Ministério da Saúde recua de decisão que acabava com prazo limite para abortos passíveis de despenalização

Nota técnica publicada na quarta-feira, 28, permitia que gravidez resultante de estupro, que coloque em risco a vida da gestante e ainda de feto com anencefalia poderia ser interrompida a qualquer tempo, mesmo às vésperas do nascimento

OMS aborto
Foto: OMS

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, suspendeu na tarde da quinta-feira, 29, a nota técnica que derrubava uma orientação da pasta do ano de 2020 que fixava o limite de 21 semanas e 6 dias de gestação para que se realizasse o aborto nas situações em que ele é despenalizado no Brasil, ou seja, em que mesmo sendo uma prática criminosa, conforme definido no Código Penal, seu autor não é penalizado: quando a gravidez resulta de estupro, se coloca em risco a vida da gestante e ainda se o feto tem anencefalia.

Na nota técnica publicada no dia anterior, o Ministério da Saúde apontava que caberia aos serviços de saúde o “dever de garantir esse direito de forma segura, íntegra e digna oferecendo devido cuidado às pessoas que buscam o acesso a esses serviços”. Na prática, um feto já formado e prestes a nascer poderia ser abortado e os autores do fato não sofreriam qualquer punição.

O documento também anulava a cartilha “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”, na qual constava que “todo aborto é crime” e defendia que houvesse investigação policial.

Em nota à imprensa, o Ministério da Saúde informou que a ministra Nísia Trindade Lima tomou conhecimento da publicação da Nota Técnica nº 2/2024 enquanto cumpria uma agenda fora de Brasília e que  “o documento não passou por todas as esferas necessárias do Ministério da Saúde e nem pela consultoria jurídica da Pasta, portanto, está suspenso”.

OS CATÓLICOS DIZEM NÃO AO ABORTO

Foto: Luciney Martins/ O SÃO PAULO

A convicção sobre a inviolabilidade da vida humana da concepção até o seu fim natural é defendida pela Igreja Católica desde a sua origem.

Já no século I, a Didaqué (ou Doutrina dos 12 Apóstolos), considerado o primeiro catecismo cristão, condenava o aborto: “Não matarás a criança mediante aborto, nem matarás o recém-nascido” (Capítulo II).

Tertuliano, um dos Padres da Igreja, no século III, afirmou com clareza, o princípio essencial: “É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer; pouco importa que se arranque a alma já nascida, ou que se faça desaparecer aquela que está ainda para nascer. É já um homem aquele que o virá a ser”. Os concílios como o de Ancira (314) Elvira (313), Lerida (524), Trullos (629) e Worms (869) também condenaram essa prática.

Santo Tomás de Aquino (1225- 1274) ensina que o aborto é um pecado grave contrário à lei natural. Na Exposição sobre os Dez Mandamentos, no artigo 7, afirma: “Alguns matam somente o corpo, mas outros matam a alma, tolhendo-a a vida da graça, ou seja, arrastando-a ao pecado mortal; outros, porém, matam a ambos, o corpo e a alma: são os suicidas e aqueles que matam as crianças que ainda não nasceram”.

Essa condenação foi ainda reforçada pelos Papas Inocêncio XI, em 1679, e, em 1869, Pio IX estabeleceu a excomunhão automática para qualquer caso de aborto, como ainda é hoje, podendo ser retirada apenas pelo bispo ou pelos sacerdotes a quem ele delegar (hoje em dia praticamente todos), após a pessoa que o cometeu, induziu ou provocou manifestar o arrependimento e recorrer à misericórdia de Deus na confissão.

O Concílio Vaticano II, na constituição apostólica Gaudium et spes, condenou muito severamente o aborto, salientando que “a vida deve ser defendida com extremos cuidados, desde a concepção: o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis”.

Entre os papas mais recentes, São João Paulo II, na encíclica Evangelium vitae (20), afirma que “reivindicar o direito ao aborto, ao infanticídio, à eutanásia, e reconhecê-lo legalmente, equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é a morte da verdadeira liberdade”.

Bento XVI, em um discurso de 21 de fevereiro de 2011 à Pontifícia Academia para a Vida, falou que, “em um contexto cultural caracterizado pelo eclipse do sentido da vida, que reduziu a percepção comum da gravidade moral do aborto e de outras formas de ameaçar a vida humana, os médicos precisam de uma fortaleza especial para continuar afirmando que o aborto não resolve nada, que mata o filho, que destrói a mulher e cega a consciência do pai da criança, muitas vezes arruinando a vida familiar”.

Reiteradas vezes, o Papa Francisco condenou o aborto e ressaltou que a vida humana é sempre inviolável e que não há uma vida qualitativamente mais significativa que outra. Em discurso ao Fórum das Famílias, comparou algumas formas de aborto com a eugenia e, na recente entrevista durante o retorno da Eslováquia a Roma, há duas semanas, o Pontífice afirmou que o aborto é um homicídio e que “quem faz um aborto mata, sem meias palavras” e indagou: “É correto matar uma vida humana para resolver um problema?”.

A Bíblia, o magistério da Igreja e os papas, ao longo da história, ressaltam que a vida humana é sagrada, um dom divino, desde a concepção. Por isso, dizer não ao aborto é um compromisso do cristão.

CRUELDADE

Quando em 2020 o Ministério da Saúde emitiu a nota técnica que limitava o aborto a 21 semana e 6 dias de gestação para os casos em que a prática é despenalizada, o argumento da gestão de Jair Bolsonaro era de que a partir desta idade gestacional haveria a “viabilidade do feto” de sobreviver e não seria mais um aborto, mas, sim um parto prematuro.

Em entrevista ao O SÃO PAULO em março de 2022,  Lenise Garcia, doutora em Microbiologia e Imunologia e presidente do Movimento Brasil sem Aborto, detalhou como se dá o processo de aborto de um bebê com mais de 6 meses de gestação.

“Em um feto de 24 semanas, se for feita a indução ao aborto com um medicamento [técnica mais comum para os abortamentos realizados até a 12a semana de gestação], a probabilidade de essa criança nascer viva é muito grande. Para que isso não aconteça, o que se provoca é a morte da criança já dentro do útero, por meio de uma injeção salina, algo extremamente doloroso, pois ela será como que queimada internamente. Outra técnica usada é a de injetar algum veneno no coração do bebê. Portanto, são atrocidades que se cometem contra essa criança para que morra no útero, e depois com algum medicamento se induza a gestante ao trabalho de parto para que expulse a criança morta”.

“Independentemente do método utilizado, que por si só já traz riscos, deve-se considerar que há todo um equilíbrio orgânico hormonal existente entre a gestante e o seu filho que é rompido de uma forma abrupta pelo aborto, e, evidentemente, isso se reflete no organismo da mulher. Há comprovadamente uma incidência maior de câncer de mama entre as que já realizaram aborto. Elas também têm mais dificuldades para engravidar depois e, quando conseguem, a criança pode nascer prematura ou com baixo peso”, detalhou, citando ainda casos de mulheres que após abortarem desenvolvem quadros depressivos ou se tornam dependentes de álcool e drogas”.

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários