A convicção sobre a inviolabilidade da vida humana da concepção até o seu fim natural é defendida pela Igreja Católica desde a sua origem.
Já no século I, a Didaqué (ou Doutrina dos 12 Apóstolos), considerado o primeiro catecismo cristão, condenava o aborto: “Não matarás a criança mediante aborto, nem matarás o recém-nascido” (Capítulo II).
Tertuliano, um dos Padres da Igreja, no século III, afirmou com clareza, o princípio essencial: “É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer; pouco importa que se arranque a alma já nascida, ou que se faça desaparecer aquela que está ainda para nascer. É já um homem aquele que o virá a ser”. Os concílios como o de Ancira (314) Elvira (313), Lerida (524), Trullos (629) e Worms (869) também condenaram essa prática.
Santo Tomás de Aquino (1225- 1274) ensina que o aborto é um pecado grave contrário à lei natural. Na Exposição sobre os Dez Mandamentos, no artigo 7, afirma: “Alguns matam somente o corpo, mas outros matam a alma, tolhendo-a a vida da graça, ou seja, arrastando-a ao pecado mortal; outros, porém, matam a ambos, o corpo e a alma: são os suicidas e aqueles que matam as crianças que ainda não nasceram”.
Essa condenação foi ainda reforçada pelos Papas Inocêncio XI, em 1679, e, em 1869, Pio IX estabeleceu a excomunhão automática para qualquer caso de aborto, como ainda é hoje, podendo ser retirada apenas pelo bispo ou pelos sacerdotes a quem ele delegar (hoje em dia praticamente todos), após a pessoa que o cometeu, induziu ou provocou manifestar o arrependimento e recorrer à misericórdia de Deus na confissão.
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Vaticano II
No século XX, o Concílio Vaticano II, na constituição apostólica Gaudium et spes, condenou muito severamente o aborto, salientando que “a vida deve ser defendida com extremos cuidados, desde a concepção: o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis”.
Entre os papas mais recentes, São João Paulo II, na encíclica Evangelium vitae (20), afirma que “reivindicar o direito ao aborto, ao infanticídio, à eutanásia, e reconhecê-lo legalmente, equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é a morte da verdadeira liberdade”.
Seu sucessor, o Papa Emérito Bento XVI, em um discurso de 21 de fevereiro de 2011 à Pontifícia Academia para a Vida, fala que, “em um contexto cultural caracterizado pelo eclipse do sentido da vida, que reduziu a percepção comum da gravidade moral do aborto e de outras formas de ameaçar a vida humana, os médicos precisam de uma fortaleza especial para continuar afirmando que o aborto não resolve nada, que mata o filho, que destrói a mulher e cega a consciência do pai da criança, muitas vezes arruinando a vida familiar”.
Reiteradas vezes, o Papa Francisco condenou o aborto e ressaltou que a vida humana é sempre inviolável e que não há uma vida qualitativamente mais significativa que outra. Em discurso ao Fórum das Famílias, comparou algumas formas de aborto com a eugenia e, na recente entrevista durante o retorno da Eslováquia a Roma, há duas semanas, o Pontífice afirmou que o aborto é um homicídio e que “quem faz um aborto mata, sem meias palavras” e indagou: “É correto matar uma vida humana para resolver um problema?”.
Reflexão ampla
Como instituição da sociedade, a Igreja participa do debate sobre o tema do aborto, recordando que ela não pode ser resumida a uma questão de “saúde pública”, mas que envolve a proteção das duas vidas: da mulher gestante e da criança.
As argumentações dos católicos na defesa da vida não se baseiam apenas no âmbito religioso e moral, mas também a partir de fundamentações de áreas como a Biologia, a Antropologia e o Direito Natural, contando com comissões multidisciplinares de pesquisa e estudo, como as pontifícias Academia de Ciências e para Vida (com membros católicos e não católicos), comissões de bioética e outros organismos.
Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 11 de agosto de 2018, o Arcebispo de São Paulo reforçou que as questões em relação aos direitos e à dignidade da mulher podem e devem ser resolvidas sem suprimir a vida dos bebês ainda por nascerem.
“A maternidade não é doença nem mácula para a dignidade da mulher. A liberdade dela é preciosa, mas também está vinculada à responsabilidade que lhe corresponde. A gravidez inesperada pode ser prevenida com meios adequados, sobretudo com a educação e a informação […]. A injusta pobreza de muitos não pode ser argumento para eliminar o inocente e indefeso. As cifras presumidas de abortos clandestinos e os custos das complicações decorrentes devem ter uma solução que, honestamente, não poderia ser a legalização do morticínio de bebês ainda no ventre de suas mães”, afirmou o Cardeal Scherer.