
Com a proposta de refletir sobre a identidade e a vocação das instituições hospitalares católicas no Brasil, foi realizado no sábado, 15, e no domingo, 16, no Centro Universitário São Camilo, em São Paulo, o encontro “Hospitais Católicos: Missão e Desafios”.
Cerca de 150 pessoas, entre gestores, mantenedores e profissionais de saúde, participaram deste 1º Encontro de Médicos Católicos, organizado pela Comissão Especial de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
“A identidade dos hospitais, de maneira geral, está enraizada na tradição da Igreja, desde a sua origem”, explicou o Padre Tiago Gurgel do Vale, do clero da Arquidiocese de São Paulo, e Assistente Eclesiástico da Comissão de Bioética da CNBB. Ele também destacou que os primeiros hospitais foram criados por monges que acolhiam e atendiam pessoas sem condições financeiras para custear um tratamento.
“O cuidado ao enfermo é baseado no cuidado que Jesus tinha com os doentes, um cuidado compassivo de quem chega perto, escuta, entende e vê o outro como gente”, enfatizou Padre Tiago.
TEMAS EM PAUTA
Durante o encontro foi enfatizada a importância de se preservar o apostolado dos hospitais católicos de cuidado com os enfermos, a fim de garantir que cada paciente, mesmos nas circunstâncias mais difíceis, receba um atendimento que respeite sua dignidade e vida.
Também foram discutidos temas que implicam questões bioéticas, como aborto, reprodução assistida, métodos anticoncepcionais, terminalidade da vida, além da relação dos hospitais católicos com os setores público e privado. O objetivo foi identificar desafios e propor soluções para que as instituições possam continuar exercendo sua missão sem comprometer seus princípios.
O DILEMA DAS PARCERIAS COM O SUS

A questão da objeção de consciência, tanto individual quanto institucional, predominou nos debates entre os participantes, dado o dilema ético em que se encontram muitos hospitais católicos, pois, ao firmarem parcerias com o Sistema Único de Saúde (SUS), essas instituições recebem repasses financeiros essenciais à sua manutenção e ampliação de atendimento, mas, por vezes, se deparam com a obrigatoriedade de realizar procedimentos de aborto nos casos em que a lei não pune quem o pratica, ou têm de ofertar métodos contraceptivos. Diante disso, muitas instituições recorrem à objeção de consciência como respaldo jurídico para não fazê-los.
Os debatedores do evento enfatizaram que esse dilema frequentemente gera pressões políticas e questionamentos sobre a continuidade dessas parcerias, desafiando a sustentabilidade dos serviços prestados e exigindo um diálogo constante entre Igreja, Estado e sociedade.
Fernando Pompeu Piza Vicentine, diretor médico da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, citou um caso ocorrido em janeiro de 2024: uma jornalista procurou um dos hospitais da rede com o desejo de colocar o dispositivo intrauterino (DIU). Diante da recusa da profissional que a atendeu em prescrever este contraceptivo, a paciente registrou uma reclamação no Serviço de Atendimento ao Cliente e fez publicações provocativas nas redes sociais que alcançaram mais de dois milhões de visualizações. O caso foi levado ao Ministério Público, com o hospital sendo acusado de discriminação. A instituição foi absolvida em um dos processos, mas outro permanece em curso.
“Este evento prova o quanto é essencial a união dos hospitais católicos para que, por meio da experiência uns dos outros, possamos enfrentar essas provações. Ninguém faz nada sozinho”, disse o diretor médico.
No caso citado, Vicentine enfatizou que o que pesou a favor da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo foi ter um estatuto bem definido, o que garantiu respaldo para a defesa da objeção de consciência. Além disso, o fato de a unidade não receber financiamento governamental proporcionou maior liberdade para manter sua posição, alinhada ao magistério da Igreja.
A médica, obstetra e ginecologista Elizabeth Kipman Cerqueira, cofundadora do Hospital São Francisco e ex-secretária de Saúde na cidade de Jacareí (SP), reforçou que, apesar dos desafios, o SUS ainda é um modelo positivo, desde que não seja instrumentalizado pelos governos.
“Nós que participamos da elaboração do SUS, acreditamos nele como um modelo de serviço de saúde que pode ser seguido por muitas outras nações, mas à medida que vai sendo ideologizado, vira um grande problema”, afirmou Elizabeth.
CRESCIMENTO CONJUNTO E TRABALHO EM REDE


Ao todo, 87 instituições de saúde, com atuação em 54 dioceses das cinco regiões do Brasil, enviaram representantes a este 1º Encontro de Médicos Católicos.
Para o médico Maurício Menna Barreto, diretor técnico do Hospital Divina Providência, de Porto Alegre (RS), o evento proporcionou uma indispensável partilha de experiências: “Tínhamos uma grande expectativa para este encontro, pois estar com outros hospitais católicos do Brasil, que vivem em cenários e realidades tão diferentes, foi uma experiência muito rica. Conseguimos perceber que temos muitas dores em comum, e muitos insights surgiram para que possamos avançar juntos. A partir daqui, vislumbramos novas possibilidades, inclusive para a Associação Brasileira dos Hospitais Católicos, que pode se tornar um celeiro de discussões mais aprofundadas, nos ajudando a reunir dados e, com base neles, aprimorar a gestão e alcançar objetivos concretos para o fortalecimento da nossa missão”.
EVANGELIZAÇÃO E A DEFESA DA VIDA

Entre os participantes do encontro esteve Dom Ricardo Hoepers, Secretário-geral da CNBB. Ele reafirmou o compromisso da conferência dos bispos com a busca de soluções para os desafios enfrentados pelos hospitais católicos. “Realizar este encontro é concretizar um sonho: fortalecer a identidade católica na área da saúde. Contem com a CNBB e com nossa disposição para este caminho sinodal, no qual, juntos, possamos reafirmar nossa missão de evangelizar por meio do cuidado com a vida”.
Dom Reginei José Modolo, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Curitiba (PR), destacou a atuação dos profissionais de saúde para a missão evangelizadora da Igreja: “É a presença e atuação de vocês nessa realidade que nos fornecem dados e testemunhos para sensibilizar o mundo e cumprir nossa grande missão de evangelizar”.
O evento foi encerrado com a missa presidida pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer. O Arcebispo de São Paulo lembrou de como Cristo dava atenção aos enfermos: “Jesus cuidava dos doentes quando os governos da época não tomavam conta dessa parcela da população. Hoje, o Poder Público atua na área da Saúde, mas ainda há muito a ser feito. Trata-se de fazer o mesmo que Jesus, lançar sobre os doentes um olhar que ofereça atenção, compaixão e dignidade”.
Dom Odilo também ressaltou a oportunidade única de evangelização oferecida pelos hospitais: “Muitas vezes, a enfermidade leva a pessoa a refletir sobre o sentido da vida e a se abrir para Deus. Precisamos ajudá-las a encontrar não apenas a cura física, mas também a ‘saúde eterna’, que está no encontro com Deus”.