Avós: Transmitir valores, fortalecer vínculos e ajudar na construção da identidade

Uma das filhas do pedagogo Jair Militão da Silva, 71, e da psicóloga clínica Maria Tereza Pereira Militão da Silva, 67, veio com o marido e os dois filhos, de 10 e 4 anos, da Colômbia, onde moram há alguns anos, para passar o Natal no Brasil. No entanto, devido à pandemia e ao fechamento das fronteiras do país vizinho, o que era para ser uma visita de algumas semanas se transformou em uma estada de sete meses.

Faz pouco mais de uma semana que o casal se despediu dos hóspedes especiais, que, finalmente, conseguiram retornar para casa. E o que ficou foi a lembrança de um intenso período de convívio com os netos.

Jair e Maria Tereza são pais de mais dois filhos e avós de outros três netos, que vivem em São Paulo. Mesmo com a experiência de décadas como professor universitário ou atendendo em consultórios, para eles o período mais rico de aprendizagem humana tem sido desde quando atualizaram seu status familiar para o patamar de avós.

Conviver e interagir

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Silva ressaltou que o maior aprendizado é a oportunidade de interação com os netos, por meio da qual colaboram com o processo de formação deles numa perspectiva completamente diferente da paternidade.

Em primeiro lugar, o pedagogo destacou que a disponibilidade de tempo comum nessa fase da vida permite uma atenção que os pais, pela responsabilidade própria de sua missão, não podem dar. “Os pais devem estar mais atentos à educação imediata dos filhos. Enquanto os avós, pela experiência, maturidade de vida e o papel familiar próprio, têm uma perspectiva de longo prazo, entendem que a educação se dá em um processo”, explicou.

Silva acrescentou que, mais do que ensinar formalmente, os avós educam por meio do convívio e do testemunho de suas experiências de vida. “Em vez de dizer: ‘Não se deve fazer isso ou aquilo’, podemos dizer: ‘Para mim, foi melhor fazer assim ou daquele modo’. Claro que existem questões operacionais em que podemos ensinar diretamente, mas, quando se trata da transmissão de valores, o testemunho é muito mais eficiente.”

Contar histórias

Outro aspecto que a relação com os avós possibilita é construção da consciência hereditária, não apenas biológica, mas, sobretudo, cultural e afetiva das crianças. “O encontro com uma tradição, com as raízes, é de suma importância para o desenvolvimento humano”, acentuou o pedagogo, destacando as narrativas como um meio eficaz de transmissão desses valores.

Momentos como os das refeições são ocasiões oportunas para contar histórias sobre acontecimentos da vida, que despertam nos netos a consciência sobre sua origem e dão respostas a alguns hábitos e costumes familiares. “Não dá para passar os valores para uma criança de forma teórica ou sistemática, mas pelas reações e comportamentos diante dos acontecimentos narrados e vivenciados”, completou.

A transmissão de valores, habilidades e bons hábitos também se dá pelo envolvimento dos netos em tarefas e atividades cotidianas dos avós. O mesmo acontece em relação aos valores religiosos. “Quando rezamos antes das refeições ou de dormir, quando manifestamos a fé diante de alguma dificuldade ou situação difícil, ajudamos a compreender concretamente essa dimensão religiosa da vida”, destacou Silva. “Muitas vezes, alguns netos nos abordam com dúvidas sobre questões religiosas, pedem que expliquemos mais sobre algumas realidades. Eles buscam em nós referências sobre esse aspecto”, exemplificou.

Família ampliada

A partir da experiência pessoal e do conhecimento profissional com seus netos, tanto o pedagogo quanto a psicóloga consideram fundamental para o desenvolvimento humano das crianças e dos adolescentes a oportunidade de crescer em um ambiente cujas relações não se restrinjam ao núcleo familiar exclusivo dos pais e dos irmãos. Ao contrário, deve-se valorizar a experiência da “família ampliada”, na qual os avós têm papel fundamental.

“Também a interação com os primos, tios e demais parentes é importante. O que ajuda a constituir a identidade de uma pessoa é pertencer a um grupo de referência”, afirmou Silva, sublinhando também o papel da comunidade que agrega outras famílias e amplia as possibilidades de relações, como é o caso da comunidade eclesial.

Limites

Também é fundamental que os avós tenham clareza do seu papel, que não pode ser confundido com o dos pais. “É preciso ter cuidado para não desautorizar os pais. Eles são a autoridade primeira, aqueles que guiam, que têm a responsabilidade para ajudar os filhos a crescer e se desenvolver. Os avós colaboram a partir daquilo que lhes é próprio.”

Por outro lado, os avós não podem se esquecer de que também são pais e, como tais, auxiliam seus filhos como referência de paternidade e de maternidade, sem perder a consciência de que seus filhos constituem uma nova família, que agrega valores e características herdadas por cada um dos esposos e, por isso, possui uma autonomia que precisa ser respeitada.

