Bíblia: alimento para a peregrinação dos filhos de Deus

Muitas pessoas afirmam ter dificuldade em ler e compreender as Escrituras, por não entender sua linguagem, símbolos e contextos. É por isso que a Igreja apresenta caminhos e métodos para auxiliar os fiéis

mes da biblia
Luciney Martins/O SÃO PAULO

A Bíblia Sagrada é o livro mais lido do planeta. Traduzida para cerca de 3 mil idiomas, estima-se que quase 4 bilhões de exemplares tenham sido vendidos em todo o mundo.

De bolso, com capa dura, ilustrada, em Braile, em áudio, on-line ou nos dispositivos digitais, a Bíblia está ao alcance de todos, nas mais variadas plataformas e com preços acessíveis. É fato que em alguns países, como a China, a obra ainda seja proibida, sendo mantida clandestinamente pelos cristãos.

Entretanto, a Bíblia não é um livro para simplesmente ter na biblioteca e ser consultada esporadicamente. Ela reúne as Sagradas Escrituras, a Palavra de Deus, pela qual é possível ter uma experiência real e concreta com o Deus vivo. Para isso, é preciso lê-la, meditá-la e vivê-la cotidianamente.

Muitas pessoas afirmam ter dificuldade em ler e compreender as Escrituras, por não entender sua linguagem, símbolos e contextos. É por isso que a Igreja apresenta caminhos e métodos para auxiliar os fiéis a ter uma íntima relação com a Palavra de Deus. Um destes é o “Mês da Bíblia”, celebrado no Brasil em setembro.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Padre João Bechara Ventura, sacerdote da Arquidiocese de São Paulo e mestrando em Sagradas Escrituras pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, dá algumas dicas úteis a quem quer cultivar a leitura bíblica cotidiana.

Evangelhos

Para as pessoas que não sabem por onde começar a leitura, um conselho é iniciar pelos Evangelhos. “Às vezes, as pessoas tentam ler os livros aleatoriamente e não conseguem. Eu aconselharia que, em vez de a pessoa ler toda a história, desde o Gênesis, se não tem familiaridade com os textos, que comece pela leitura dos Evangelhos”, indicou o Padre.

“Eu estou cada vez mais convencido de que para todo católico é necessário ter intimidade com os quatro Evangelhos, para que passe a conhecer a vida de nosso Senhor Jesus Cristo, saber quais foram os momentos mais marcantes de sua vida, desde a Anunciação, início da vida pública, os milagres mais marcantes, as pregações, até os passos da Paixão”, acrescentou.

Uma maneira prática de fazer isso é reservar todos os dias ao menos cinco ou dez minutos para ler os Evangelhos em sequência, capítulo por capítulo, a fim de ter uma continuidade.

Padre João ressaltou que essa é uma característica católica da leitura bíblica, lendo todos os outros livros do Antigo e do Novo Testamento à luz de Jesus Cristo. “Isso nos ajuda a compreender os episódios da Bíblia que parecem um pouco sem sentido para nós. Desde Adão e Eva, passando pelos grandes personagens como Moisés ou mesmo o rei Davi, e muitas das coisas que estão nos profetas, nós vamos entender com maior profundidade se conhecermos a Cristo, vendo que Nele tudo se cumpre, reconhecendo que Ele é o ponto mais alto de toda a Bíblia”, reforçou.

Interpretação

A Constituição Dogmática Dei Verbum, do Concílio Vaticano II, reafirma que a leitura adequada das Sagradas Escrituras deve sempre ser feita à luz da Tradição e do Magistério da Igreja, levando em conta a coerência com as verdades da fé. “Nós não pegamos a Bíblia e vamos tirando conclusões e fazendo interpretações aleatórias segundo os nossos sentimento e intuições”, salientou Padre João.

Algo que pode ajudar a compreender os textos bíblicos são as notas e comentários explicativos contidos nas Bíblias católicas. Há, ainda, diversos livros, muitos deles escritos por santos e doutores da Igreja, que comentam as Escrituras.

A Igreja também incentiva a promoção de cursos bíblicos nas comunidades, encontros de leitura comum das escrituras e métodos de oração, como a Lectio Divina, leitura orante da Bíblia.

Liturgia

No entanto, Padre João recorda que o lugar por excelência da leitura da Palavra de Deus é a Liturgia. “É recomendável que a pessoa leia os textos da Liturgia do dia antes de ir à missa, por exemplo. Isso ajuda a se preparar para ouvir as leituras e a viver a celebração de forma mais frutuosa”, aconselhou.

O Sacerdote explicou, ainda, que um dos critérios para a criação do lecionário, livro que contém as leituras bíblicas das celebrações, após a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, foi para que os fiéis tivessem acesso a uma parte maior da Bíblia, de tal modo que em três anos se lê e se reflete os três Evangelhos sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas – e o Evangelho de São João, que aparece geralmente nas solenidades. “Quem tem a oportunidade de ir à missa todos os dias, tem acesso a muitas leituras do Antigo Testamento, por exemplo”, acrescentou.

Também é importante o papel dos padres para ajudar os fiéis a compreender o que dizem em as Escrituras. “A dificuldade, algumas vezes, está em entender o conteúdo teológico, o que Deus está querendo nos dizer. Aí entra a o padre ou alguém que tenha uma boa formação na área. É muito recomendável fazer os cursos bíblicos bons e não cair no ‘eu acho’ em relação às Escrituras”, enfatizou Padre João.

Inspiração Divina

Outro aspecto que é preciso ter claro para uma reta interpretação da Bíblia é compreender que seus livros foram inspirados por Deus. “Há uma tendência de simplesmente ver a Bíblia como um livro antigo e submetê-la aos métodos todos de crítica textual, redacional, histórica e vê-la simplesmente como um monumento da literatura”, alertou Padre João.

“Deus, quando inspirou os hagiógrafos [autores inspirados nas Sagradas Escrituras], usou as competências humanas, os momentos históricos que eles viviam, assim também como os primeiros destinatários a partir da experiência de fé por eles vividas”, acrescentou o Sacerdote.

Padre João ressaltou, ainda, que quanto mais se conhece e se familiariza com a Bíblia, mais se percebe que “é impossível que uma obra humana coletiva tão perfeita, tão rica, tão profunda, que falou naquele tempo para pessoas concretas, que continua falando hoje e falará até o fim dos tempos para todos aqueles que dela beberem, não ser inspirada por Deus.

História da Salvação

Aqueles que desejam conhecer melhor as Sagradas Escrituras precisam compreender que em todos os seus livros, nos mais variados estilos, sejam os históricos, sapienciais, poéticos, apocalípticos, entre outros, perpassa a história da salvação do povo de Deus.

“Todos esses textos se inserem na história da salvação e foram inspirados por Deus para alimentar o que, no fundo, é a peregrinação dos filhos de Deus, da história do seu povo em direção à salvação, em direção à consumação dos tempos. Tudo se insere nesta história e neste percurso”, completou o Padre João.

(Colaborou: Jenniffer Silva)

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários