A fé e a espiritualidade são elementos que Dom Paulo Evaristo Arns herdou da família e cultivou até o fim da vida
Dom Paulo Evaristo Arns nasceu em uma família profundamente religiosa. Dos pais, Helena e Gabriel, herdou a dimensão da fé, da coragem e da esperança, acima de todas as dificuldades.
Uma vida marcada pela fé inabalável e ancorada na centralidade em Jesus. Guiou-se por sua fidelidade a Cristo em profunda comunhão franciscana, em sintonia com os apelos da Igreja e próximo das pessoas pobres e excluídas da sociedade.
Ponto de partida
Em sua obra autobiográfica “D. Paulo Evaristo Arns – Da Esperança à Utopia”, ele recorda sua origem simples e humilde, filho de colonos, que, por amor a Cristo e a São Francisco, se consagrou na Igreja a serviço dos pobres.
Em Forquilhinha (SC), onde nasceu, na colônia de imigrantes alemães, a escola e a capela eram as preocupações das quase 30 famílias da época. Viu seus pais se empenharem com esmero para a educação intelectual, cultural e religiosa dos filhos.
Além dos conteúdos de Português, Matemática, Geografia e História do Brasil, os professores ministravam aulas de Bíblia e de Catecismo e, ainda, incentivaram os alunos a participar aos domingos, com a família, das celebrações. Na primeira sexta-feira de cada mês, um padre ia à comunidade para presidir a missa.
A celebração aos domingos, conduzidas pelos professores, além de recordar o Dia do Senhor, representava o encontro do povo com Deus, o reencontro das famílias e o enaltecer da vida. A família Arns nutria profunda devoção a Nossa Senhora e, todas as noites, rezava pelas vocações.
Para servir
O primeiro contato de Dom Paulo com um frade franciscano se deu aos 9 anos de idade, quando recebeu a primeira Eucaristia e ficou encantado pelo hábito marrom usado pelo religioso e pela forma e entusiasmo com que falava de Deus, do Evangelho e dos ensinamentos do poverello de Assis.
No seminário, apaixonou-se pela espiritualidade franciscana. Seu episcopado foi marcado pela esperança evangélica, viveu seu ministério com zelo e dedicação, especialmente nos tempos obscuros da história do País. Caminhou junto com seu povo no pastoreio e na luta por justiça e dignidade.
Viver para Deus
Irmã Devani Maria de Jesus é religiosa da Congregação das Franciscanas da Ação Pastoral e coordenadora da Comunidade Nossa Senhora dos Anjos, em Taboão da Serra (SP), local onde o Cardeal Arns residiu após se tornar Arcebispo Emérito de São Paulo.
A Freira conheceu Dom Paulo quando ingressou na congregação em 1969, e é testemunha da intensa vida de oração que, até o fim da vida, experienciou o “Cardeal da Esperança”.
A Religiosa contou à reportagem que, antes do nascer do sol, Dom Paulo se dirigia à capela para a oração da Liturgia das Horas, a oração oficial da Igreja, ao clero e religiosos. Em seguida, celebrava a Santa Eucaristia, na Capela do Convento.
“Ele sempre começava e concluía o dia na presença de Deus, por meio da oração. Nunca dormia, por mais cansado que estivesse, sem antes rezar. Respeitava esse momento sagrado e não abria mão desse encontro profundo com Deus”, recordou.
Movido pela oração
A oração era a força motriz que o mantinha fortalecido para as batalhas da vida. O Cardeal Arns, mesmo em suas internações hospitalares, não deixou de celebrar a Santa Missa e rezava diariamente o Santo Terço.
“Dom Paulo foi um grande Pastor que teve a Eucaristia como alimento ao longo da sua existência, da caminhada e perante os maiores desafios”, disse a Freira.
Desde os tempos do noviciado franciscano, cultivava grande devoção ao Divino Espírito Santo. A Religiosa recordou que o Cardeal “rezava mais de cem vezes por dia a oração ao Espírito Santo, em latim. Apaixonado pelo Cântico de São Francisco, amava cantar com a alma e dinamizar as celebrações”.
“Ele sempre foi um homem sereno porque acreditava na força da fé e confiava tudo nas mãos de Deus”, pontuou a Religiosa, destacando, ainda, que Dom Paulo construiu sua trajetória pautada nos valores herdados da família: oração e trabalho; fé e ação.
Palavra de Deus e a vida do povo
Além de rezar e meditar a Palavra de Deus, Dom Paulo dedicava um período, no início da manhã, à leitura orante da Bíblia. Ele fazia a primeira meditação do livro sagrado em grego, e depois aprofundava a leitura exegética alternando as várias traduções disponíveis.
Em seguida, destinava um período para a leitura de jornais, revistas e livros. O Cardeal Arns tinha a assinatura dos grandes jornais de São Paulo e do País, de revistas brasileiras e internacionais: francesa, inglesa, italiana e norte-americana.
“Ele sempre estava em sintonia com os acontecimentos em âmbito nacional e mundial. As leituras eram, segundo ele mesmo afirmava, uma forma de exercitar a memória e também de não esquecer os idiomas que aprendera”, disse a Freira, ressaltando ainda que Dom Paulo era uma “enciclopédia ambulante”.
“Dom Paulo, sempre com o seu sorriso peculiar, acolhia a todos. Pregador e testemunha destemida do Evangelho. Homem da ternura, manso, firme, viveu a pobreza evangélica, amou os sacerdotes e incentivou a vida religiosa consagrada. Acolheu e capacitou as lideranças leigas. E foi um homem profundamente orante, movido pela oração que o nutria em sua vocação religiosa e pastoral”, afirmou.
“Rezar é a missão mais essencial do franciscano, do padre e de todo cristão que assume seu Batismo, sua união com Cristo”, escreveu o Cardeal Arns.