Pela relação afetiva própria que existe entre os netos e os avós, pode haver situações em que os pequenos recorram a estes para intermediarem ou intercederem por conflitos diante de decisões tomadas pelos pais. “Podemos aconselhá-los a dialogar com os pais, a mostrar seus argumentos ou, então, ajudá-los a compreender os motivos da ordem recebida. Contudo, sempre respeitando a autoridade dos pais”, reforçou o avô.

O pedagogo reconhece que há situações familiares em que os avós são os responsáveis pela criação dos netos ou, por diversas circunstâncias, um dos avós acaba se tornando a referência materna ou paterna do neto, como no caso da eventual ausência de uma dessas figuras. No entanto, Silva enfatizou que essas são situações pontuais impostas pelas circunstâncias. “O problema maior é quando as crianças têm pais e os avós acabam assumindo esse papel”, acrescentou, reforçando que a existência desses diferentes entes familiares é essencial para o desenvolvimento humano.

Aprendizado

Por fim, Silva garante que não são apenas os netos que aprendem com os avós, mas estes também adquirem novos conhecimentos e perspectivas graças ao convívio com os pequenos.

“Os netos nos revitalizam. Mesmo sem ter uma abordagem mais técnica sobre o desenvolvimento da criança, basta a interação humana. Nós também aprendemos muito na experiência com os netos. O que mais me impressiona nas crianças é que elas estão abertas para aprender. Devemos também nós aprendermos delas a ter essa abertura de coração”, completou o avô.

Testemunhos de avós e netos

Transmissão de valores

Eraldo dos Santos Candido, 47, é avô da Giovana, Yasmin, Alessandra, Felipe e Samuel. Para ele, a experiência de ser avô corresponde a “ser pai duas vezes”: “Sou muito grato a Deus e a Nossa Senhora pelos netos que tenho, assim como meus três filhos. Meus netos são a razão da minha vida. Busco ensinar a eles a sabedoria da vida, pautado nos valores e na fé. Quero vê-los crescer com saúde e trilhando os caminhos do bem”.

Nely Terezinha Schefer (arquivo pessoal)

Um amor que não se explica

Nely Terezinha Schefer, 67, é avó do Martin de 2 anos e 5 meses. “Ser avó do Martin é uma bênção. É um amor que não se explica. Tive a oportunidade de vê-lo nascer, acompanhei seu primeiro sorriso, os primeiros passos, as primeiras palavras. Como avó, apresentei a ele o mar, o contato com a natureza, enfim, a oportunidade de proporcionar e presenciar as primeiras sensações do meu neto”, disse emocionada. “Foi comigo que o Martin entrou pela primeira vez na igreja. Lembro o olhar do pequeno para cada detalhe. Enquanto eu falava sobre Deus e Nossa Senhora, seus olhos brilhavam”, contou, destacando a necessidade da educação na fé e nos valores da vida e da verdade.

Caminhos da fé

Vitória Karas (arquivo pesoal)

Vitória Karas, 86, é avó de 12 netos e bisavó de sete. “Meus netos são a grande riqueza que tenho. Todos os dias, agradeço a oportunidade de ser chamada de ‘vó’. É um hino aos ouvidos, claro, permeado de responsabilidades, pois busco ensiná-los a trilhar os caminhos da fé e dos valores que aprendi também, com meus avós que já estão junto de Deus”, disse.

Rejane Vitória é uma de suas netas. “Desde pequena, lembro-me dela me orientando sobre a vida. Ela me levou à igreja e me ensinou a rezar”, disse, pontuando os ensinamentos recebidos: “Minha ‘vó’ é um exemplo, ela sempre buscou cultivar os valores relacionados à família, sempre unindo e reunindo a todos nas datas especiais; reforçando a união e a oração como pilares para todos os momentos da vida”.

Histórias de sabedoria

Marilucia e Rafael Alexandro são pais da Fernanda, de 10 anos, e destacam a importância da presença da avó Eulália na formação da neta. “A vovó é uma presença edificante. Ensina, educa e protege. Confiamos nos ensinamentos que ela apresenta e estamos certos dos valores transmitidos; além da vivência da fé, que é um aspecto essencial que norteia os caminhos da nossa filha”, destacou o casal. Fernanda também fala com carinho sobre a avó: “Ela me conta histórias engraçadas e experiências de vida que me inspiram. A ‘vó’ já viveu muitas coisas e, quando ela me conta, fico feliz porque, quando crescer, quero ser forte e determinada na busca dos meus sonhos como a vovó Eulália fez”, disse a pequena, que sonha em ser médica.

(Por Roseane Welter)

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