Qual é a diferença entre ecumenismo e diálogo inter-religioso?

Evento inter-religioso pela paz mundial, realizado em Roma, em 2021 (Foto: Vatican Media)

Frequentemente, o termo “ato ecumênico” é empregado para designar eventos que reúnem pessoas de diferentes religiões, motivadas por um interesse comum, como a busca pela paz e solidariedade entre os povos ou para expressar seus posicionamentos diante de um acontecimento da sociedade. No entanto, é importante distinguir os eventos ecumênicos dos inter-religiosos, assim como de outras manifestações políticas, sociais ou culturais em que haja participação de representantes de diferentes organizações da sociedade, entre as quais, lideranças religiosas.

O termo “ecumênico” tem sua origem na palavra latina oecumenicus, que significa “geral, universal”, e, por sua vez, vem do grego oikumenikos, que significa “mundo habitado”. Por essa razão, por exemplo, que os concílios da Igreja Católica são chamados ecumênicos, pois reúnem os bispos católicos do mundo inteiro. Já a palavra “ecumenismo” é empregada para o movimento em favor da unidade dos cristãos marcados historicamente por divisões que romperam a comunhão plena entre si.

Embora essa palavra, às vezes, seja aplicada para designar o diálogo entre diferentes religiões, o ecumenismo não pode ser confundido com o diálogo inter-religioso, que diz respeito à relação entre membros de diferentes tradições religiosas, não exclusivamente cristãs, como os judeus, muçulmanos, budistas, as religiões de matriz africana, entre outras.

O diálogo inter-religioso não consiste na busca da unidade de fé entre as diferentes tradições religiosas, mas no desejo de compreender e respeitar as diferenças dessas tradições em uma convivência fraterna em vista do bem comum da sociedade.

Entre cristãos

O caminho de diálogo ecumênico da Igreja Católica tem basicamente duas frentes: com as Igrejas ortodoxas do Oriente, separadas desde o grande cisma de 1054, e com as Igrejas oriundas da reforma protestante do século XVI. Além das iniciativas de oração em ocasiões especiais, o ecumenismo se expressa concretamente por meio de estudos bíblico-teológicos e na realização de atividades conjuntas de promoção da caridade e socorro humanitário.

Portanto, entre as diferentes denominações cristãs, há orações ou atos ecumênicos que não consistem na unificação de ritos e orações, mas em eventos nos quais são expressos os elementos comuns dessa tradição, como a leitura bíblica e preces comuns, com destaque para a oração do Pai-Nosso, ensinada pelo próprio Jesus.

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Celebração ecumênica na Catedral Ortodoxa de São Paulo, em 2016 (Foto: Casa da Reconciliação)

Um exemplo concreto de ecumenismo é a realização da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que tem o objetivo de aprofundar o diálogo entre as Igrejas cristãs em vista de um caminho de unidade e fraternidade entre aqueles que professam a fé em Jesus Cristo. Há também celebrações que marcam o início de tempos marcantes da vida cristã, como no Advento, período de preparação para o Natal.

Não se trata, portanto, da participação ou “concelebração” de líderes de diferentes igrejas no rito próprio de uma determinada denominação. Nesse sentido, é importante salientar que não existe “missa ecumênica”, uma vez que a Missa diz respeito ao sacramento da Eucaristia, próprio da tradição Católica Romana ­– ou, a Divina Liturgia, para as comunidades cristãs de rito oriental católicas ou ortodoxas – que, portanto, só pode ser celebrada pelos ministros e fiéis dessa tradição específica.

Entre diferentes religiões

Já quando um evento é protagonizado por membros de diferentes tradições religiosas, não apenas cristãs, pode ser chamado de “ato” ou “encontro” inter-religioso e não uma “celebração” ou “oração”, pois entre diferentes tradições não há uma oração comum, mas ocasiões nas quais cada grupo toma a palavra e, a partir das próprias convicções religiosas, manifesta suas intenções, podendo eventualmente elevar uma prece individual segundo sua tradição específica.

Um exemplo de um evento inter-religioso foi o encontro pela paz ocorrido na cidade italiana de Assis em 1986, quando, a convite de São João Paulo II, representantes de diversas tradições religiosas do mundo se reuniram na cidade onde nasceu e viveu São Francisco para implorar, cada um segundo seu credo, a paz para a humanidade.

No Brasil, é bastante recordado o ato inter-religioso na Catedral da Sé em memória do jornalista Vladmir Herzog, preso e assassinado pelo regime militar em 1975. Esse evento, embora, muitas vezes, seja denominado ato ecumênico, na realidade, foi inter-religioso, pois reuniu representantes de diferentes tradições religiosas, como o Cardeal Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel.

Há, ainda, iniciativas bilaterais como a declaração conjunta sobre a fraternidade humana, assinada pelo Papa Francisco e pelo Grão Imame Al-Tayyeb no dia 4 de fevereiro de 2019, nos Emirados Árabes Unidos.

Encontro inter-religioso pela paz, em 1986, em Assis, Itália (foto: Arquivo/Vatican Media)

Diálogo

O diálogo inter-religioso ganhou maior impulso no âmbito da Igreja Católica, sobretudo, após a promulgação da Declaração Nostra Aetate, aprovada pelo Concílio Vaticano II em 1965.  Esse documento apresenta as intenções, as indicações e a colaboração para uma aproximação da Igreja para com as religiões, em vista de uma mútua cooperação, propondo a construção de pontes entre as diferentes tradições por meio do diálogo.

Por ocasião dos 25 anos dessa declaração conciliar, em 1991, o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e a Congregação para a Evangelização dos Povos publicaram o documento “Diálogo e anúncio”, no qual enfatiza que o diálogo inter-religioso deve ter como fundamentos:

A mútua compreensão a fim de dissipar preconceitos e promover o conhecimento através de estudos e apreciações comuns;

O compromisso comum na promoção de valores da dignidade humana, da paz e do respeito à vida;

O enriquecimento mútuo, para despertar nas pessoas os valores e as experiências características de outros fiéis;

Quanto às formas de diálogo, indica:

–  O diálogo da vida, onde as pessoas se esforçam por viver num espírito de abertura e de boa vizinhança, compartilhando as suas alegrias e tristezas, os seus problemas e as suas preocupações;

–  O diálogo das obras, onde os cristãos e os outros colaboram em vista do desenvolvimento integral e da libertação da gente;

–  O diálogo dos intercâmbios teológicos, onde os peritos procuram aprofundar a compreensão das suas respectivas heranças religiosas, e apreciar os valores espirituais uns dos outros;

–  O diálogo da experiência religiosa, onde pessoas radicadas nas próprias tradições religiosas compartilham as suas riquezas espirituais, por exemplo, no que se refere à oração e à contemplação, à fé e aos caminhos da busca de Deus e do absoluto.

Caminho de fraternidade

Durante um encontro com representantes de diferentes igrejas cristãs em fevereiro de 2022, o Papa Francisco afirmou:

“O diálogo inter-religioso não é uma questão de pura cortesia. Não, vai além. Não é uma questão de negociação ou diplomacia. Não, vai além. É um caminho de fraternidade rumo à paz, um caminho muitas vezes cansativo, mas que, sobretudo nestes tempos, Deus pede e abençoa. É um percurso que precisa de paciência e compreensão. Mas nos faz crescer como cristãos, porque exige abertura de coração e o compromisso de ser, concretamente, agentes de paz”.

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