como a imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação e boa governança pública. Estes, porém, foram retirados do texto aprovado na CCJ pelo relator, o deputado Darci de Matos, sob o argumento de que gerariam insegurança jurídica, na medida em que possibilitariam interpretações diversas que poderiam ser questionadas no Supremo Tribunal Federal.

A contribuição da ação política para a sociedade

O exercício da política em favor do bem comum e da dignidade humana é um dos aspectos tratados na carta apostólica Octogesima adveniens (OA), publicada há 50 anos, em maio de 1971, por São Paulo VI.

O Pontífice ressalta que a ação política deve se desvincular de interesses particulares e de ideologias, para que tenha como base de sustentação “um esquema de sociedade, coerente nos meios concretos que escolhe e na sua inspiração, que deve alimentar-se numa concepção plena da vocação do homem e das suas diferentes expressões sociais” (OA, 25).

São Paulo VI indica que o poder político constitui o vínculo necessário para garantir a coesão desse corpo social e “deve ter como finalidade a realização do bem comum. Assim, ele deverá agir com respeito pelas legítimas liberdades dos indivíduos, das famílias e dos grupos subsidiários, a fim de criar, eficazmente e para proveito de todos, as condições requeridas para atingir o bem autêntico e completo do homem, incluído o seu fim espiritual; deverá desenvolver a sua ação dentro dos limites da sua competência, que podem ser diversos, conforme os países e os povos; deverá intervir sempre com uma preocupação de justiça e de devotamento ao bem comum, pelo qual ele mesmo tem a responsabilidade suprema; por outro lado, não deve subtrair aos indivíduos e aos grupos intermediários o campo próprio das suas atividades e das suas responsabilidades, atuando no qual contribuirão para esse bem comum” (OA, 46).

Ainda neste ponto da carta apostólica, o Pontífice indica que “a política é uma maneira exigente – se bem que não é a única – de viver o compromisso cristão, a serviço dos outros. Sem resolver todos os problemas, naturalmente, a mesma política esforça-se por fornecer soluções para as relações dos homens entre si”, de modo que o bom exercício da política ajuda e é ponte para a prática da caridade.

Homens públicos e o bom uso das verbas

Na encíclica Populorum progressio (PP), em 1967, São Paulo VI já alertava a respeito da urgência de os Estados e as pessoas fazerem bom uso dos recursos de que dispõem: “Quando tantos povos têm fome, tantos lares vivem na miséria, tantos homens permanecem mergulhados na ignorância, tantas escolas, hospitais e habitações, dignas deste nome, ficam por construir, torna-se um escândalo intolerável qualquer esbanjamento público ou privado, qualquer gasto de ostentação nacional ou pessoal, qualquer recurso exagerado aos armamentos” (PP, 53).

Especialmente os cristãos que ocupam funções públicas são chamados em sua ação política a encontrar “uma coerência entre as suas opções e o Evangelho e, dentro de um legítimo pluralismo, por dar um testemunho, pessoal e coletivo, da seriedade da sua fé, mediante um serviço eficaz e desinteressado para com os homens” (OA, 46).

Ao receber em audiência um grupo de deputados da União Cristã Social do Parlamento da Bavária, da Alemanha, em 6 de outubro de 1971, São Paulo VI ressaltou que os cristãos leigos na política têm a tarefa de “defender o reconhecimento dos direitos de Deus na vida pública no quadro das possibilidades que lhes são dadas” e que sempre devem “defender a verdade, a justiça e a paz, sem se deixar abater pelas tendências opostas dos tempos”.

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