Como será o ‘novo normal’ no mundo do trabalho?

Pós-pandemia terá aumento de home-office e mais oportunidades para quem lida com tecnologias

Ao menos 5,3 milhões de pessoas em todo o mundo devem perder o emprego em razão dos impactos da pandemia do novo coronavírus na economia, conforme um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado em abril. Em um cenário mais pessimista, com base em projeções do Produto Interno Bruto (PIB) dos países, o contingente de novos desempregados pode chegar a 24,7 milhões de trabalhadores.

Essa situação, somada a uma esperada intensificação da crise econômica mundial, faz com que empresas repensem desde já seus modelos de negócio, incluindo estratégias no ambiente virtual.

Na avaliação de Gustavo Henrique Bolognesi Donato, reitor do Centro Universitário FEI, pós-graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e doutor em Engenharia pela Poli-USP, já é evidente que se têm destacado e experimentam ganhos de eficiência as corporações e setores que estavam mais bem preparados para o processo de virtualização das operações, “o que vai do trabalho de seus colaboradores ao atendimento dos clientes, garantia das atividades-fim ou meio, ou seja, o relacionamento com todos os stakeholders [partes envolvidas ou interessadas nas atividades] em todos os momentos das cadeias”.

Para Donato, do ponto de vista das relações do trabalho, haverá um avanço do home office, aumento na digitalização das plataformas e processos – incluindo as demandas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – e os profissionais também terão de se adequar e desenvolver novas competências.

Também em relação às pequenas empresas, segundo Fábio Gerlach, gerente regional em São Paulo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), aquelas que possuíam um mínimo de digitalização têm resistido melhor aos impactos da pandemia e estão repensando modelos de atuação. “Já há uma percepção de que muita coisa que se fazia até então talvez não seja mais preciso, e veremos novos mercados surgirem. Será indispensável também conseguir entender o quanto o outro, o cliente, se comporta”, comenta.

Ajuda mútua

A manutenção de cada empresa no pós-pandemia também dependerá de uma maior cooperação entre empresários e trabalhadores, na avaliação de Sérgio Cavalieri, membro do Conselho de Administração do grupo Asamar S/A e atual presidente da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa (ADCE) no Brasil.

“A crise nos trará um amadurecimento nesta relação: mais responsabilidade tanto dos empregadores quanto uma maior consideração do trabalhador em relação ao seu próprio emprego, a sua empresa. Tenho visto as pessoas trabalhando com garra, com gosto e felizes em poder levar o sustento para casa. A empresa é uma dádiva para a sociedade. Assim, é preciso buscar a valorização de cada lado, e isso poderá trazer um ambiente de produção melhor para o País e de maior produtividade e de distribuição mais justa da riqueza”, avalia.

Cavalieri diz que tem observado um maior zelo das empresas em relação à saúde dos trabalhadores e de seus familiares, bem como na higienização dos ambientes, expedientes que ele acredita que permanecerão após a pandemia.

Do outro lado do mundo

Os países asiáticos lidam há mais tempo com as mudanças impostas pelo novo coronavírus, e alguns já retomaram suas atividades produtivas, redobrando os cuidados com os procedimentos de higiene.  

(Crédito: Organização das Nações Unidas)

Pós-doutor em Ciências Sociais na área de Relações Internacionais pela PUC-SP, Carlos Eduardo Riberi Lobo, professor do Centro Universitário Assunção (Unifai), aponta que, diante da atual pandemia, “os países asiáticos demonstram que a ação coordenada do Estado num momento de crise e o alto grau de solidariedade social influenciam de modo significativo a capacidade de recuperação, tanto em termos econômicos quanto em termos sociais”.

O professor recorda que os chamados “Tigres Asiáticos” da primeira geração – Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Cingapura – realizaram seu desenvolvimento econômico, industrial e social após a 2a Guerra Mundial com foco na produtividade e no mercado externo, e assim conseguiram, por décadas, acumular capital para investir na área social e educacional. “O trabalho é visto nos países asiáticos mais como uma ‘função social’ do que meramente uma forma de ascensão individual”, comenta.

A contribuição cristã

Para o presidente da ADCE-Brasil, o olhar cristão para o trabalho humano deve ser considerado para este novo cenário das atividades produtivas: “Temos a convicção de que os valores cristãos, que são de dignidade humana, que passam pela valorização das empresas e pela preocupação em servir à sociedade, quando colocados em prática pelo meio empresarial, dão resultados fantásticos, transformam as empresas”.

Reitor de um centro universitário mantido pelos jesuítas, Donato avalia que os valores cristãos são um diferencial na formação de profissionais de excelência que pensam em inovações com impactos positivos para a sociedade, usando “o melhor da técnica para, observando a sustentabilidade e megatendências das próximas décadas, criar soluções originais e inovadoras que, de fato, estejam disponíveis e sirvam para o bem das pessoas em escala local e global”.

Mudanças

(Crédito: Governo do Estado de São Paulo)

Donato indica que haverá maior necessidade de mapeamento, redesenho e otimização dos processos produtivos, o que demandará a busca das empresas “por especialistas em softwares, inteligência artificial, telecomunicações e segurança cibernética. Nesses segmentos, já houve um aumento de pelo menos 10% no número de vagas durante a pandemia de COVID-19. Também devem evoluir as boas práticas e códigos de conduta no ambiente virtual”, afirma.

Ainda de acordo com o reitor da FEI, se houver bom uso das ferramentas e novas sistemáticas de comunicação e do trabalho descentralizado, será possível uma benéfica “flexibilização das relações, quebra de alguns preconceitos relativos à relação presença-resultado e ganhos de eficiência de um lado e de qualidade de vida de outro”.

Competências profissionais

Donato lembra que todos os trabalhadores deverão estar abertos ao novo, ao aprendizado constante, a uma atuação baseada no que se entrega como valor e às novas formas de empregabilidade; e que, além das habilidades técnicas de cada profissão, serão mais valorizadas as seguintes competências:

1) Domínio e autodidatismo na tecnologia: saber entender e explorar as novas tecnologias é essencial, das mais simples, envolvendo comunicação e relações digitais, às mais sofisticadas: de Inteligência Artificial (IA) e machine learning a Realidade Virtual/Realidade Aumentada (RV/RA).

2) Capacidade de se desenvolver com base em educação e mentoria a distância, em todos os níveis e tendo como pano de fundo uma filosofia de lifelong learning (aprendizado ao longo de toda a vida).

3) Criatividade e inovação: a criatividade e a originalidade humanas serão essenciais para criar novas soluções e modelos de negócio.

4) Liderança, especialmente para quem precisa desenvolver, motivar e engajar equipes, mesmo remotamente.

5) Inteligência emocional.

6) Empatia e capacidade de se comunicar em variados canais.

7) Disciplina, foco e capacidade de gerir resultados ao trabalhar remotamente.

8) Resiliência e capacidade de gerenciar e assumir riscos.

9) Pensamento crítico, essencial para a tomada de decisão em ambientes dinâmicos e muitas vezes envolvendo incertezas.

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