Fé e solidariedade: forças maiores que os estragos das enchentes

Foto: Arquidiocese de Porto Alegre/Mensageiro da Caridade

Igrejas submersas pelas fortes chuvas. Paróquias, sacristias, capelas e salões paroquiais transformados em espaços de acolhida, apoio e lar para as centenas de pessoas desabrigadas e que perderam tudo, na maior tragédia de enchentes da história do Rio Grande do Sul.

O cenário é devastador, mas, unidos, sacerdotes, religiosos e leigos estão na linha de frente de ações e gestos concretos para amenizar o sofrimento dos afetados pelas chuvas e não deixar que percam a esperança de dias melhores.

Movidos pela fé, caridade e esperança

São Leopoldo (RS), a 35km da capital gaúcha, é um dos municípios mais afetados pelas chuvas: 82% dos 220 mil habitantes estão desabrigados ou desalojados.

A matriz da Paróquia Nossa Senhora Medianeira, no bairro Vicentina, está submersa. “A situação é de muita destruição! Cerca de 90% da área da nossa paróquia está alagada. A igreja, a casa paroquial, as salas pastorais, o espaço da Cáritas e o salão paroquial estão completamente alagados! E outras três capelas estão embaixo da água”, contou, ao O SÃO PAULO, o Padre Ezequiel Herold de Sousa, Pároco.

Emocionado, o Sacerdote relatou que a única comunidade que não está alagada é a São João Batista, que serve de abrigo para mais de 150 pessoas. “É neste espaço que estou celebrando missas, promovendo momentos de oração, fazendo o atendimento espiritual e criando formas para oferecer um pouco de conforto em meio a tanto sofrimento”.

Minutos antes de conversar com a reportagem, Padre Ezequiel havia ajudado a descarregar uma carreta de doações vindas de Itaúna (MG), a terceira que a Paróquia já havia recebido desde o início das inundações.

“Assim como os paroquianos e a população leopoldense, também estou fora de casa. Estou acolhido na casa paroquial da Paróquia Nossa Senhora das Graças, no bairro Benfeitoria, um dos poucos não atingidos pelas enchentes e, aqui, junto com o Padre Filipe Mirapalheta, estamos engajados em ações solidárias”, contou.

Padre Ezequiel disse que na comunidade não alagada são servidas as refeições para os abrigados e feita a distribuição de água, roupas e itens de higiene.

“Quando voltarmos para nossas casas, o que vamos encontrar? Vamos precisar reconstruir tudo: casas, comunidades e parte do nosso estado. Todo recomeço é demorado e necessário, mas a fé, a caridade e a esperança nos movem, é fé traduzida em boas obras. Por isso, contamos com o apoio e orações de todos para passar por tudo isso”, ressaltou o Sacerdote.

Dos 497 municípios gaúchos, ao menos 447 sofreram algum impacto das chuvas; Até a terça-feira, 14, o número de mortos chegava a 149
Lauro Alves/GovRS

Mãos solidárias

Em Eldorado do Sul, a 10km de Porto Alegre, 90% da cidade está inundada. Padre Fabiano Glaeser dos Santos, Pároco na Paróquia Nossa Senhora Medianeira, afirmou que a igreja matriz e outras cinco comunidades estão submersas. A Capela Nossa Senhora de Lourdes é a única que não foi atingida.

“A cidade está às margens dos rios Jacuí e Guaíba e virou um único rio. Saí de casa com a água pela cintura. Essa é a terceira enchente em nove meses e aproximadamente 42 mil pessoas estão em abrigos, ginásios, casas de parentes e nas cidades vizinhas. Estamos ilhados, pois a via de acesso à capital cedeu”, relatou o Sacerdote.

Diversos voluntários organizam equipes para o preparo de marmitas aos acolhidos nos acampamentos, provindas também de paróquias vizinhas. “Formou-se uma verdadeira rede de solidariedade. Com doações de água, marmitas e itens de higiene. Voluntários nos resgates. A união do povo e a solicitude em ajudar o irmão impressiona e acalenta o coração”, avaliou.

Padre Fabiano tem presidido a Eucaristia na comunidade e promovido momentos de oração on-line. “É preciso manter a chama da fé viva e ficar próximo dos paroquianos e de todos neste momento, como o Bom Pastor junto a seu rebanho”, finalizou.

Recomeçar sempre

A Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro de Fátima, em Pelotas, a 300km da capital gaúcha, está na rota do escoamento das águas provindas de Porto Alegre e arredores, no sentido de Pelotas e Rio Grande, na região Sul do estado.

Frei Leandro Donizete, dos Frades Inacianos (SIA), conversou com a reportagem no fim de semana enquanto as águas estavam invadindo as ruas do entorno da igreja, que está localizada em uma região baixa e é construída em espaço de várzea.

“Pelotas tem pouco mais de 300 mil habitantes. Nos bairros atingidos pelas águas, 150 mil pessoas tiveram de se deslocar de seus lares. Aproximadamente um terço da cidade será alagada”, afirmou o Frade, recordando que, em 1941, o bairro ficou totalmente submerso e, que a previsão é que a cena se repita agora.

“A casa paroquial e o salão comunitário estão no segundo andar e o espaço virou um grande depósito ao qual as famílias trouxeram seus pertences para protegê-los: eletrodomésticos, camas, enfim, tudo que é possível guardar das inundações”, afirmou.

Entre as ações realizadas pela Paróquia, o Frade mencionou as campanhas de arrecadação de alimentos, roupas, cobertores e de material de higiene e limpeza. “O povo tem sido muito generoso. Mas é um cenário de guerra. Há muitas crianças em espaços das igrejas da cidade e locais disponibilizados pela prefeitura. A equipe de Catequese fez uma ação social para recolher doces e brinquedos e levou a essas crianças atividades para distrai-las e alegrá-las”, mencionou.

“Como a meteorologia e a Defesa Civil alertaram sobre as inundações, fizemos uma grande mobilização para as pessoas deixarem suas casas em busca de abrigo seguro. Percorremos as ruas do bairro com avisos sonoros e mensagens nos grupos de WhatsApp. Graças a Deus, o apoio da comunidade com doações e o trabalho dos voluntários são abundantes. Isso significa uma expressão do amor de Deus que cuida das pessoas em seu momento de maior fragilidade”, destacou Frei Leandro que é natural de Garça (SP). “Minha cidade natal enviou cinco carretas de donativos”.

A festa da Padroeira foi cancelada, mas a ideia, segundo o Frade, é percorrer com a imagem de Nossa Senhora de Fátima os pontos não alagados, se houver a autorização do Corpo de Bombeiros, bem como em um barco, as ruas alagadas do entorno da Paróquia. “A fé é o que sustenta o povo. A dimensão espiritual, pastoral e missionária da população é algo surpreendente. A generosidade em estender a mão a quem mais precisa tem mobilizado a cidade e o Brasil”, finalizou.

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