Há 60 anos, após um singular período de preparação, em 11 de outubro de 1962, iniciava-se um dos maiores eventos da Igreja católica em sua história recente, o Vaticano II. Ele foi adjetivado pelo próprio Papa que o convocou como uma inesperada flor de primavera. Sua abertura, além de encetar o princípio de uma assembleia, provocou mudanças medulares no catolicismo, foi um episódio emblemático. A data de abertura do Concílio fora estabelecida por João XXIII por meio do motu proprio Consilium, de fevereiro de 1962. O texto, curto e sucinto, previa que o início do Concílio ficaria estabelecido para o dia da solenidade da Maternidade Divina de Maria, festa instituída por Pio XI. Entre as razões, estava a de que a data se associava “à lembrança do grande Concílio de Éfeso, que teve suma importância na história da Igreja”, pois havia condenado Nestório e definido as naturezas de Cristo, arrogando, por consequência, a Maria a Maternidade Divina.
Naquela quinta-feira, 11 de outubro, manhã de um outono de 1962, iniciou-se o Vaticano II. Bispos, vindos de várias partes do mundo tomavam conta da Cidade Eterna. Entre eles, o Arcebispo de São Paulo, Cardeal Carlos Motta e seus auxiliares. A cerimônia de abertura foi, ao lado do discurso de João XXIII, o mais midiático evento dos primeiros dias do Concílio. Comentadores descrevem-na como um evento singular e simbólico. A expressiva procissão de entrada, com seu magno número de cardeais, patriarcas e bispos finalizada com a figura do Papa João XXIII cruzando a Praça São Pedro, na sédia gestatória, sobressaía aos olhos da mídia e do mundo, quer pela extensão, quer pela duração. Seguiu-se a esse ato a missa “do Espírito Santo”, o juramento de obediência dos diversos partícipes do Concílio, a profissão de fé e, finalmente, o discurso de João XXIII, Gaudet Mater Ecclesia.
O discurso de João XXIII foi redigido desde sua versão inicial até o texto final pelo próprio Pontífice. Bem mais do que definir metas, o Papa Roncalli “sugeria um caminho ao longo do qual trabalhar”,adaptando aos novos tempos a mensagem eclesial que deveria ser mais afeita ao “remédio da misericórdia que a punição”. Essa postura, após intensos debates e longos anos, foi cristalizada nos documentos aprovados durante a assembleia conciliar (1962-1965).
Hoje, seis décadas após a abertura do Concílio, recordamos essa data num contexto de revisionismo e muitos questionamentos sobre o evento conciliar e sua recepção. O Papa Francisco, ante tal situação, pontificou que é falta grave contra a Igreja negar o Vaticano II, pois “o Concílio não pode ser negociado”. Deve-se, por isso, hodiernamente, como Igreja, buscar as ideias conciliares como fonte e inspiração para novos e mais profundos caminhos de atualização eclesial em face dos desafios humanos do tempo presente. Deve-se, vestir a Igreja de uma pastoralidade capaz de sentir as alegrias e as dores da sociedade moderna; de uma liturgia que seja expressão e coroa do compromisso com a humanidade; de um tom prenhe de respeito à diversidade e liberdade religiosa; calcada num clero que seja, a um só passo, fecundado pela oração, pela caridade pastoral e pelo diálogo. Enfim, a efeméride da abertura do Concílio deveria mover olhares e coração para essa assembleia e, mais ainda, para o seu espírito que dela nasceu.
Padre Reuberson Ferreira, MSC, é Pároco do Santuário de Nossa Senhora do Sagrado Coração, Vila Formosa (SP); mestre e doutorando em Teologia pela PUC-SP.
As opiniões expressas na seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.