“No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expectativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã”. Bem pode-se dizer que este trecho introdutório da Spes non confundit, bula de proclamação do Jubileu 2025, sintetiza o que a Maria e José vivenciaram desde a Anunciação do Anjo à Virgem de Nazaré.
Ainda que sejam suscintos os relatos bíblicos nos evangelhos segundo Lucas (1-2) e Mateus (1-2) sobre o nascimento e a infância de Jesus, inequívocos são os sinais de que a Sagrada Família confiou nos desígnios de Deus diante das muitas incertezas.
ONDE NASCERÁ O SALVADOR?
Já em fase avançada de gestação, Maria e José tiveram de fazer uma longa e cansativa viagem entre Nazaré, na Galileia, e Belém, na Judeia, distantes cerca de 150km.
“Um recenseamento, com a finalidade de determinar e depois cobrar os impostos, é a razão pela qual José com Maria, sua esposa que está grávida, se deslocam de Nazaré até Belém. O nascimento de Jesus na cidade de David situa-se no quadro da grande história universal, embora o imperador [César Augusto] nada saiba dessa gente simples que, por causa dele, tem de viajar em um momento difícil, e assim, aparentemente por acaso, o Menino Jesus nascerá no lugar da promessa”, escreve o Papa Bento XVI no livro “Jesus de Nazaré, A Infância de Jesus”, publicado em 2012.
Estando a Sagrada Família em Belém, foi chegado o tempo do nascimento de Jesus Cristo, e Maria “deu à luz seu filho primogênito, e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o em um presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7).
“O deslocamento de José e Maria para Belém nos permite refletir sobre o modo de Deus agir na história. O poderoso César Augusto, mesmo sem saber, ao decretar o recenseamento – instrumento utilizado com fins políticos, econômicos e militares – colaborou com a realização dos planos de Deus. Assim, o Messias nascerá em Belém conforme anunciou o profeta Miqueias: ‘Mas tu, Belém de Éfrata, pequenina entre as aldeias de Judá, de ti é que sairá para mim aquele que há de ser o pastor de Israel’ (Mq 5,1). Fica claro que Deus, ao escolher Maria e José para uma missão tão sublime é providente”, explicou, ao O SÃO PAULO, o Padre Gilson Luiz Maia, membro do governo geral da Congregação dos Rogacionistas do Coração de Jesus, que tem estudos em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e que já foi secretário do Departamento de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).
A FUGA PARA O EGITO
Após os Reis Magos terem adorado o Menino, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José e o orientou a fugir para o Egito para que o Salvador não fosse morto (cf. Mt 2,13-14).
“Jesus escapa das mãos de Herodes, graças a uma particular intervenção divina e à solicitude paterna de José, que o leva juntamente com sua Mãe para o Egito, onde residem até à morte de Herodes. Retornam depois para Nazaré, a sua cidade natal, onde a Sagrada Família inicia o longo período de uma existência escondida, cadenciada pelo cumprimento fiel e generoso dos deveres cotidianos”, escreve São João Paulo II na carta Gratissimam sane (GS 21).
Padre Gilson ressalta que Maria e José, “ambos – Peregrinos de Esperança – responderam prontamente ao chamado de Deus, para quem nada é impossível. Como família, eles experimentaram muitas dificuldades, enfrentadas com amor, fé e esperança. De um lado, sentiram a alegria de receber o Emanuel, o Menino Jesus, Deus no meio de nós. De outra parte, as perseguições e a inesperada, porém necessária, fuga para o Egito, lugar no qual o povo de Deus padeceu a escravidão (cf. Ex 20,2-11). Nos evangelhos da infância, quer em Mateus, quer em Lucas, fica claro que Maria é nossa irmã e companheira na fé. No cotidiano da vida em Belém, no Egito ou em Nazaré, ela cultivou a fé. Ela e José, seu esposo, aprenderam a sonhar os sonhos de Deus”, comenta o Sacerdote, que também é autor do livro “Itinerário Espiritual de Maria de Nazaré – meditações sobre o Magnificat” (editora Ave-Maria).
PEREGRINOS DE ESPERANÇA
No ponto 3 da carta apostólica Patris corde, o Papa Francisco afirma que tanto na fuga para o Egito quanto no regresso a Nazaré, o ‘Pai Adotivo de Jesus’ sempre teve confiança no que lhe anunciara o Anjo do Senhor: “José não hesitou em obedecer, sem se questionar sobre as dificuldades que encontraria”.
“Maria e José são modelos de pessoas abertas à ação do Espírito Santo, prontas para acolher com generosidade o chamado de Deus que nos chama, envia e sustenta na missão. São Peregrinos de Esperança no sentido amplo da expressão. Ambos sintetizam a esperança do povo de Israel e inspiram nossas famílias – cada um de nós – a avançar nos caminhos da fé que não dispensa sacrifícios. Convém recordar que a esperança é uma das três virtudes teologais: fé, amor e esperança. Trata-se de dons acentuados na vida dos seguidores de Jesus, que nos ensinou a amar até às últimas consequências (cf. Jo 13,1)”, ressalta Padre Gilson Maia.
AOS MIGRANTES E REFUGIADOS DE ONTEM E DE HOJE
Se a fuga para o Egito ocorresse hoje, poder-se-ia considerar a Sagrada Família como migrante ou em situação de refúgio.
“A Sagrada Família teve que enfrentar problemas concretos, como todas as outras famílias, como muitos dos nossos irmãos migrantes que ainda hoje arriscam a vida acossados pelas desventuras e a fome”, afirma o Papa Francisco na Patris corde (PC 5).
De acordo com o Padre Gilson, essa realidade ajuda a lembrar que nem tudo no dia a dia da Sagrada Família era “lindo, fácil e perfeito”; que “a escolha e o chamado de Deus não nos isenta da experiência da cruz e os sofrimentos não nos impedem de amar. Antes, temos a oportunidade de testemunhar nossa adesão e fidelidade ao Senhor, a exemplo de Maria e José”; e que as dificuldades enfrentadas pela Sagrada Família hoje são vivenciadas por aquelas famílias que muitas vezes são obrigadas a escapar da própria terra para salvaguardar a vida, tais como “os refugiados das guerras, os migrantes, e a grande quantidade de jovens feridos que vagam e buscam um lugar ao sol”.
Na bula de proclamação do Jubileu 2025, o Papa Francisco pede a toda a humanidade que não faltem “sinais de esperança em relação aos migrantes, que deixam a sua terra à procura de uma vida melhor para si próprios e suas famílias”, e que também haja oportunidades de inserção social aos exilados, deslocados e refugiados por razões de guerras, violência e discriminação.