A arte de dialogar

Não é preciso ser um observador muito perspicaz para perceber que as interações sociais de nossos contemporâneos estão ficando cada vez mais tensas: as pessoas assumem para si certos pertencimentos culturais, políticos ou ideológicos como sua própria identidade – e passam a ver a mera expressão de uma opinião divergente sobre esses assuntos como uma odiosa agressão. Quando estamos entre pessoas que pensam diferente, recaímos frequentemente no dilema de arriscar a irrupção de um conflito, ou preferir a falsa “paz” de votar certos assuntos ao interdito.

O que pouca gente enxerga, no entanto, são as premissas mais profundas, que deram origem a este cenário. De fato, esta perda da capacidade de discussão racional é consequência do chamado voluntarismo filosófico, segundo o qual “as coisas são verdadeiras porque eu quero que elas sejam verdadeiras”. Esta “dominação do intelecto pela vontade” acaba por tornar praticamente impossível um verdadeiro debate sobre qualquer assunto importante: “Se a realidade muda e oscila conforme a vontade dos indivíduos, então nunca conseguiremos controlá-la juntos; nunca poderemos habitar num mesmo espaço intelectual por tempo suficiente para ter uma conversa. (…) Quando a vontade de cada pessoa é absoluta, a possibilidade de uma conversa construtiva a partir de um fundamento comum desaparece, e tudo o que resta é um choque de liberdades” (Robert Barron, Discutindo Religião – Um Bispo se Apresenta no Facebook e no Google).

No mesmo sentido já se havia pronunciado o Papa São João Paulo II, ao falar de uma “crise da verdade” em nossos tempos. É que, se por um lado a cultura moderna havia logrado a grande conquista de valorizar mais a dignidade de cada pessoa, este movimento veio acompanhado, por outro lado, de ideologias que “se afastam da verdade do homem”, ao “exaltar a liberdade até ao ponto de se tornar um absoluto, que seria a fonte dos valores” e a “instância suprema do juízo moral”. Em outras palavras, os homens de nosso tempo perderam “a ideia de uma verdade universal sobre o bem, cognoscível pela razão humana”, e passaram a definir a verdade com “um critério de sinceridade, de autenticidade”, desembocando numa “ética individualista, na qual cada um se vê confrontado com a sua verdade, diferente da verdade dos outros”. E se não já não há nenhuma verdade que valha para todos os seres humanos, tampouco há uma natureza humana que lhe sirva de fundamento (Veritatis splendor, 31).

Mas, mesmo que admitamos a existência de uma verdade das coisas, à qual nossa busca intelectual deve almejar, continua verdadeiro que as pessoas discordam em muitos pontos sobre qual seja esta verdade. Qual é, então, a solução que nos propõe nossa racionalidade e nossa fé católica? 

O caminho é retomarmos a arte do verdadeiro diálogo – não aquela aceitação indiscriminada de toda e qualquer ideia (o “diálogo-mito, de fundo hegeliano, que exclui a verdade absoluta”, e que busca a mera “sintetização de ideias contrapostas”). Antes, aquele “diálogo profundo (…), [que] faz-se no tête-à-tête sério e sereno, honesto e discreto”, e em clima de amizade (José Pedro Galvão de Sousa et. al., Dicionário de Política). Esta atitude dialogante é magistralmente exemplificada pelo Sócrates de Platão: em seus diálogos, busca sempre ouvir com atenção e humildade seus interlocutores. Como ele próprio diz no Górgias: “Sou daqueles homens que têm prazer em ser refutados, no caso de afirmarem alguma inverdade, e prazer também em refutar a um outro, se esse disser algo que seja inexato (…). Pessoalmente, considero preferível ser refutado, por ser mais vantajoso ver-se alguém livre do maior dos males do que livrar dele a um outro”. Busquemos, então, sempre a Verdade, e Ela nos libertará (cf. Jo 8,32).

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