Dom Paulo Evaristo é recordado por atuação em favor do diálogo católico-judaico

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Como parte das comemorações do centenário de nascimento do Cardeal Paulo Evaristo Arns (1921-2016), a Comissão Nacional de Diálogo Religioso Católico- -Judaico (DCJ) realizou no domingo, 24, o evento on-line “Dom Paulo, pessoa de fé sem fronteiras”, transmitido pelo YouTube da Arquidiocese de São Paulo, durante o qual se recordou a atuação do Cardeal Arns em favor do diálogo inter-religioso, em especial entre cristãos e judeus.

No encontro, mediado por Raul Meyer, diretor da Academia de Estudos Judaicos da Congregação Israelita Paulista, e pelo Cônego José Bizon, Diretor da Casa da Reconciliação, também houve apresentações gravadas do Coral Portal do Morumbi e do Coro Luther King e foram mostradas cenas do filme “Coragem! As muitas vidas do Cardeal Paulo Evaristo Arns”, lançado em 2019 pelo jornalista Ricardo Carvalho, que retrata as ações de Dom Paulo como Arcebispo de São Paulo e sua atuação em favor da democracia.

Homem do diálogo

Cônego Bizon destacou o apoio de Dom Paulo para o surgimento da Casa da Reconciliação nos anos 1980, e a organização da DCJ, instituída em 1981, como fruto, especialmente, dos diálogos do “Cardeal da Esperança” com o Rabino Henry Sobel (1944-2019), intensificados após o ato inter-religioso de 31 de outubro de 1975, na Catedral da Sé, em repúdio ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog, de origem judaica.

“Trata-se de uma comissão mista e permanente, criada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sendo composta por pessoas pertencentes às comunidades católica e judaica, interligadas por objetivos a serem alcançados em quatro níveis de diálogo: institucional, teológico, de ação conjunta e de contato pessoal”, explicou o Cônego. Ele recordou que Dom Paulo recebeu uma menção honrosa da DCJ em 11 de junho de 1989; ganhou, em 1994, o Prêmio Niwano da Paz, de uma fundação mantida por budistas, e utilizou a premiação para construir a Casa de Oração do Povo da Rua. Foi ainda homenageado de forma conjunta pela Congregação Israelita Paulista e a DCJ em 1998.

Irmã Maria José Mendes, da Congregação das Franciscanas da Ação Pastoral, falou sobre a atenção cotidiana de Dom Paulo pelos mais pobres e a busca da união entre os que têm fé. “Dom Paulo foi sempre um homem muito ecumênico, muito integrado com tudo. Ele dizia: ‘Precisamos estar juntos, porque Jesus Cristo é um só’”, recordou a Religiosa da Congregação, cujas irmãs cuidaram do Cardeal Arns desde 1987 até a sua morte, em dezembro de 2016.

Dom Paulo Evaristo e o Rabino Henry Sobel

Coragem

Filho de Vladimir Herzog, Ivo Herzog recordou que o primeiro contato que teve com Dom Paulo foi no ato de 31 de outubro de 1975, um evento que, em seu entender, foi determinante para a retomada da democracia no País.

“Dias antes, generais estiveram com Dom Paulo, fizeram ameaças, diziam que ele seria responsável por um massacre, mas ele respondeu que não opinava sobre quem visitava os quartéis e que, portanto, não aceitaria que generais opinassem sobre quem iria à Casa de Deus. Mais de 8 mil pessoas estiveram na Catedral da Sé. Elas foram em silêncio, ouviram as palavras de Dom Paulo, Henry Sobel e do Reverendo James Wright denunciando o que tinha acontecido com meu pai, e depois foram embora em silêncio. Penso que este silêncio, esta demonstração de paz, serenidade e maturidade foi o golpe fatal contra a ditadura militar. O processo de redemocratização do Brasil começou naquele dia, ainda que tenha levado mais de dez anos para ser concluído. Dom Paulo, apesar de sempre muito firme, tinha um tom de voz de paz, de conciliação”, destacou Ivo Herzog.

Falando diretamente de Jerusalém, o Rabino Ruben Sternschein destacou que o Cardeal Arns “foi um líder religioso inesgotável na sua iniciativa, na sua criatividade, na sua busca por fazer tudo mais e melhor e se focou, principalmente, em buscar o rosto divino em todos os rostos humanos. Descobriu o rosto divino em todo o lado que estava oculto e clamou sua presença onde faltava”.

Ao longo do encontro também foram recordados trechos da declaração Nostra aetate, publicada em 1965, sobre a relação da Igreja com as religiões não cristãs, e algumas frases de Dom Paulo a respeito deste diálogo, como esta: “Quando chegou o primeiro convite para participar como Arcebispo de uma reunião inter-religiosa internacional, aceitei com tanta espontaneidade… Para mim era uma experiência fraterna… Tudo ocorreria num ambiente religioso, com respeito sobretudo ao Islamismo e à tradição israelita… Durante o dia, nossas conversas, por mais calorosas que fossem, sempre traziam à mente algum pensamento religioso que pudesse apressar a paz entre os povos”.

Acolhida lúcida ao Concílio Vaticano II

O Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, enalteceu a realização do evento on-line e destacou que a comemoração do centenário de nascimento do “Cardeal da Esperança” é ocasião propícia para obter registros e conversar com aqueles que conviveram com Dom Paulo, a fim de que as memórias sobre ele não se percam ou passem futuramente por reinterpretações equivocadas.

Dom Odilo enalteceu a atuação de Dom Paulo Evaristo em favor do diálogo inter-religioso à luz do Concílio Vaticano II, em especial a partir do que se propõe na Nostra aetate.

“Para além de alguns momentos mais expressivos como o da homenagem fúnebre a Vladimir Herzog, Dom Paulo incentivou os estudos sobre o Judaísmo, reuniões e momentos de diálogo com autoridades e representantes da comunidade judaica. Incentivou, também, os estudos bíblicos e ecumênicos para aprofundar o conhecimento sobre as raízes judaicas do Cristianismo”, apontou o Arcebispo de São Paulo, ressaltando o papel de Dom Paulo para a promoção do diálogo católico-judaico, “a partir dos estudos que fez e da sua lúcida acolhida ao Concílio Vaticano II”.

O Cardeal Scherer lembrou, também, que, diante do contexto atual de polarizações, crise cultural e questionamentos de valores da dignidade humana, “o exemplo de Dom Paulo é uma referência importante para que mantenhamos a lucidez do respeito, do reconhecimento da diferença de religião e dos que pensam diferente de nós”.

Na conclusão do evento, Raul Meyer se valeu de uma frase de Henry Sobel para lembrar o quanto os feitos de Dom Paulo podem ainda inspirar gerações: “No momento em que íamos ao cemitério levando alguém para a sua última morada ou em visita a quem já tinha falecido, o Rabino Sobel dizia uma frase interessante: ‘Se continuarmos a amar aqueles que perdemos, nunca perderemos aqueles que amamos’. Nesse sentido, nunca perderemos Dom Paulo Evaristo Arns porque o amor e o respeito por tudo o que ele fez continua vivo em todos desta comissão e naqueles que trabalham por um mundo melhor”.

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