‘O grande fruto do Sínodo para a Amazônia é a oportunidade de caminhar juntos como Igreja’

Afirmou Dom Mário Antônio da Silva, Bispo de Roraima ao falar dos desafios pastorais no extremo norte do Brasil

Dom Mário Antônio da Silva, após celebração da Crisma em comunidade indígena de Roraima (foto: Diocese de Roraima)

Passados quase dois anos da realização do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica e 18 meses da publicação da exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia, do Papa Francisco, a Igreja nessa vasta região que abrange nove países busca colher os frutos desse processo de escuta e reflexões sobre a vida e evangelização dos povos amazônicos.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Dom Mário Antônio da Silva, Bispo de Roraima e 2º Vice-Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), falou sobre a realidade e os desafios pastorais no extremo norte do Brasil.

Paulista de Itararé e ordenado sacerdote na Diocese de Jacarezinho (PR), Dom Mário foi enviado em missão para a Amazônia pelo Papa Emérito Bento XVI, ao ser nomeado Bispo Auxiliar de Manaus (AM), em 2010. Em 2016, ele foi nomeado pelo Papa Francisco como Bispo Diocesano de Roraima.

Diocese

Essa diocese compreende os 225 mil km² do território do estado de Roraima, tendo a capital, Boa Vista, como sede. Sua população é de 631 mil habitantes, distribuídos em 15 municípios, o estado com a menor densidade demográfica do País.

A maior parte da população (cerca de 50%) vive na capital, enquanto o restante se dilui nas pequenas cidades e uma parcela bem menor espalhada nas áreas rurais. Desses, 80 mil são indígenas que vivem nas muitas aldeias. Atualmente, em 46% do território do estado estão as comunidades indígenas.

Para corresponder a essa realidade específica, a Igreja tem que se adaptar na sua organização e atuação. A Diocese de Roraima é dividida em 22 paróquias e áreas missionárias, além de seis áreas de missão especificamente indígenas e outras duas paróquias que atendem tanto indígenas quanto não indígenas. Nessas áreas, existem 640 pequenas comunidades eclesiais. “Devido a essa pandemia, ainda não pude conhecer 43 dessas novas comunidades. Agora, estou retomando essas visitas”, relatou Dom Mário.

População

Além da população indígena autóctone, há uma ou duas gerações de pessoas não indígenas nascidas no estado. A maioria dos habitantes, contudo, veio de outras regiões do Brasil: muitos são do Nordeste, do Sudeste e do Sul.

Mais recentemente, passou a haver uma presença significativa de imigrantes venezuelanos, que cruzaram a fronteira fugindo da crise humanitária no país vizinho. O fluxo migratório da Venezuela começou em 2015 e se intensificou nos anos seguintes até o início da pandemia.

“No momento, o lado venezuelano da fronteira está fechado. Mesmo assim, porém, mais de 300 pessoas chegam por dia. Esses imigrantes vão a Boa Vista, com a intenção de ir para outros lugares do Brasil. Por isso, sabemos que a questão migratória tem um princípio geográfico aqui em Roraima, porém é algo que o Brasil todo tem que abraçar”, afirmou Dom Mário.

(Foto: Diocese de Roraima)

Pastoral

Há um grande empenho na formação bíblico-catequética dos leigos, especialmente na preparação de catequistas e ministros da Palavra, que, em geral, animam e coordenam as pequenas comunidades do interior.

Na capital e nas cidades maiores, a Diocese tem investido na Pastoral Familiar e nas chamadas pastorais sociais, como a Pastoral da Criança e a Pastoral do Migrante.

Um desafio próprio das terras de missão é em relação às vocações sacerdotais e religiosas. A Diocese conta com 50 padres, sendo 11 diocesanos, 15 missionários de outras dioceses e 24 de congregações religiosas. Já o número de religiosas é aproximadamente 80, de 18 congregações.

Atualmente, a Diocese possui três seminaristas e sete jovens que concluem o Ensino Médio e são acompanhados pela Pastoral das Vocações.

Indígenas

No interior, é dada maior atenção à Pastoral Indigenista. O Bispo explicou que a ação pastoral nas comunidades indígenas varia conforme as etnias e o grau de integração com a Igreja Católica. “Em geral, a vida eclesial nessas comunidades é bastante marcada pelo protagonismo dos próprios indígenas. Em algumas comunidades, vou para celebrar missas, sobretudo crismas. Temos um grande trabalho voltado à iniciação à vida cristã. Em outras, fazemo-nos presentes para estabelecer vínculos”, contou Dom Mário, citando como exemplo o caso dos Ianomâmis, cujo trabalho é mais voltado para o diálogo inter-religioso.

Busca-se, ainda, um trabalho de evangelização a partir da língua indígena, embora em algumas comunidades nem todos os adolescentes e jovens conheçam seus idiomas nativos. Em comunidades como as dos Macuxis e Uapixanas, há até Bíblias em seus idiomas.

Pastoral da presença

Nesse sentido, Dom Mário sublinhou uma característica essencial para a ação evangelizadora com os povos amazônicos, que foi bastante ressaltada no último Sínodo: “A pastoral da presença e não apenas de visita”.

“Temos buscado favorecer que os missionários residam nessas comunidades ou permaneçam por mais tempo nelas, para aprenderem sua língua e costumes”, destacou o Bispo, afirmando que ele próprio percebe o quanto a população se alegra quando se hospeda pelo menos por uma noite na comunidade, tendo a oportunidade de visitar as famílias, conhecer suas casas.

A Igreja também tem um papel fundamental de ajuda no acesso dos povos indígenas a informações sobre seus direitos, a fim de que sua dignidade seja respeitada.

Dom Mario, com Papa Francisco, durante Sínodo da Amazônia (arquivo pessoal)

Sonhos

Dom Mário salientou que os sonhos expressos pelo Papa Francisco na Querida Amazonia – social, ecológico, cultural e eclesial – são integrados e concretos, justamente para que “não se tornem devaneios”.

O Bispo sublinhou que a Igreja na Amazônia não colhe apenas os frutos do Sínodo, mas do caminho que o antecedeu, desde a sua convocação, em 2017, e, mesmo anteriormente, com a publicação da encíclica Laudato si’, em 2015.

Referindo-se à “ecologia integral”, da qual o Pontífice fala, o Prelado explicou que esse conceito não pode ser compreendido apenas do ponto de vista ambiental. “Ecologia integral tem como pressuposto principal a vida humana.”

Dom Mário reconheceu que o contexto da atual pandemia dificultou a “devolução” das discussões do Sínodo às comunidades. “O grande fruto do Sínodo é a oportunidade de caminhar juntos como Igreja. Isso já tem acontecido no âmbito das dioceses, porém, ainda não conseguimos concretizá-lo como Pan-Amazônia, não apenas do ponto de vista geográfico, mas, principalmente, eclesial”, completou.

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