A importância do homeschooling em um Estado Laico colaborativo

Ao falar sobre as limitações do governo, o professor inglês John Finnis ensina que “o essencial sempre é a busca da virtude: os governantes e leis do Estado têm a autoridade e o dever de promover e defender o bem comum, incluindo o bem da virtude”. O Estado brasileiro deve proteger seu fundamento de democracia, mas em conformidade com tal fundamento. 

Os fundamentos sobre os quais se assenta o Estado democrático brasileiro, dispostos no artigo primeiro de sua Constituição, são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e o pluralismo político. A Constituição federal não indica de modo exaustivo quais modalidades de ensino são permitidas no País. Afirma que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família” a ser garantido “com a colaboração da sociedade” (art. 205) e que é livre à iniciativa privada, desde que haja “cumprimento das normas gerais da educação nacional” e “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” (art. 209, I e II). 

Entretanto, punições adotadas contra pais e responsáveis que praticam a educação domiciliar têm sido impostas com base tanto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB, art. 6º) quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, art. 55), que afirmam a necessidade de matrícula das crianças na rede regular de ensino. O Estatuto traz o dever dos pais ou responsável pela matrícula dos filhos; sua obrigação de acompanhar sua frequência e seu aproveitamento escolar (art. 129, V), sob pena de descumprir os deveres inerentes ao poder familiar (art. 249), conduta passível de multa. O Código Penal prevê, como crime de abandono intelectual, o não cumprimento dos pais com o seu dever de matricular filho ou pupilo na rede regular de ensino (art. 246). 

Estabelece-se, numa extrapolação do que diz a lei, uma equivalência entre a adoção de uma modalidade de ensino domiciliar e o abandono intelectual dos filhos. Contudo, é primordial esclarecer que o abandono intelectual se refere ao direito dos filhos menores, que seus genitores lhes propiciem educação, tutelando a instrução primária das crianças em idade escolar; a conduta consiste, portanto, em deixar de prover, de providenciar a instrução primária de um filho e não em relação à modalidade de ensino adotada pela família. 

O homeschooling é prática cotidiana de milhares de famílias brasileiras, uma realidade social verificada em dezenas de outros países e cuja existência, além de não contrariar os direitos mais elementares, requer proteção por parte do Estado. A prática já está legalizada em mais de 60 países, tanto do Primeiro Mundo, quanto do grupo dos países emergentes. Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 84% (29 países) têm ensino domiciliar legalizado. 

A expressão “educação domiciliar” refere-se ao regime de ensino de crianças e de adolescentes dirigido pelos pais ou por responsáveis – e não é restrita ao ambiente do lar. Na verdade, costuma ser realizada em locais diversos e inclui com frequência visitas a bibliotecas públicas, a museus, passeios pela cidade e pela região, em áreas urbanas ou rurais. 

Assim, deve-se assegurar condições, do ponto de vista jurídico, para que famílias praticantes da educação domiciliar possam contar com o apoio solidário do Estado em sua missão de educar seus filhos. Faz-se necessário prever avaliações anuais, sob gestão do Ministério da Educação, para fins de certificação da aprendizagem. 

Quando uma família adota a modalidade de ensino domiciliar por entender que os filhos terão um ensino formal adequado, que poderá inclusive ser avaliado pelo Estado, acompanhado da educação religiosa, exerce plenamente a sua livre convicção. 

Rodrigo Gastalho Moreira, formado em Direito pela UFRJ, com pós-graduação em Gestão Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, formação em Ciências Religiosas pelo Instituto Superior de Ciências Religiosas do Rio de Janeiro e pós-graduação em Teologia Aplicada pela Universidade de Oxford, Reino Unido. 

As opiniões expressas na seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO

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Pedro
Pedro
1 ano atrás

Que tristeza: ocupar-se, num país com tantas deficiências e carências quanto ao serviço de educação pública, em defender o que não é outra coisa privilégio que forçosamente é redutível a poucos e ainda forçar o Estado a se desdobrar para legitimar uma prática que, entre outras coisas, é antissocial…

orestes aloisio santos romano
orestes aloisio santos romano
1 ano atrás

Com todo o respeito e considerando minha pouca, ainda, reflexão sobre a eficácia/eficiência ( binômio comum no processo educativo) desse tipo de educação chama minha atenção para dois pontos: 1- O Estado subsidiário ao ensino dito em casa? Se ele não dá conta nem do que é “dever” vai ter mais obrigação? Por quê não lutar para melhorar a qualidade da educação em geral ( privada/publica) no lugar de talvez pensando no próprio umbigo ( nada cristão, onde o outro é Cristo) tenta salvar a pele ( um direito de todos….). Se o Estado só aplicar “avaliação” prova que ele é melhor definidor da “métrica” sobre o ensino. Agora, aposta-se que a “educação domiciliar” é superior, pois nem se pensa na possibilidade do aluno não atender os requisitos, certo? 2- Educação domiciliar é uma expressão deslocada, pois educação é praticamente só no “berço” que temos ( no domicílio, no lar, em casa, home). Não seria o Estado o responsável, agora se refere a ensino passa a ter outro significado. O que fica claro que essa tal de “homeschooling” é a formação cognitiva, intelectual ou até na sua forma integral, que não seria ministrada pelos “pais”, ou seja, por aquele que paga para meu filho ter a “formação” que eu desejo. E isso? Como combater a desigualdade, meu Deus. Uma outra “casta” nascerá. Estou começando a correr atrás do tema e aí vem as “dúvidas”.

Jorge Luiz Neves
Jorge Luiz Neves
1 ano atrás

Penso que os pais, que assim o desejarem e tiverem condições necessárias, possam ter o direito de proporcionar a seus filhos qual tipo de educação julgarem melhor para seus filhos, já que vivemos num país democrático em que o patrio poder é direito dos pais e não do Estado. Trata-se pois de um Direito Legítimo, observando as normas de ensino e determinações curriculares vigentes no país.