A legalização da maconha na contramão das evidências científicas

A perspectiva de saúde pública do que é melhor para um determinado país deve ser construída à luz dos conhecimentos científicos, buscando a prevenção e a diminuição do consumo de drogas lícitas e ilícitas.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

O uso recreativo da maconha não é isento de riscos, como a publicidade associada à campanha de legalização procura convencer a população e, em particular, os jovens. Estudos apresentam sólidas evidências científicas de graves prejuízos à saúde em relação à maconha, como: o desenvolvimento de esquizofrenia ou outras psicoses – com maior risco entre os consumidores mais frequentes; aumento na incidência de acidentes de trânsito; modificações na cognição, atenção e concentração, com prejuízos no desempenho no trabalho e na escola; problemas ligados ao consumo na adolescência, em gestantes e os quadros de intoxicação aguda, crônica e, às vezes, acidental.

No início do século XX não se conhecia todos os problemas de saúde relacionados ao tabaco. Na época, houve uma ampla campanha para tornar o cigarro atrativo, principalmente associando o ato de fumar a charme e sofisticação. Hoje, conhecemos bem os danos que o tabaco causa à saúde…

No Brasil, as leis que proíbem a comercialização e a venda de bebidas alcoólicas e de tabaco para menores de 18 anos têm baixa fiscalização e, igualmente, cumprimento falho. Esse é um dos fatores mais preocupantes na legalização da maconha. Não há motivo algum para se acreditar que sua venda, caso legalizada apenas para maiores de 18 anos, será fiscalizada, e que haverá controle e punição para os comerciantes infratores. A simples aprovação da lei faria com que diminuísse a percepção social da droga como prejudicial, favorecendo o aumento de consumidores. Além disso, existem muitas questões que precisam ser analisadas antes de se pensar na legalização. Por exemplo: a propaganda será permitida? como será a relação entre a cadeia de fornecimento autorizada e as redes de narcotráfico, que continuarão a existir?

Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (NIDA) dos Estados Unidos, cita que décadas de legislações errôneas ou condescendentes em relação às drogas legais e ilegais impuseram à nossa sociedade um terrível preço a ser pago em termos de saúde. Além disso, é preciso considerar os efeitos altamente nocivos da “guerra contra as drogas”, realizada pela justiça criminal, sobre as populações desfavorecidas.

De acordo com a doutora Nora, os esforços atuais visando à legalização do uso da maconha têm sido orientados, sobretudo, por uma combinação de ativismo popular, pressão farmacológica e busca privada de altos lucros, com uma preocupante desconsideração das evidências científicas.

Revisões da bibliografia científica sobre o tema podem ser lidas em:

LARANJEIRA, R.; DUAILIBI, S. & SILVA, C.J. Argumentos contra a legalização da maconha: em busca da racionalidade perdida. Uma abordagem baseada em evidências científicas. Brasília: Ministério da Cidadania / Florianópolis: SEAD.UFSC, 2021.

ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAUDE. Os efeitos na saúde e sociais do uso não medicinal de cânabis. Washington, D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde; 2018.

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Geraldo Majela Pessoa Tardelli
Geraldo Majela Pessoa Tardelli
8 meses atrás

Acho que o debate está indo para um lado equivocado. A questão em julgamento no STF é se o uso de maconha para fins recreativos deve ser considerado crime ou não. Não está em discussão se vai legalizar a maconha, pois o seu tráfico continua sendo considerado crime. A criminalização do uso parece um contrassenso mesmo pois, além de ineficaz no combate a esse grave problema, dá margem para que juízes, de forma perversa, condenem usuários como se traficantes fossem, jogando nas mãos do crime organizado, que controlam os presídios, jovens que não são criminosos. Quanto aos efeitos danosos do uso da maconha, como esse artigo demonstra, a ciência tem constatado isso, mas o uso do álcool de forma excessiva também e danoso e ninguém cogita de criminalizar. Parece muito mais sensato, eficaz e cristão criar politicas públicas de combate ao uso de drogas do que prender usuários.

Luciano Pedroso
Luciano Pedroso
8 meses atrás

Concordo. De fato, precisam ser divulgados os efeitos nocivos da droga com base em evidências médicas e científicas.

Pedro Barros
Pedro Barros
8 meses atrás

Os riscos da legalização precisam ser sopesados em diferentes vertentes, principalmente no âmbito da saúde pública. Ao analisarmos a baixa capacidade de fiscalização do Estado, surge a preocupação com o incremento do acesso às drogas por um público que deveria ser guardado e protegido: crianças e jovens. A legalização passa a sensação de que aquele produto não é tão prejudicial assim, o que poderia influenciar o poder de decisão das pessoas.
Obrigado pelo ótimo texto, Rodrigo Gastalho. Foi muito esclarecedor.