A vida em risco: julgamento no STF poderá descriminalizar o aborto no Brasil

Ação sobre o tema deverá ser julgada nos próximos meses. No último fim de semana, católicos rezaram pela vida dos nascituros.

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Na abertura da Semana Nacional da Família, no domingo, 13, os católicos em diferentes partes do Brasil rezaram por “aqueles que têm a missão de promover e defender a vida, para que não se deixem intimidar pelo poder da morte e por ideologias de exploração dos mais vulneráveis”.

A prece foi um pedido da Comissão Episcopal para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em razão de um julgamento que poderá ser retomado em breve no Supremo Tribunal Federal (STF) e resultar na autorização para ceifar a vida dos nascituros.

Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em março de 2017, que pretende que o STF reconheça a inconstitucionalidade dos artigos 124 a 126 do Código Penal, o que permitiria a interrupção induzida e voluntária de uma gestação – a prática do aborto – até as 12 primeiras semanas.

A relatora da ADPF 442 é a ministra Rosa Weber, que até outubro irá se aposentar da Suprema Corte, mas antes deve colocar a questão para ser julgada pelos ministros.

A ADPF 442 E A PAUTA ABORTISTA

No Brasil, o aborto é crime, tipificado no Código Penal, e só não é punido quando não há outro meio para salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro, e ainda para os casos em que o feto é anencéfalo, conforme definiu o STF em 2012.

Na ADPF 442 se argumenta que os artigos 124 a 126 do Código Penal ferem o planejamento familiar e não garantem autonomia às mulheres para interromper a gestação sem necessidade de permissão do Estado; além disso, os proponentes alegam que se deve garantir aos profissionais de saúde o “direito” de realizar o procedimento.

Em uma contextualização sobre o tema enviada aos bispos de todo o Brasil e agentes de pastoral, a Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB ressalta que a descriminalização do aborto “seria uma abertura para o avanço da pauta abortista e de uma escalada de morte”.

A Comissão lembra ainda que dois projetos de lei que visavam à descriminalização do aborto não foram aprovados pelo Congresso Nacional na década de 1990, e que se o STF autorizar o aborto no País assumirá a função de legislador, fora de sua competência, “indo ao encontro do ativismo judicial prejudicial à relação entre os Poderes Legislativo e Judiciário”.

MUITAS VIDAS EM RISCO

No dia 10, em Brasília (DF), Dom Reginei José Modolo, Bispo Auxiliar de Curitiba (PR) e Referencial da Comissão Especial de Bioética da CNBB, participou de um seminário sobre a ADPF 442. Ele alertou que o argumento da referida Arguição está fundamentado em uma tese que estabeleceria um princípio de gradualidade da dignidade humana, de modo que “ser pessoa ou não ser pessoa decorreria tão somente de uma de uma decisão interpretativa da Constituição por parte da Suprema Corte. Luminosa é a inversão da ordem: o Direito que surge para proteger a pessoa, passa a ser dela o criador”, lamentou.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o advogado Miguel da Costa Carvalho Vidigal, que integra a diretoria da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), explicou que a ADPF 442 pretende criar um “artifício jurídico” para que magistrados decidam que a viabilidade de uma vida se dê na medida em que o ser humano possa se “autodeterminar”, algo que colocará em risco não apenas os nascituros.

“Se a Suprema Corte aprovar o aborto no Brasil com esse argumento, estarão escancaradas as portas não só para a liberação total do aborto, como também do infanticídio e do assassinato de idosos e mesmo deficientes físicos. Afinal, qual bebê de 1 ano tem autonomia? Quantos idosos e eficientes conhecemos que necessitam de cuidados a todo momento para os atos mais banais? Terá sido um precedente jurídico no Brasil enorme”, detalhou o advogado e doutorando em Direito Civil na USP.

Vidigal lembrou que a intenção dos que subescreveram a ADPF 442 é abrir um caminho para que o aborto possa ser realizado para além das 12 semanas de gestação. “É necessário que a população brasileira esteja atenta ao que se passa nessa ação. A palavra democracia, como em outros temas, está sendo usada nesse caso para implantar no Brasil uma política que não tem o mínimo apoio popular”, afimou, recordando a pesquisa Datafolha de maio de 2022 em que apenas 8% dos brasileiros se disseram favoráveis ao aborto em qualquer caso e em qualquer tempo. “E não basta dizer que é a democracia que está sendo vilipendiada, é preciso sempre recordar que o aborto ceifa uma vida humana criada por Deus, um DNA que nunca se repetirá. Espero que os magistrados da Suprema Corte não assumam a responsabilidade de tan- tas vidas perdidas”, expressou.

Aborto, não! Um compromisso cristão

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papa gravida

A inviolabilidade da vida humana sempre foi defendida pela Igreja Católica. Já no século I, a Didaqué, considerada o primeiro catecismo cristão, indicava: “Não matarás a criança mediante aborto, nem matarás o recém-nascido” (Capítulo II). Também o atual Catecismo da Igreja Católica aponta que “a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção. O aborto e o infanticídio são crimes nefandos” (§2271).

Ao longo da história, os Papas explicitaram que qualquer permissão ao aborto viola a dignidade humana. Na encíclica Humanae vitae, em 1968, São Paulo VI declarou que não se deve permitir “a interrupção direta do processo generativo já iniciado, e, sobretudo, o aborto querido diretamente e procurado”.

São João Paulo II, na encíclica Evangelium vitae, em 1995, apontou que “reivindicar o direito ao aborto, ao infanticídio, à eutanásia, e reconhecê-lo legalmente, equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros”.

Bento XVI, falando a membros da Pontifícia Academia para a Vida, em fevereiro de 2011, exortou que os médicos continuem a afirmar “que o aborto não resolve nada, que mata o filho, que destrói a mulher e cega a consciência do pai da criança, muitas vezes arruinando a vida familiar”.

Também o Papa Francisco, em diferentes ocasiões, tem reafirmado a voz da Igreja em favor da vida. No voo de regresso da viagem apostólica à Eslováquia, em setembro de 2021, o Papa enfatizou que “quem faz um aborto mata, sem meias palavras. Peguem qualquer livro sobre embriologia para estudantes de Medicina. Na terceira semana após a concepção, todos os órgãos já estão lá, até mesmo o DNA… é uma vida humana, esta vida humana deve ser respeitada, este princípio é tão claro! Para aqueles que não conseguem entender, eu faria esta pergunta: é correto matar uma vida humana para resolver um problema?”.

Na recente carta enviada aos bispos e agentes de pastoral, a Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB lembra aos católicos que “em fidelidade ao Evangelho, cabe-nos defender a vida humana, opondo-se a toda discriminação e preconceito, em especial dos mais fortes sobre os mais fracos, dos maiores sobre os menores, dos grandes sobre os pequenos. Não fazê-lo é associar-se à cultura de morte, que tudo relativiza e mercantiliza, inclusive a vida humana inocente. Somos do Evangelho da vida e da vida em abundância, desde a concepção até a morte natural”. 

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